São Paulo, quinta-feira, 26 de abril de 2007

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VINICIUS TORRES FREIRE

Lula, sorte, inércia e varejo

Imposto para importar roupa, intervenção no Ambiente, esparadrapo na aviação: falta perspectiva ao governo

O VAREJO é a alma do negócio do governo Lula. Sim, há um ou outro projeto com perspectivas que ultrapassam o horizonte amesquinhado da propaganda, da barganha no paço presidencial, do esparadrapo administrativo, da politiquice, dos "rent seekers".
Alguns ministros e a burocracia mais capazes e refletidos conseguem vencer o cortejo logorréico e tumultuário que é a presidência luliana. Oferecem planos concatenados, como o de melhorias no desempenho escolar, do Ministério da Educação. Ou aplacam desejos lulianos desordenados com programas que param de pé -lembre-se o desastre do Fome Zero, que um núcleo de técnicos petistas transformou no Bolsa Família. Mas o PAC já é manobra de fusão & aquisição de projetos dispersos -uma rede varejista.
A índole luliana é o varejo. Não há perspectiva, mas linhas de fuga interrompidas por decisões ad hoc. Exemplos reaparecem nas atitudes recentes do governo.
O câmbio é um problema? Aumente-se o Imposto de Importação de roupas, tecidos e calçados, como o governo anunciou ontem.
A licença ambiental para a construção de hidrelétricas empacou? Tome intervenção míope na burocracia do Ministério do Ambiente.
O universo do trabalho não cabe mais nas decrépitas leis trabalhistas, e há gente querendo, por isso, arrasar a escassa proteção real que há para o trabalhador miúdo? O governo empaca numa disputa com um lobby localizado da "flexibilização" da CLT (a "emenda 3"), sem cogitar de reformas graduais e meditadas.
Há tumulto na aviação? Bola-se um embrião de sindicato de praças da Aeronáutica. Os oficiais reagem com insubordinação em sentido contrário? Chamam a polícia (da Aeronáutica) e baixa só a repressão, até a volta do tumulto ou coisa pior.
A concessão das rodovias federais estava superfaturada? Sim, foi adequado sustar a licitação. Mas meses, anos, depois de delongas, buracos, custos e mortes nas estradas, onde está o plano para que o país disponha de caminhos carroçáveis?
Pode-se dizer que algumas dessas medidas são circunstanciais, que todo governo tem de lidar com crises pontuais, que a humanidade e os governos são por natureza varejantes.
Talvez. Mas quem toma providências que chama de emergenciais quer sugerir que tem consciência de que é preciso mais planejamento, visão de futuro e mudança institucional. É esse o caso do governo Lula?
Proteger fábricas de roupas e calçados com Imposto de Importação pode ser um balão de oxigênio para indústrias em infarto, trombadas por real forte, ineficiências e por dumping e contrabando chinês. Mas por que só vestuário? E os setores nascentes ou morituros precoces, de ponta tecnológica, por exemplo? E se o câmbio ficar anos na mesma, ou quase? Qual o projeto de inovação tecnológica sistemática?
As leis e a distribuição de responsabilidades no Ambiente são disfuncionais? Mas quede a reforma das leis? O governo só reage quando há o risco de um bagre do rio Madeira apodrecer no colo da sua imagem?
O governo luliano é de inércia na política econômica e de anestesia do conflito social por meio da distribuição de rendas para muito ricos e muito pobres, e pouco mais.


vinit@uol.com.br

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