|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO ECONÔMICA
Duas histórias
PAULO RABELLO DE CASTRO
Para chegar aonde chegou,
o petróleo brasileiro é, inegavelmente, uma história de sucesso.
O percurso dessa história, desde a
fase heróica, dos anos 50 a 70, até
a fase atual, a de afirmar-se como
gigante internacional, faturamento em 2005 de R$ 179 bilhões, com
imenso caixa, bons "ratings", inclusive ambientais, faz morrer de
inveja outro qualquer monopolista banal. Essa é a Petrobras.
Dos 2.000 barris/dia, extraídos
penosamente em 1954, até a "auto-suficiência" de hoje, ao nível
dos 2 milhões de barris/dia, num
múltiplo de mil vezes, confirma-se
não só o talento dos profissionais
brasileiros como revela-se, também, o quanto é possível fazer, ultrapassando dúvidas e barreiras
iniciais, quando se tem e se mantém um alvo estratégico da nação.
Custou muito, mas a sociedade
brasileira pagou a conta, e valeu a
pena, tudo resumido pelo sorriso
que o regozijante presidente Lula
lançou para as câmeras, ao sujar a
mão com o ouro negro que pode
lhe trazer, de troco, tão bons fluidos políticos.
A nossa outra história de sucesso
também comemora 50 anos, mais
ou menos. Começa anonimamente, no interior do Rio Grande do
Sul, enquanto se furavam os primeiros poços terrestres da Petrobras na Bahia. Essa outra história,
de muitos milhares de homens e
mulheres empreendedores, diverge, em roteiro e conteúdo, da saga
da Petrobras. Falo da nossa soja, a
grande loura brasileira, gaúcha de
origem, exportável para o mundo
inteiro, segunda em produção
mundial, logo atrás da loura americana. Sucesso tecnológico tão significativo quanto explorar óleo em
águas profundas, a Embrapa e outros institutos de pesquisa criaram
variedades adaptadas ao plantio
direto no cerrado brasileiro. Foram mais de 50 milhões de toneladas, só no ano passado, e, por conta desse imenso superávit, produziram-se muitíssimas dezenas de
bilhões de dólares em saldo comercial favorável, tirando o Brasil, várias vezes, da beirada do abismo
financeiro. Muito antes de a Petrobras bater na marca da sua
própria auto-suficiência energética.
Porém essa mesma soja virou,
hoje, uma espécie de "loura burra". Sua abundância lhe trouxe a
desgraça: gerou tantos dólares até
ajudar a produzir um câmbio
mortal de R$ 2,10, tão valorizado
que foi capaz de inverter a equação de sucesso do agronegócio, sinalizando, a partir de agora, prejuízo na certa e insolvência financeira à vista para quem insistir no
próximo plantio. Óbvio que a culpa do câmbio artificial não é da
"loura burra", mas dos sábios oficiais que conseguem transformar,
da noite para o dia, histórias de
sucesso em negócio ruinoso. As
duas histórias se entrecruzam nesse momento. Comemora-se o extraordinário lucro da Petrobras,
com o barril a US$ 70 (já esteve em
US$ 15, na década passada), enquanto a saca da soja em Mato
Grosso, antes vendida a mais de
R$ 40, não alcança R$ 20, para
quem quiser tirá-la do campo, por
caminhos esburacados ao preço
do óleo diesel que duplicou, em
termos reais.
É tudo uma questão de preços
relativos, às vezes tremendamente
manipulados. A conjuntura internacional não é desfavorável para
a soja, haja vista o quanto a Argentina irá faturar nas costas da
crise do agronegócio brasileiro.
Contudo juros e câmbio errados
podem provocar trocas de sinais
microeconômicos, convertendo
em retorno privado negativo, atividades cujo retorno social é, de
fato, muito positivo. Mal comparando, é como se "deixássemos
quebrar" a Petrobras por não haver previsto, à frente, um quadrante adverso de preços, a US$ 10
por barril. Ninguém, em sã consciência, imaginaria desmantelar
uma vitoriosa máquina produtiva
só para cumprir a "regras de mercado".
No entanto a soja brasileira
tromba contra as regras, não de
mercado, mas da ditadura do congelamento disfarçado da cesta básica, via câmbio, sem que isso comova grandemente os poderosos
da República.
As vitórias da aplicação da verba pública, empolgantes por sinal,
da astronáutica aos poços de petróleo, passando pelo Bolsa-Família, são comemoradas como pênaltis convertidos em gols pelo
próprio locutor da partida. Enquanto isso, vitórias anônimas de
tantos milhares de profissionais do
campo, empreendedores e trabalhadores, restam esquecidos sem
conferência de placar.
O tempo cobrará essa fatura, se
nada fizermos a tempo.
Paulo Rabello de Castro, 57, doutor em
economia pela Universidade de Chicago
(EUA), é vice-presidente do Instituto
Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora de riscos. Preside também a
RC Consultores, consultoria econômica,
e o Conselho de Planejamento Estratégico da Fecomercio SP. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.
E-mail - rabellodecastro@uol.com.br
Texto Anterior: Vale estuda pulverizar ações neste ano Próximo Texto: Tendências internacionais - Empresas: Amazon tem lucro 35% menor no 1º tri Índice
|