São Paulo, quarta-feira, 26 de abril de 2006

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APOSENTADORIA

Pesquisa inédita em 20 países revela paradoxo entre a falta de planejamento para a velhice e expectativas otimistas

Brasileiro poupa pouco e quer parar cedo

FERNANDO CANZIAN
DA REPORTAGEM LOCAL

O brasileiro encara com grandes ambições e pouquíssimo planejamento o período de aposentadoria. Entre 20 países pesquisados, é um dos povos que menos poupam para a velhice, que menos fazem cálculos das necessidades futuras ou que menos procuram ajuda para isso.
Ao mesmo tempo, está entre os que querem se aposentar mais cedo para "relaxar", "descansar" e "ter uma vida sexual mais ativa". E isso logo depois dos 57 anos.
Para chegar lá, a maioria dos brasileiros acha que é o governo quem deveria finalmente bancar pelo seu descanso e prazer.
Segundo estudo elaborado pela Universidade de Oxford e encomendado pelo banco HSBC ao Harris Institute, o Brasil está longe de se preocupar com o seu futuro, pelo menos em termos atuariais para a velhice. O levantamento ouviu 20 mil pessoas e 6.000 empresários no mundo.
Só 24% dos brasileiros disseram já ter poupado ou poupar hoje com o propósito de não fazer nada amanhã. Os indianos (31%), mexicanos (34%) e principalmente os americanos (66%) se mostraram mais previdentes.
A maioria dos brasileiros (52%) quer "relaxar e descansar" quando ficar mais velha. Isso com muito prazer. Os brasileiros estão no topo da pesquisa entre os que querem uma vida sexual mais ativa na aposentadoria: 66%.
Em grande parte dos outros países, o que se almeja é uma aposentadoria mais tardia e conciliada com outras atividades e interesses, além do sexo. No Brasil, a maioria (51%) não se mostra interessada em se envolver com algum novo tipo de trabalho.

Sonho e realidade
Para o ex-presidente do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) Sérgio Besserman Vianna, os resultados da comparação com outros 19 países são "preocupantes". "Mas não são de todo surpreendentes."
Vianna acredita que, por ter vivido durante muitos anos em uma economia inflacionária e completamente instável, é difícil para o brasileiro hoje em vias de se aposentar ter pensado em poupança na vida. "Naquele contexto, até o Plano Real (1994), poupar era quase um ato irracional."
As estatísticas sociais brasileiras também mostram uma enorme diferença entre o sonho e a realidade. Mesmo sem querer, os idosos no Brasil acabam trabalhando por muito tempo na velhice para se sustentar, afirma Vianna.
O economista Eduardo Giannetti lê nos resultados da pesquisa uma espécie de síntese das "deformações na psicologia temporal" dos brasileiros.
Segundo ele, o rescaldo do passado indígena e "afro-escravo" ("os escravos não eram donos nem de seus próprios corpos") no Brasil seria responsável por uma "espantosa extravagância" nos gastos e pela forte "ansiedade pelo consumo imediato".
Como exemplo, Giannetti cita os juros do crediário no Brasil, amplamente utilizado pelas classes mais pobres. "Embora não poupem para a velhice, os brasileiros entregam às lojas uma geladeira em juros na ânsia de comprar já o seu refrigerador. É o absurdo de comprometer o futuro para desfrutar o presente", diz.

Avaliação do futuro
Economista e escritor, Giannetti publicou recentemente "O Valor do Amanhã", livro que trata, entre outras coisas, de cuidados e desleixos em relação ao futuro com ensinamentos econômicos, biológicos e filosóficos.
Na natureza, segundo o livro, um dos exemplos mais surpreendentes de previdência é o de alguns roedores. Hamsters e esquilos de 100g de peso chegam a acumular 25 quilos de alimentos na toca, que jamais serão comidos. Uma quase-extinção pela fome seria uma explicação plausível para a neurose desses bichos.

"Mãe-Previdência"
Para o economista Fábio Giambiagi, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, vinculado ao Ministério do Planejamento), além de não se precaver sozinho para o futuro, o brasileiro é também "ingrato" com relação ao seu sistema previdenciário.
"O que se exige dos brasileiros para que tenham direito a algum benefício público são, em média, 12,5 anos de contribuição, contra 25 a 30 anos lá fora", diz. "É fácil pichar a Previdência, mas ela é uma "grande mãe" no Brasil."


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