São Paulo, quinta-feira, 26 de abril de 2007

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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Novos rumos?

A menor vulnerabilidade externa tornou o governo mais independente do mercado financeiro

"O BRASIL NÃO É para principiantes", dizia Tom Jobim. O estrangeiro demora muito a se situar. Mesmo o brasileiro experimentado tropeça, volta e meia. O governo Lula, por exemplo, é um fenômeno ambivalente, que escapa aos enquadramentos habituais.
Na área econômica, o governo começou, em 2003, sob o signo da cautela. Cautela, não. A palavra é outra: medo. A pergunta que muitos logo fizeram foi: O medo venceu a esperança? -uma inversão sarcástica do slogan da campanha eleitoral de 2002.
O sarcasmo era justificado. Todos, ou quase todos, os postos cruciais no Ministério da Fazenda e no Banco Central continuaram ocupados por economistas e financistas que poderiam ter servido, ou serviram mesmo, aos governos Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso. As mudanças ocorreram em outras áreas -na política externa e na política social, por exemplo.
É verdade que no início do governo, em 2003, políticas econômicas restritivas, no campo monetário e fiscal, eram inevitáveis. O país vivia situação econômica muito delicada, marcada por desequilíbrios de balanço de pagamentos, fuga de capitais, reservas internacionais reduzidas, depreciação do real e ameaça de volta da inflação.
O que se esperava, porém, é que essas políticas restritivas representassem uma transição para um novo modelo. Com o passar do tempo, ficou claro que elas estavam se consolidando como orientação duradoura do governo. Fortaleceu-se a impressão de que, nas eleições presidenciais de 2002, o candidato que seria vitorioso fizera um acordo com o "establishment" financeiro, assumindo o compromisso de manter essencialmente intocada a área econômica do governo em troca de uma redução das resistências à sua candidatura.
O então novo ministro da Fazenda, Antônio Palocci Filho, encantou-se imediatamente com o seu papel de fiador da "responsabilidade" econômica. Era celebrado em prosa e verso nos meios financeiros locais e internacionais.
A queda de Palocci não estava nos planos do governo, mas acabou abrindo caminho para mudanças graduais na área econômica. O presidente da República não aceitou a sugestão de nomear para a Fazenda alguém da confiança do mercado. Preferiu nomear alguém da sua própria confiança.
Àquela altura, o desgaste da linha estritamente ortodoxa já estava bastante visível. A grande frustração era, como ainda é, o baixo crescimento da economia. Além disso, a crise política de 2005-2006 deve ter deixado algumas lições para o presidente da República. Por mais que se esforçasse, seguindo fielmente as políticas econômicas "responsáveis" esperadas pelo "establishment", o ex-metalúrgico e ex-líder sindical jamais seria aceito como membro do clube. A campanha eleitoral de 2006 mostraria que grande parte, provavelmente a maior parte das elites e da classe média alta se opunha de maneira feroz à reeleição de Lula.
Com a sua vitória, o acordo de 2002 caducou. O presidente ficou com as mãos livres para mudar de orientação na área econômica. Tanto mais que a diminuição da vulnerabilidade externa desde 2003 tornara o governo brasileiro mais independente das opiniões e dos preconceitos do mercado financeiro doméstico e internacional.
Não acontecerão mudanças bruscas. Não é o estilo do presidente. Mas a inflexão começou mesmo antes das eleições. Aos poucos, pediram demissão ou foram sendo demitidos diversos integrantes da equipe do ministro Palocci. Hoje, não sobra no Ministério da Fazenda quase nenhum secretário da gestão anterior. O BNDES passou de Carlos Lessa para Guido Mantega, depois para Demian Fiocca e, agora, para Luciano Coutinho -todos economistas de orientação desenvolvimentista.
Até no Banco Central notam-se sinais de mudança. Recentemente, saíram dois diretores considerados mais rígidos. O diretor recém-indicado, Mário Torós, sabatinado anteontem no Senado, parece ter dado indicações claras de que chega com uma orientação diferente. "A taxa de juro [...] pode cair muito mais nas próximas reuniões [do Copom]", disse ele.
Novos rumos?


PAULO NOGUEIRA BATISTA JR., 52, escreve às quintas-feiras nesta coluna. Diretor-executivo no FMI, representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago).

pnbjr@attglobal.net


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