São Paulo, domingo, 26 de maio de 2002

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DIPLOMACIA

Em discursos, parlamentares acusam Brasil de cartel, de explorar crianças e de ameaça a empregos e famílias americanos

Brasil é "espinho" para Congresso dos EUA

MARCIO AITH
DE WASHINGTON

Uma visão extremamente negativa e perversa sobre o Brasil apareceu nos últimos meses com a nova onda protecionista do Congresso norte-americano.
Senadores e deputados norte-americanos consideram o Brasil um adversário intransigente dos EUA, um "espinho" para os interesses econômicos norte-americanos e um país que golpeia abaixo da cintura para obter vantagens comerciais.
Essa visão, quase majoritária, consta de discursos cujas íntegras foram pesquisadas pela Folha e foi usada para legitimar e reforçar instrumentos dos EUA para proteger seus interesses econômicos.
Entre esses instrumentos estão as leis de salvaguarda e de antidumping, os subsídios agrícolas fornecidos aos produtores rurais pela nova lei agrícola do país e as restrições às importações de produtos siderúrgicos. Todas prejudicam interesses brasileiros.
São mais de cem citações ao Brasil desde janeiro. Várias delas foram proferidas pelo "baixo clero" (deputados e senadores com pouca expressão política) do Congresso, mas outras constam de pronunciamentos de parlamentares influentes como Max Baucus, senador democrata por Montana desde 1978.
"O Brasil é um espinho para nós e para os diversos países da América do Sul que querem juntar-se aos nossos esforços para chegar a um acordo da Alca [Área de Livre Comércio das Américas"", disse Baucus, que preside o influente comitê de assuntos financeiros do Senado.

Benefícios
Ao referir-se à insistência do Brasil para que os EUA mudem suas regras antidumping, Baucus disse, no dia 14 deste mês: "É importante recuar um pouco e perguntar por que o Brasil quer que nossas leis comerciais fiquem mais fracas. A resposta é muito clara: suas companhias e seus trabalhadores vão beneficiar-se a custa dos nossos".
A Folha só localizou duas citações que, embora não sejam favoráveis ao Brasil, alertam o Congresso para o impacto que as medidas protecionistas terão sobre a política brasileira e sobre o cronograma da Alca.
Uma delas foi feita no dia 7 deste mês pelo deputado democrata William Jefferson, do Estado da Louisiana, como crítica à decisão da Casa Branca que elevou restrições às importações siderúrgicas.
"Ainda neste ano, os Estados Unidos e o Brasil vão assumir a vice-presidência das negociações da Alca. As eleições presidenciais brasileiras estão agendadas para outubro deste ano. Há evidências de que a decisão do presidente [Bush] fortaleceu o viés protecionista dos candidatos concorrendo à Presidência. Claramente, a decisão da Casa Branca tem o potencial de detonar atrasos nas conversas da Alca."

Vilão
A opinião de Jefferson é isolada. Em sua maioria, parlamentares norte-americanos acham que o Brasil merece medidas retaliatórias por manter práticas comerciais imorais, injustas, que teriam como objetivo o controle monopolista do mercado.
"Existem 2,9 milhões de crianças brasileiras abaixo de 15 anos trabalhando, trabalhando em indústrias e em outras circunstâncias, fabricando produtos que virão para nossos mercados. Vocês acham que é justo pedir a alguém de Pittsburgh -que está tentando criar uma família, que tem um bom salário e que trabalha num ambiente seguro- para competir contra uma criança de 12 anos de idade?", indagou no dia 1º deste mês o senador democrata Byron Dorgan, do Estado de Dakota do Norte.
"O Brasil tem 50% do mercado mundial de laranja", reclamou na última quarta-feira o senador democrata Bill Nelson, do Estado da Flórida. "Se tirarmos a tarifa que hoje protege a citricultura da Flórida, da Califórnia e do Arizona, o Brasil terá 100% do mercado mundial e isso não é comércio livre. Senadores, vocês estão entendendo?"
Segundo análise convencional sobre política norte-americana, parlamentares nos EUA são movidos por interesses locais e tendem a ignorar o resto do mundo. No entanto, os discursos localizados pela Folha identificam uma preocupação especial com o Brasil que não pode ser confundida com desprezo.

Foco das atenções
"O Brasil tem sido foco crescente de atenção porque tem tomado posições contrárias aos EUA em vários temas", disse à Folha Peter Hakin, presidente do Diálogo Interamericano. "Esses discursos refletem isso."
A única coisa que o Brasil não pode se queixar é de ter sido "espinafrado" sozinho pelos congressistas. Embora o país tenha sido mais criticado que qualquer outro da América Latina (com exceção de Cuba e da Venezuela), outros também foram atacados ou até ridicularizados.
Depois de acusar o Brasil de jogar suco concentrado de laranja abaixo do custo no mercado norte-americano, o senador democrata Ernest Hollings, da Carolina do Sul, fez o seguinte diagnóstico da crise econômica da Argentina depois de retornar de Buenos Aires.
"Acho que o problema que a Argentina enfrenta é a compulsão pelo consumo. Todo mundo em Buenos Aires parece estar comprando alguma coisa e, quando não estão, estão nos "yacht clubs" ou em sessões de psicanálise. Outro passatempo dos argentinos é visitar os cemitérios. No cemitério mais em moda na Argentina, fiquei impressionado ao visualizar algo que mais se parecia com uma cidade, e não com um local de sepultamentos. Mausoléus familiares competiam uns com os outros por esplendor de mármore. Alguns tinham mais de um andar. Um deles tinha elevador. Pelas ruas dessa cidade macabra, mulheres vestindo peles de marta caminhavam com poodles em miniatura que vestiam casacos tartan (pano escocês axadrezado)."


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