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É hora de esquecer os juros, diz Meirelles
Para o presidente do BC, é preciso parar de discutir o assunto e tratar de outras questões que impedem o país de crescer
Se for mantido o controle prolongado da inflação, a tendência é a queda do juro real no longo prazo, afirma dirigente do Banco Central
SHEILA D'AMORIM
ENVIADA ESPECIAL A MILÃO
Depois de uma década marcada por crises financeiras internacionais que obrigaram o governo a promover elevações
abruptas dos juros, o presidente do Banco Central, Henrique
Meirelles, defende que está na
hora de parar de discutir a taxa
de juros no Brasil para tratar de
outras questões que são entraves ao crescimento.
Em Milão, de onde seguiu para a reunião do BIS (o Banco
Central dos bancos centrais de
todo o mundo), na Suíça, ele
concedeu entrevista à Folha e
disse que o foco do debate econômico no Brasil passará a ser
o mesmo do resto mundo e incluirá uma estrutura fiscal
mais eficiente e o déficit da
Previdência Social.
Meirelles afirma ainda que
vê com naturalidade as insistentes críticas da oposição e os
comentários do próprio governo sobre o nível da taxa de juros no país. Para ele, juros altos
foram uma conseqüência dos
problemas monetários e fiscais
do passado. Mantido o controle
da inflação, argumenta, a tendência é a queda da taxa real de
juros no longo prazo.
Mas como a estabilidade de
preços é uma conquista recente do Brasil, ele defende que é
"absolutamente vital que o país
seja capaz de ter inflação na
meta durante um período suficientemente longo de tempo".
Apesar de enumerar as melhoras da economia brasileira
nos últimos anos, o presidente
do BC enfatiza que o cenário
internacional atualmente não
permite ser complacente. "Todos os países que foram complacentes estão pagando hoje
um preço elevado."
A seguir, os principais trechos da entrevista.
FOLHA - Para muitos especialistas,
o Brasil ainda vive a reboque do
mundo, dependente do comércio internacional para crescer. Como reverter isso?
HENRIQUE MEIRELLES - O crescimento brasileiro nos últimos
anos foi fortemente impulsionado pelas exportações. No entanto isso é algo que vem mudando gradualmente, e hoje o
crescimento brasileiro é impulsionado pela demanda interna,
com o aumento da renda e do
emprego.
FOLHA - Como um país com uma
das taxas de crescimento mais baixas entre os emergentes e as maiores taxas de juros do mundo pode
ter melhoras nos fundamentos?
MEIRELLES - O Brasil está crescendo a cerca de 4% em 2006,
que é consistente com os emergentes de características similares, como o México, e países
de outras regiões. É uma taxa
de crescimento superior à dos
países industrializados, como
os da Europa e os EUA. A China
e a Índia crescem a taxas maiores porque estão numa fase diferente de desenvolvimento -a
fase de incorporação maciça de
mão-de-obra agrícola no processo de industrialização.
FOLHA - Mas ainda assim o país
precisa ter as maiores taxas de juros
e isso é motivo de cobrança constante do Banco Central...
MEIRELLES - Estamos chegando
a uma fase no Brasil onde começa a ficar claro que a maneira de baixar os juros é manter a
inflação consistentemente na
meta. Isso diminui a incerteza
inflacionária, a volatilidade e
faz com que os prêmios de risco
caiam e a taxa de juros real de
mercado, portanto, continue a
cair de forma consistente como
tem caído nos últimos anos.
FOLHA - O que dá ao sr. a certeza de
que estamos entrando na fase em
que os juros deixarão de pautar a
discussão econômica? O ministro
Guido Mantega, da Fazenda, disse
que há espaço para os juros continuarem caindo...
MEIRELLES - É natural que exista
uma preocupação com uma das
conseqüências das dificuldades
que o Brasil tem tido nos últimos anos, que é a taxa de juros.
O juro elevado foi uma conseqüência dos problemas monetários e fiscais do passado -e
não uma causa. Na medida em
que a inflação caia de forma
consistente, e se mantenha na
meta, as taxas de juros reais
continuarão a cair ao longo do
tempo. E isso, aos poucos, vai
fazer com que a discussão sobre
os juros mude.
FOLHA - Mas quando se fala sobre
economia no Brasil o ponto central é
sempre a taxa de juros alta para controlar a inflação. Além disso, estamos num período eleitoral em que o
candidato da oposição critica a falta
de coragem do BC para reduzir os juros. Como o sr. vê isso?
MEIRELLES - É legítimo e desejo
de todos no Brasil termos taxas
de juros mais baixas e também
que o país cresça, que o poder
de compra do trabalhador aumente, que o país tenha mais
estabilidade, mais investimentos. Tudo isso é conjugado com
o desejo do BC. O que está ficando cada vez mais claro é que
o que o BC pode fazer para ajudar nesse processo é manter a
inflação na meta e, como conseqüência, fazer com que caiam
os juros reais ao longo do tempo. Com isso, o Brasil deixa de
ter problema de taxas de inflação voláteis e juros elevados. E
aí, teremos condições de discutir os problemas reais que impedem o crescimento do país.
FOLHA - Já chegamos nessa fase?
MEIRELLES - Estamos chegando.
FOLHA - O que está faltando?
MEIRELLES - Falta uma seqüência de inflações na meta durante um período de tempo suficientemente longo para a sociedade se convencer de que
não há risco de a inflação voltar.
FOLHA - Quanto tempo ainda é
preciso para isso?
MEIRELLES - Não temos previsões fechadas. As taxas de juros
reais de longo prazo estão caindo de forma consistente desde
o início do Plano Real.
FOLHA - Quais os outros problemas
que passarão a ser o foco de debate?
MEIRELLES - É a mesma pauta de
debate da grande maioria dos
países hoje. São todas as questões que levam ao aumento da
produtividade do país e a taxas
maiores de crescimento.
FOLHA - Há riscos fiscais no Brasil?
MEIRELLES - O governo tem declarado reiteradamente seu
compromisso com superávit de
4,25% do PIB, e é essa a hipótese com que trabalhamos.
FOLHA - A melhora do perfil do superávit primário vai ser o desafio para o próximo governo?
MEIRELLES - A questão fiscal é
um desafio para qualquer país
em qualquer tempo. Hoje nos
EUA, na Alemanha, na França,
na Itália, no Japão a grande discussão é fiscal. É um desafio
constante. É a discussão sobre
quanto a sociedade deve gastar
no presente e poupar para o futuro, seja na diminuição da dívida ou nos investimentos em
capital físico e humano.
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