São Paulo, segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

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Davos olha para a China, agora com medo

Destaque positivo nos últimos anos no Fórum Econômico Mundial, país asiático gera apreensão devido aos seus sinais de desaceleração

Para analistas, se economia chinesa crescer abaixo de 8%, crise global deverá se agravar; Nouriel Roubini diz que país já vive recessão

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A ZURIQUE

Nos últimos muitos anos, a elite empresarial do planeta, que forma 70% do público que comparece todo janeiro aos encontros anuais do Fórum Econômico Mundial, olhava para a China com olhos de inveja, muita inveja. Neste ano, os olhares também estarão voltados à China, mas com apreensão, muita apreensão: há um certo consenso de que, se o crescimento chinês ficar abaixo de 8%, haverá não só sérios problemas internos, pela dificuldade em dar emprego à massa de chineses, mas também para o planeta nesta fase de profunda anemia.
Desde o início do século, a China respondeu anualmente por cerca de 17% do crescimento global, fatia muito similar à dos EUA, embora a economia americana seja quatro vezes maior. Claro que se está falando dos EUA do "boom", não do atual, em recessão. Como a União Europeia, a outra grande usina do planeta (responsável por 16% do crescimento), está igualmente parada, um retrocesso chinês afundaria ainda mais a economia global.
Pior: Nouriel Roubini, o economista que se tornou uma espécie de pitonisa da economia, por ter acertado ao prever a crise que ninguém mais via, acha que a China já está em recessão. Parece puro mau agouro, na medida em que a China cresceu a uma taxa anualizada de 6,8% no último trimestre de 2008, um número espetacular em qualquer outro país, mas anêmico para os padrões chineses (em 2007, a alta foi de 11,9%).
Mas Roubini traz argumentos aos quais todo o público do fórum em Davos (que começa na quarta) prestará atenção, já que ele se tornou a principal atração dos encontros de janeiro. Roubini diz que o método de cálculo do PIB na China é diferente, feito ao ano, não trimestre a trimestre, como no resto do mundo. Se a taxa anualizada foi de 6,8%, "então o crescimento real foi zero ou até negativo" [no trimestre outubro-dezembro], escreve em seu blog.
Ele acrescenta: a produção de energia caiu 7,9% em relação ao ano anterior e o índice de produção industrial ficou abaixo de 50 pontos e mais perto de 40 nos cinco meses mais recentes, indicando queda da atividade. Como a indústria, que representa 40% da economia, "está certamente em aguda recessão, a economia como um todo pode estar perto dela".
Pablo Bustelo, investigador principal para a região Ásia-Pacífico do Real Instituto Elcano da Espanha e professor titular de Economia Aplicada na Universidade Complutense de Madri, discorda, em artigo no jornal espanhol "El País". Ele lembra que o governo chinês tem "armas poderosas para lutar contra a freada no crescimento". Cita uma situação orçamentária sadia (o déficit público é só 1% do PIB e a dívida ronda magros 18% do PIB).
E conclui: "A menos que o ambiente externo se deteriore muito mais do que previsto (se, por exemplo, as quedas do PIB nos EUA, Japão e Europa superarem apreciavelmente os 2% previstos até agora), tudo parece indicar que a China logrará manter uma taxa de crescimento de 7% ou 8% em 2009".
É uma previsão em linha com os 7,5% previstos pelo Banco Mundial e com os 8% que o governo chinês anuncia. Mas o Fundo Monetário Internacional aponta para magros 5%, o pior índice desde a revolta da praça da Paz Celestial, há exatos 20 anos. Depois que o pessimista Roubini, até então desacreditado, viu confirmados seus piores prognósticos, é bem provável que o público de Davos prefira, neste ano, acreditar nos números negativos.


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