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OPINIÃO ECONÔMICA
Câmaras setoriais, o debate
ANTONIO BARROS DE CASTRO
Nos primeiros anos da década passada houve um
acalorado mas inconcluso debate
sobre as chamadas câmaras setoriais.
Com o lançamento pelo atual
governo do Conselho de Desenvolvimento, o aguerrido Gustavo
Franco ("O Estado de São Paulo",
9 e 23 de fevereiro) trouxe o debate à tona, provocando pronta resposta da ex-ministra Dorothéa
Werneck (no mesmo jornal, em 16
de fevereiro). Tomarei a questão
por um ângulo que está ausente
na argumentação de Franco
-mas não inteiramente na posição de Dorothéa.
Acredito que o ponto de partida
da discussão deva ser o péssimo
estado em que se encontrava a indústria brasileira no início da década passada. Focalizando apenas a indústria automobilística,
referência obrigatória na avaliação da experiência das câmaras
setoriais, podemos afirmar que os
seus maiores problemas eram: a
defasagem dos modelos, o mau
estado das relações entre fornecedores, montadoras e trabalhadores e o encarecimento dos preços
domésticos em dólar.
A gravidade da situação pode
ser avaliada pelo fato de que, nos
anos precedentes e sob a liderança do Japão, haviam sido profundamente alteradas as relações entre as partes envolvidas na produção. Numa palavra, o novo modelo impunha muito mais colaboração e interação -não sendo mais
sustentáveis as relações não cooperativas do fordismo. De acordo
com Womack J. P. (e outros) no
clássico "A Máquina que Mudou
o Mundo", no modelo que estava
sendo ultrapassado "os fornecedores entram em cena tardiamente no processo, pouco podendo fazer para melhorar o projeto".
Em suma, no mundo pós-Toyota, não dava mais para competir
à moda antiga.
No caso da indústria brasileira,
as relações eram não apenas do
tipo antigo como haviam se tornado mais conflituosas, durante
a longa estagnação dos anos 80
(década em que a produção de
autos havia sofrido tombos de
14,8% e 10,8%, nos anos de 1987 e
1990). Nesse contexto, as câmaras
setoriais eram uma experiência,
no mínimo, muito oportuna. Elas
contribuíam para a aproximação
das partes, indispensável à rápida
evolução para o novo paradigma,
imposta pela abertura da economia.
Foi, aliás, no clima criado pelas
câmaras que surgiu o decreto do
presidente Itamar, rebaixando a
carga tributária para autos "populares" -vale dizer, capazes de
atender às faixas de renda em que
era maior o potencial de crescimento do mercado. Tratada por
muitos com desdém, a medida
(que havia sido recomendada pela Booz-Allen & Hamilton, em estudo datado de 1990) revelou-se,
como bem se sabe, extraordinariamente exitosa.
Pode-se mesmo arriscar a hipótese de que, com essa mudança tinha início a transição da indústria brasileira para uma fase mais
avançada, em que começa a ganhar importância a especialização por produtos. Ou seja, o carro
de mil cilindradas, a família ERJ
de aviões da Embraer, os ônibus
da Marcopolo e os produtos da
Natura, exemplificando, estariam inaugurando o ingresso do
Brasil num estágio superior da
competição.
Gustavo Franco, contudo, possivelmente esperava que a especialização brasileira a partir da
abertura se daria por fatores
-concentrando-se a economia
em atividades altamente empregadoras de mão-de-obra e de recursos naturais. No nosso caso,
porém, não se deu essa especialização por grandes setores.
Ocorre, porém, que, na especialização por produtos, assim como,
genericamente, nas formas de organização contemporâneas, o entendimento entre capital e trabalho é muito importante -assim
como o bom e íntimo relacionamento com fornecedores e até
mesmo clientes. Por todas essas
razões, pode-se sustentar que as
câmaras setoriais (e a automobilística, muito particularmente)
ajudaram a recuperar o tempo
perdido. Se assim for, chamá-las
de "quintal de lobistas", "embuste
setorial" ou "carnavalização" da
política industrial parece mera
pirotecnia verbal.
Antonio Barros de Castro, 58, professor titular da UFRJ (Universidade Federal
do Rio de Janeiro) e ex-presidente do
BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), escreve às
quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.
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