São Paulo, sábado, 26 de junho de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Discurso de Nova York, prática de Brasília

GESNER OLIVEIRA

O discurso do presidente Lula em Nova York nesta semana reiterou o apelo à comunidade de negócios internacional para que aposte no Brasil. No entanto o que aflige os grandes investidores estrangeiros, bem como os empreendedores pequenos e nacionais, é a grande distância entre o discurso de Nova York e a prática de Brasília.
O presidente lembrou em tom de brincadeira que o Brasil não tem maremoto, terremoto ou vulcão (embora já tenha ciclone). O problema é que o Brasil também não tem marco regulatório geral ou mesmo para setores específicos carentes de inversões, como o de saneamento. Tampouco o atual marco regulatório para o setor elétrico parece suficiente. E, se algum governador ou ministro decidir rasgar o contrato de concessão e o assunto for parar na Justiça, também não haverá prazo para resolver a questão.
A falta de regras estáveis e eficientes é, portanto, um dos entraves ao investimento, sem o qual não há crescimento sustentado. Carece de sentido o argumento de que a China não tem regras claras e mesmo assim é a primeira em inversões estrangeiras, conforme mostram os dados do relatório mundial de investimento da Unctad. Segundo pesquisa da AT Kearney, o tamanho do mercado é a variável mais importante para atrair investimento estrangeiro, que no caso da China domina naturalmente outros fatores. De qualquer forma, a qualidade do marco regulatório continua sendo um dos principais determinantes da inversão estrangeira.
Os dados de contas externas divulgados na quarta-feira pelo Banco Central voltaram a registrar um nível reduzido de investimento direto estrangeiro. Foram US$ 207 milhões em maio, o menor valor desde junho de 2003. Deduzidas as conversões de dívida, foram US$ 173 milhões. Relativamente à segunda metade dos anos 90 vem ocorrendo uma piora na qualidade do financiamento externo, diminuindo a participação do ingresso de recursos de longo prazo associados à atividade produtiva.
A abertura de novas fronteiras de expansão, como foram as telecomunicações nos anos 90, seria a única forma de inverter esse processo. O saneamento seria um candidato natural para a absorção de novos capitais, mas o Executivo não conseguiu sequer enviar um projeto ao Congresso sobre a regulação desse segmento. A mensagem do presidente em Nova York é oportuna. Falta, contudo, traduzi-la em ações práticas.
É igualmente positiva a medida da Caixa Econômica Federal, anunciada durante a visita presidencial aos EUA, que barateia o custo de remessas internacionais de brasileiros residentes fora do Brasil. A providência é instrutiva e deveria ser aplicada em várias áreas da política pública. A idéia é reduzir a cobrança e a burocracia para estimular remessas pelos canais legais. É isso o que deve ser feito em relação aos tributos e à contribuição previdenciária para diminuir a sonegação e tornar a carga tributária mais equânime.
As remessas dos emigrantes brasileiros passaram a representar volume razoável de recursos desde que o Brasil se transformou em exportador líqüido de mão-de-obra, em virtude do baixo crescimento das últimas duas décadas. Segundo o Relatório do Banco Central de março, esses ingressos responderam por cerca de 10% do investimento direto estrangeiro em 2003. Tais fluxos atingiram uma média anual estimada em US$ 1,41 bilhão no período 1990-2003. Trata-se de valor próximo às exportações médias de café (US$ 1,64 bilhão) e soja (US$ 1,96 bilhão) no mesmo período e com uma regularidade maior do que várias outras contas de financiamento externo.
Parcela razoável desses recursos ajuda a formar uma poupança de trabalhadores brasileiros atualmente no exterior, que pode ser usada na constituição de pequenos negócios no Brasil. Desde que, é claro, o país ofereça um mínimo de condições para a atividade produtiva.
O emigrante brasileiro é tão pioneiro e desbravador como o migrante gaúcho que contribuiu de forma decisiva para desenvolver o agronegócio no Centro-Oeste. São dois grupos distintos, mas com o mesmo espírito empreendedor, ignorado e até mesmo desestimulado pela política de Brasília.
Apenas muito lentamente o Brasil se liberta da tradição de paternalismo estatal consagrado na era varguista. O país perdeu nesta semana seu último líder trabalhista, Leonel Brizola. Porém ainda não deu lugar a uma nova plataforma, compatível com a importância crescente de um movimento silencioso, mas cada vez mais expressivo, de trabalhadores-empreendedores.


Gesner Oliveira, 47, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.

Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br


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