São Paulo, quarta-feira, 26 de abril de 2006

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OPINIÃO ECONÔMICA

Duas histórias

PAULO RABELLO DE CASTRO

Para chegar aonde chegou, o petróleo brasileiro é, inegavelmente, uma história de sucesso. O percurso dessa história, desde a fase heróica, dos anos 50 a 70, até a fase atual, a de afirmar-se como gigante internacional, faturamento em 2005 de R$ 179 bilhões, com imenso caixa, bons "ratings", inclusive ambientais, faz morrer de inveja outro qualquer monopolista banal. Essa é a Petrobras.
Dos 2.000 barris/dia, extraídos penosamente em 1954, até a "auto-suficiência" de hoje, ao nível dos 2 milhões de barris/dia, num múltiplo de mil vezes, confirma-se não só o talento dos profissionais brasileiros como revela-se, também, o quanto é possível fazer, ultrapassando dúvidas e barreiras iniciais, quando se tem e se mantém um alvo estratégico da nação. Custou muito, mas a sociedade brasileira pagou a conta, e valeu a pena, tudo resumido pelo sorriso que o regozijante presidente Lula lançou para as câmeras, ao sujar a mão com o ouro negro que pode lhe trazer, de troco, tão bons fluidos políticos.
A nossa outra história de sucesso também comemora 50 anos, mais ou menos. Começa anonimamente, no interior do Rio Grande do Sul, enquanto se furavam os primeiros poços terrestres da Petrobras na Bahia. Essa outra história, de muitos milhares de homens e mulheres empreendedores, diverge, em roteiro e conteúdo, da saga da Petrobras. Falo da nossa soja, a grande loura brasileira, gaúcha de origem, exportável para o mundo inteiro, segunda em produção mundial, logo atrás da loura americana. Sucesso tecnológico tão significativo quanto explorar óleo em águas profundas, a Embrapa e outros institutos de pesquisa criaram variedades adaptadas ao plantio direto no cerrado brasileiro. Foram mais de 50 milhões de toneladas, só no ano passado, e, por conta desse imenso superávit, produziram-se muitíssimas dezenas de bilhões de dólares em saldo comercial favorável, tirando o Brasil, várias vezes, da beirada do abismo financeiro. Muito antes de a Petrobras bater na marca da sua própria auto-suficiência energética.
Porém essa mesma soja virou, hoje, uma espécie de "loura burra". Sua abundância lhe trouxe a desgraça: gerou tantos dólares até ajudar a produzir um câmbio mortal de R$ 2,10, tão valorizado que foi capaz de inverter a equação de sucesso do agronegócio, sinalizando, a partir de agora, prejuízo na certa e insolvência financeira à vista para quem insistir no próximo plantio. Óbvio que a culpa do câmbio artificial não é da "loura burra", mas dos sábios oficiais que conseguem transformar, da noite para o dia, histórias de sucesso em negócio ruinoso. As duas histórias se entrecruzam nesse momento. Comemora-se o extraordinário lucro da Petrobras, com o barril a US$ 70 (já esteve em US$ 15, na década passada), enquanto a saca da soja em Mato Grosso, antes vendida a mais de R$ 40, não alcança R$ 20, para quem quiser tirá-la do campo, por caminhos esburacados ao preço do óleo diesel que duplicou, em termos reais.
É tudo uma questão de preços relativos, às vezes tremendamente manipulados. A conjuntura internacional não é desfavorável para a soja, haja vista o quanto a Argentina irá faturar nas costas da crise do agronegócio brasileiro. Contudo juros e câmbio errados podem provocar trocas de sinais microeconômicos, convertendo em retorno privado negativo, atividades cujo retorno social é, de fato, muito positivo. Mal comparando, é como se "deixássemos quebrar" a Petrobras por não haver previsto, à frente, um quadrante adverso de preços, a US$ 10 por barril. Ninguém, em sã consciência, imaginaria desmantelar uma vitoriosa máquina produtiva só para cumprir a "regras de mercado".
No entanto a soja brasileira tromba contra as regras, não de mercado, mas da ditadura do congelamento disfarçado da cesta básica, via câmbio, sem que isso comova grandemente os poderosos da República.
As vitórias da aplicação da verba pública, empolgantes por sinal, da astronáutica aos poços de petróleo, passando pelo Bolsa-Família, são comemoradas como pênaltis convertidos em gols pelo próprio locutor da partida. Enquanto isso, vitórias anônimas de tantos milhares de profissionais do campo, empreendedores e trabalhadores, restam esquecidos sem conferência de placar.
O tempo cobrará essa fatura, se nada fizermos a tempo.


Paulo Rabello de Castro, 57, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora de riscos. Preside também a RC Consultores, consultoria econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da Fecomercio SP. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.
E-mail - rabellodecastro@uol.com.br


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