São Paulo, sábado, 26 de junho de 2004

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LUÍS NASSIF

Bacha e as "boas práticas"

Ao lado de Pérsio Arida, Edmar Bacha foi dos principais formuladores do Plano Real. Recentemente ele e Régis Bonelli escreveram o artigo "Contabilizando o Crescimento Econômico Brasileiro - 1940-2002". Nele, há dois períodos bastante distintos: o de 1950 a 1980, que produziu crescimento; e o período de 1994 a 2004, que produziu estagnação.
Conclusão de Bacha, em entrevista a Robinson Borges, do "Valor": o período de 1950 a 1980 (o de crescimento) representou um modelo de características piores do que a atual, porque havia alta inflação, comando estatal e substituição de importações protegida.
"Características piores"? Antes de se tornar potência industrial, a Inglaterra protegia sua indústria, dava subsídios, proibia importações. Depois de potência, passou a pregar as regras do livre comércio e a exigir reciprocidade de parceiros mais fracos. As duas políticas eram diametralmente opostas, se aplicavam a períodos distintos e geraram crescimento. Como comparar momentos históricos tão díspares?
Segundo Bacha, o "modelo virtuoso" não resultou em crescimento nos anos 90 por conta do protecionismo dos anos 50 a 70, que encareceu os investimentos nos 90, e por conta das crises da Rússia e da Ásia. Fantástico! O crescimento de 50 a 70 é o responsável pela estagnação dos anos 90.
A resposta a ser seguida no período anterior teria sido a dos países asiáticos, aumentando as exportações. Essa resposta foi abortada pelo pessimismo com a exportação e pelo forte lobby do oligopólio dos cafeicultores e dos industriais nos anos 1950, dizem eles.
Bacha poderia avançar um pouco mais e contar que a fórmula proposta por Roberto Campos para enfrentar o choque externo e seguir o modelo asiático era uma forte desvalorização cambial -abortada por Augusto Frederico Schmidt. Aliás, é a mesma proposta defendida hoje por economistas como Yoshiaki Nakano, a qual Bacha, entre outros, classifica como contrária às boas práticas.
O esforço exportador dos anos 70 foi abortado não por resistência de industriais, mas pela apreciação cambial do cruzado -de sua co-responsabilidade-, assim como o esforço modernizante do início dos anos 90, com a integração gradativa da economia brasileira à internacional, foi atropelado pela decisão de apreciar o câmbio.
Quando sobreveio o Real, a vulnerabilidade externa finalmente deixara de existir. O problema era outro: excesso de divisas, devido à abertura financeira. Poderia-se inibir a entrada de capital especulativo mantendo os superávits comerciais. Bacha e seus pares optaram por recriar déficits comerciais permanentes, por meio da valorização do câmbio e da abertura indiscriminada das importações. Foi um dos mais graves erros de política econômica do século.
No governo JK, circunstâncias políticas impediram que a proposta de Campos corrigisse a vulnerabilidade externa. No governo Fernando Henrique Cardoso, o sucesso inicial do Plano Real criou as circunstâncias políticas favoráveis. O desastre foi responsabilidade pessoal e intransferível do diagnóstico e da análise produzidos pelo grupo de economistas do qual Bacha participava.

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