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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Novos rumos?
A menor vulnerabilidade externa tornou o governo mais independente do mercado financeiro
"O BRASIL NÃO É para principiantes", dizia Tom Jobim. O estrangeiro demora muito a se situar. Mesmo o
brasileiro experimentado tropeça,
volta e meia. O governo Lula, por
exemplo, é um fenômeno ambivalente, que escapa aos enquadramentos habituais.
Na área econômica, o governo começou, em 2003, sob o signo da cautela. Cautela, não. A palavra é outra:
medo. A pergunta que muitos logo
fizeram foi: O medo venceu a esperança? -uma inversão sarcástica do
slogan da campanha eleitoral de
2002.
O sarcasmo era justificado. Todos,
ou quase todos, os postos cruciais no
Ministério da Fazenda e no Banco
Central continuaram ocupados por
economistas e financistas que poderiam ter servido, ou serviram mesmo, aos governos Fernando Collor e
Fernando Henrique Cardoso. As
mudanças ocorreram em outras
áreas -na política externa e na política social, por exemplo.
É verdade que no início do governo, em 2003, políticas econômicas
restritivas, no campo monetário e
fiscal, eram inevitáveis. O país vivia
situação econômica muito delicada,
marcada por desequilíbrios de balanço de pagamentos, fuga de capitais, reservas internacionais reduzidas, depreciação do real e ameaça de
volta da inflação.
O que se esperava, porém, é que
essas políticas restritivas representassem uma transição para um novo
modelo. Com o passar do tempo, ficou claro que elas estavam se consolidando como orientação duradoura
do governo. Fortaleceu-se a impressão de que, nas eleições presidenciais de 2002, o candidato que seria
vitorioso fizera um acordo com o
"establishment" financeiro, assumindo o compromisso de manter
essencialmente intocada a área econômica do governo em troca de uma
redução das resistências à sua candidatura.
O então novo ministro da Fazenda, Antônio Palocci Filho, encantou-se imediatamente com o seu papel de fiador da "responsabilidade"
econômica. Era celebrado em prosa
e verso nos meios financeiros locais
e internacionais.
A queda de Palocci não estava nos
planos do governo, mas acabou
abrindo caminho para mudanças
graduais na área econômica. O presidente da República não aceitou a
sugestão de nomear para a Fazenda
alguém da confiança do mercado.
Preferiu nomear alguém da sua própria confiança.
Àquela altura, o desgaste da linha
estritamente ortodoxa já estava bastante visível. A grande frustração
era, como ainda é, o baixo crescimento da economia. Além disso, a
crise política de 2005-2006 deve ter
deixado algumas lições para o presidente da República. Por mais que se
esforçasse, seguindo fielmente as
políticas econômicas "responsáveis" esperadas pelo "establishment", o ex-metalúrgico e ex-líder
sindical jamais seria aceito como
membro do clube. A campanha eleitoral de 2006 mostraria que grande
parte, provavelmente a maior parte
das elites e da classe média alta se
opunha de maneira feroz à reeleição
de Lula.
Com a sua vitória, o acordo de
2002 caducou. O presidente ficou
com as mãos livres para mudar de
orientação na área econômica. Tanto mais que a diminuição da vulnerabilidade externa desde 2003 tornara o governo brasileiro mais independente das opiniões e dos preconceitos do mercado financeiro doméstico e internacional.
Não acontecerão mudanças bruscas. Não é o estilo do presidente.
Mas a inflexão começou mesmo antes das eleições. Aos poucos, pediram demissão ou foram sendo demitidos diversos integrantes da
equipe do ministro Palocci. Hoje,
não sobra no Ministério da Fazenda
quase nenhum secretário da gestão
anterior. O BNDES passou de Carlos
Lessa para Guido Mantega, depois
para Demian Fiocca e, agora, para
Luciano Coutinho -todos economistas de orientação desenvolvimentista.
Até no Banco Central notam-se sinais de mudança. Recentemente,
saíram dois diretores considerados
mais rígidos. O diretor recém-indicado, Mário Torós, sabatinado anteontem no Senado, parece ter dado
indicações claras de que chega com
uma orientação diferente. "A taxa de
juro [...] pode cair muito mais nas
próximas reuniões [do Copom]",
disse ele.
Novos rumos?
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR., 52, escreve às quintas-feiras nesta coluna. Diretor-executivo no FMI, representa
um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago).
pnbjr@attglobal.net
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