São Paulo, sábado, 26 de janeiro de 2008

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Davos termina como começou, na mais completa escuridão sobre a "besta"

DO ENVIADO ESPECIAL A DAVOS

O encontro anual 2008 do Fórum Econômico Mundial termina da mesma maneira que começou: com seus participantes na mais completa escuridão a respeito do tamanho da "besta", a palavra que o economista da OCDE Javier Santiso usou para designar a crise nos mercados financeiros.
Dá até para dizer que não apenas Davos, mas o mundo só tem uma certeza: não há a menor certeza.
Afinal, o público de Davos é composto pelos executivos das mais portentosas multinacionais, pelos acadêmicos (economistas em especial) das mais lustrosas grifes acadêmicas do planeta e por representantes governamentais de peso.
É sintomático que, em conversas que a Folha teve ontem com três funcionários internacionais, todos com vastíssima experiência em postos de governo em seus países ou no mundo, todos tenham dito, separadamente, a mesma coisa: antes de qualquer análise sobre os desdobramentos, é preciso saber qual é o tamanho do problema no sistema financeiro.
Foram Robert Zoellick, presidente do Banco Mundial, ex-chefe do comércio internacional dos Estados Unidos, ex-segundo do Departamento norte-americano de Estado; Pascal Lamy, ex-comissário europeu para o Comércio, hoje diretor-geral da Organização Mundial de Comércio; e Joaquín Almunia, duas vezes ministro na Espanha, hoje comissário europeu para Assuntos Econômicos e Monetários.
De certa forma, são instituições que gerenciam a globalização, exatamente o fenômeno que está na origem da presente crise, na medida em que a interconexão de mercados financeiros propaga rapidamente movimentos frenéticos de um para outro.
Tanto é assim que o primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, diz que "são momentos de teste para a globalização". E deixa claro que a resposta global deve incluir "mais globalização, não menos", uma fuga para a frente preventiva ante a perspectiva de que a crise torne mais audíveis os gritos por protecionismo, abafados nos anos recentes pelo predomínio do liberalismo.
Pascal Lamy também tem sua sugestão para fugir para a frente, mas é de outra natureza: voltar a dar ênfase "à velha e boa economia da produção", em alusão ao predomínio do capitalismo financeiro na era da globalização.
Ele é o primeiro a admitir que metade dos economistas com os quais conversa diz que a crise é séria, mas a outra metade diz que não é. "Não sei", conforma-se.
Além de perplexidade generalizada, a crise fez ressuscitar o fantasma da inflação, que parecia ter uma estaca cravada no coração.
Almunia conta que, mais que a inflação, o que está aumentando na Europa, é a percepção de alta de preços, porque ela se dá basicamente em alimentos, o que provoca imediata reação do público.
É, de resto, o caso do Brasil, em que a inflação geral não chega a 5% ao ano, mas os alimentos subiram o dobro dessa cifra no ano passado.
Gordon Brown também expressou sua preocupação com a alta de preços de alimentos, ao dizer que ela "pode varrer todos os progressos recentes da África".
O norte-americano Robert Zoellick reforça: são os mais pobres que mais sentem o problema, já que a maior parte de sua pouca renda é justamente para comprar alimentos.
O que as autoridades podem fazer para evitar que a crise se agrave e contamine a economia real, ainda relativamente poupada?
Não parece muito. O espanhol Joaquín Almunia conta que os supervisores de todos os países ricos estão fazendo as respectivas auditorias para ver o que de fato aconteceu no sistema financeiro.
Deveriam trocar amplamente as informações, mas "alguns dados nacionais os supervisores preferem segurar para eles próprios", diz o comissário. (CR)


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