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APOSENTADORIA
Pesquisa inédita em 20 países revela paradoxo entre a falta de planejamento para a velhice e expectativas otimistas
Brasileiro poupa pouco e quer parar cedo
FERNANDO CANZIAN
DA REPORTAGEM LOCAL
O brasileiro encara com grandes
ambições e pouquíssimo planejamento o período de aposentadoria. Entre 20 países pesquisados, é
um dos povos que menos poupam para a velhice, que menos fazem cálculos das necessidades futuras ou que menos procuram
ajuda para isso.
Ao mesmo tempo, está entre os
que querem se aposentar mais cedo para "relaxar", "descansar" e
"ter uma vida sexual mais ativa".
E isso logo depois dos 57 anos.
Para chegar lá, a maioria dos
brasileiros acha que é o governo
quem deveria finalmente bancar
pelo seu descanso e prazer.
Segundo estudo elaborado pela
Universidade de Oxford e encomendado pelo banco HSBC ao
Harris Institute, o Brasil está longe de se preocupar com o seu futuro, pelo menos em termos atuariais para a velhice. O levantamento ouviu 20 mil pessoas e
6.000 empresários no mundo.
Só 24% dos brasileiros disseram
já ter poupado ou poupar hoje
com o propósito de não fazer nada amanhã. Os indianos (31%),
mexicanos (34%) e principalmente os americanos (66%) se
mostraram mais previdentes.
A maioria dos brasileiros (52%)
quer "relaxar e descansar" quando ficar mais velha. Isso com muito prazer. Os brasileiros estão no
topo da pesquisa entre os que
querem uma vida sexual mais ativa na aposentadoria: 66%.
Em grande parte dos outros países, o que se almeja é uma aposentadoria mais tardia e conciliada
com outras atividades e interesses, além do sexo. No Brasil, a
maioria (51%) não se mostra interessada em se envolver com algum novo tipo de trabalho.
Sonho e realidade
Para o ex-presidente do IBGE
(Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística) Sérgio Besserman
Vianna, os resultados da comparação com outros 19 países são
"preocupantes". "Mas não são de
todo surpreendentes."
Vianna acredita que, por ter vivido durante muitos anos em
uma economia inflacionária e
completamente instável, é difícil
para o brasileiro hoje em vias de
se aposentar ter pensado em poupança na vida. "Naquele contexto,
até o Plano Real (1994), poupar
era quase um ato irracional."
As estatísticas sociais brasileiras
também mostram uma enorme
diferença entre o sonho e a realidade. Mesmo sem querer, os idosos no Brasil acabam trabalhando
por muito tempo na velhice para
se sustentar, afirma Vianna.
O economista Eduardo Giannetti lê nos resultados da pesquisa
uma espécie de síntese das "deformações na psicologia temporal"
dos brasileiros.
Segundo ele, o rescaldo do passado indígena e "afro-escravo"
("os escravos não eram donos
nem de seus próprios corpos") no
Brasil seria responsável por uma
"espantosa extravagância" nos
gastos e pela forte "ansiedade pelo
consumo imediato".
Como exemplo, Giannetti cita
os juros do crediário no Brasil,
amplamente utilizado pelas classes mais pobres. "Embora não
poupem para a velhice, os brasileiros entregam às lojas uma geladeira em juros na ânsia de comprar já o seu refrigerador. É o absurdo de comprometer o futuro
para desfrutar o presente", diz.
Avaliação do futuro
Economista e escritor, Giannetti
publicou recentemente "O Valor
do Amanhã", livro que trata, entre outras coisas, de cuidados e
desleixos em relação ao futuro
com ensinamentos econômicos,
biológicos e filosóficos.
Na natureza, segundo o livro,
um dos exemplos mais surpreendentes de previdência é o de alguns roedores. Hamsters e esquilos de 100g de peso chegam a acumular 25 quilos de alimentos na
toca, que jamais serão comidos.
Uma quase-extinção pela fome
seria uma explicação plausível para a neurose desses bichos.
"Mãe-Previdência"
Para o economista Fábio Giambiagi, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, vinculado ao Ministério do Planejamento), além de não se precaver
sozinho para o futuro, o brasileiro
é também "ingrato" com relação
ao seu sistema previdenciário.
"O que se exige dos brasileiros
para que tenham direito a algum
benefício público são, em média,
12,5 anos de contribuição, contra
25 a 30 anos lá fora", diz. "É fácil
pichar a Previdência, mas ela é
uma "grande mãe" no Brasil."
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