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OPINIÃO ECONÔMICA
Discurso de Nova York, prática de Brasília
GESNER OLIVEIRA
O discurso do presidente
Lula em Nova York nesta semana reiterou o apelo à comunidade de negócios internacional
para que aposte no Brasil. No entanto o que aflige os grandes investidores estrangeiros, bem como os empreendedores pequenos
e nacionais, é a grande distância
entre o discurso de Nova York e a
prática de Brasília.
O presidente lembrou em tom
de brincadeira que o Brasil não
tem maremoto, terremoto ou vulcão (embora já tenha ciclone). O
problema é que o Brasil também
não tem marco regulatório geral
ou mesmo para setores específicos
carentes de inversões, como o de
saneamento. Tampouco o atual
marco regulatório para o setor
elétrico parece suficiente. E, se algum governador ou ministro decidir rasgar o contrato de concessão e o assunto for parar na Justiça, também não haverá prazo para resolver a questão.
A falta de regras estáveis e eficientes é, portanto, um dos entraves ao investimento, sem o qual
não há crescimento sustentado.
Carece de sentido o argumento de
que a China não tem regras claras
e mesmo assim é a primeira em
inversões estrangeiras, conforme
mostram os dados do relatório
mundial de investimento da Unctad. Segundo pesquisa da AT
Kearney, o tamanho do mercado
é a variável mais importante para
atrair investimento estrangeiro,
que no caso da China domina naturalmente outros fatores. De
qualquer forma, a qualidade do
marco regulatório continua sendo um dos principais determinantes da inversão estrangeira.
Os dados de contas externas divulgados na quarta-feira pelo
Banco Central voltaram a registrar um nível reduzido de investimento direto estrangeiro. Foram
US$ 207 milhões em maio, o menor valor desde junho de 2003.
Deduzidas as conversões de dívida, foram US$ 173 milhões. Relativamente à segunda metade dos
anos 90 vem ocorrendo uma piora na qualidade do financiamento externo, diminuindo a participação do ingresso de recursos de
longo prazo associados à atividade produtiva.
A abertura de novas fronteiras
de expansão, como foram as telecomunicações nos anos 90, seria a
única forma de inverter esse processo. O saneamento seria um
candidato natural para a absorção de novos capitais, mas o Executivo não conseguiu sequer enviar um projeto ao Congresso sobre a regulação desse segmento. A
mensagem do presidente em Nova York é oportuna. Falta, contudo, traduzi-la em ações práticas.
É igualmente positiva a medida
da Caixa Econômica Federal,
anunciada durante a visita presidencial aos EUA, que barateia o
custo de remessas internacionais
de brasileiros residentes fora do
Brasil. A providência é instrutiva
e deveria ser aplicada em várias
áreas da política pública. A idéia
é reduzir a cobrança e a burocracia para estimular remessas pelos
canais legais. É isso o que deve ser
feito em relação aos tributos e à
contribuição previdenciária para
diminuir a sonegação e tornar a
carga tributária mais equânime.
As remessas dos emigrantes
brasileiros passaram a representar volume razoável de recursos
desde que o Brasil se transformou
em exportador líqüido de mão-de-obra, em virtude do baixo
crescimento das últimas duas décadas. Segundo o Relatório do
Banco Central de março, esses ingressos responderam por cerca de
10% do investimento direto estrangeiro em 2003. Tais fluxos
atingiram uma média anual estimada em US$ 1,41 bilhão no período 1990-2003. Trata-se de valor próximo às exportações médias de café (US$ 1,64 bilhão) e soja (US$ 1,96 bilhão) no mesmo período e com uma regularidade
maior do que várias outras contas de financiamento externo.
Parcela razoável desses recursos
ajuda a formar uma poupança de
trabalhadores brasileiros atualmente no exterior, que pode ser
usada na constituição de pequenos negócios no Brasil. Desde que,
é claro, o país ofereça um mínimo
de condições para a atividade
produtiva.
O emigrante brasileiro é tão
pioneiro e desbravador como o
migrante gaúcho que contribuiu
de forma decisiva para desenvolver o agronegócio no Centro-Oeste. São dois grupos distintos, mas
com o mesmo espírito empreendedor, ignorado e até mesmo desestimulado pela política de Brasília.
Apenas muito lentamente o
Brasil se liberta da tradição de
paternalismo estatal consagrado
na era varguista. O país perdeu
nesta semana seu último líder
trabalhista, Leonel Brizola. Porém ainda não deu lugar a uma
nova plataforma, compatível com
a importância crescente de um
movimento silencioso, mas cada
vez mais expressivo, de trabalhadores-empreendedores.
Gesner Oliveira, 47, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia
(Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br
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