São Paulo, segunda-feira, 26 de junho de 2006

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É hora de esquecer os juros, diz Meirelles

Para o presidente do BC, é preciso parar de discutir o assunto e tratar de outras questões que impedem o país de crescer

Se for mantido o controle prolongado da inflação, a tendência é a queda do juro real no longo prazo, afirma dirigente do Banco Central

SHEILA D'AMORIM
ENVIADA ESPECIAL A MILÃO

Depois de uma década marcada por crises financeiras internacionais que obrigaram o governo a promover elevações abruptas dos juros, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, defende que está na hora de parar de discutir a taxa de juros no Brasil para tratar de outras questões que são entraves ao crescimento.
Em Milão, de onde seguiu para a reunião do BIS (o Banco Central dos bancos centrais de todo o mundo), na Suíça, ele concedeu entrevista à Folha e disse que o foco do debate econômico no Brasil passará a ser o mesmo do resto mundo e incluirá uma estrutura fiscal mais eficiente e o déficit da Previdência Social.
Meirelles afirma ainda que vê com naturalidade as insistentes críticas da oposição e os comentários do próprio governo sobre o nível da taxa de juros no país. Para ele, juros altos foram uma conseqüência dos problemas monetários e fiscais do passado. Mantido o controle da inflação, argumenta, a tendência é a queda da taxa real de juros no longo prazo.
Mas como a estabilidade de preços é uma conquista recente do Brasil, ele defende que é "absolutamente vital que o país seja capaz de ter inflação na meta durante um período suficientemente longo de tempo". Apesar de enumerar as melhoras da economia brasileira nos últimos anos, o presidente do BC enfatiza que o cenário internacional atualmente não permite ser complacente. "Todos os países que foram complacentes estão pagando hoje um preço elevado." A seguir, os principais trechos da entrevista.  

FOLHA - Para muitos especialistas, o Brasil ainda vive a reboque do mundo, dependente do comércio internacional para crescer. Como reverter isso?
HENRIQUE MEIRELLES
- O crescimento brasileiro nos últimos anos foi fortemente impulsionado pelas exportações. No entanto isso é algo que vem mudando gradualmente, e hoje o crescimento brasileiro é impulsionado pela demanda interna, com o aumento da renda e do emprego.

FOLHA - Como um país com uma das taxas de crescimento mais baixas entre os emergentes e as maiores taxas de juros do mundo pode ter melhoras nos fundamentos?
MEIRELLES
- O Brasil está crescendo a cerca de 4% em 2006, que é consistente com os emergentes de características similares, como o México, e países de outras regiões. É uma taxa de crescimento superior à dos países industrializados, como os da Europa e os EUA. A China e a Índia crescem a taxas maiores porque estão numa fase diferente de desenvolvimento -a fase de incorporação maciça de mão-de-obra agrícola no processo de industrialização.

FOLHA - Mas ainda assim o país precisa ter as maiores taxas de juros e isso é motivo de cobrança constante do Banco Central...
MEIRELLES
- Estamos chegando a uma fase no Brasil onde começa a ficar claro que a maneira de baixar os juros é manter a inflação consistentemente na meta. Isso diminui a incerteza inflacionária, a volatilidade e faz com que os prêmios de risco caiam e a taxa de juros real de mercado, portanto, continue a cair de forma consistente como tem caído nos últimos anos.

FOLHA - O que dá ao sr. a certeza de que estamos entrando na fase em que os juros deixarão de pautar a discussão econômica? O ministro Guido Mantega, da Fazenda, disse que há espaço para os juros continuarem caindo...
MEIRELLES
- É natural que exista uma preocupação com uma das conseqüências das dificuldades que o Brasil tem tido nos últimos anos, que é a taxa de juros. O juro elevado foi uma conseqüência dos problemas monetários e fiscais do passado -e não uma causa. Na medida em que a inflação caia de forma consistente, e se mantenha na meta, as taxas de juros reais continuarão a cair ao longo do tempo. E isso, aos poucos, vai fazer com que a discussão sobre os juros mude.

FOLHA - Mas quando se fala sobre economia no Brasil o ponto central é sempre a taxa de juros alta para controlar a inflação. Além disso, estamos num período eleitoral em que o candidato da oposição critica a falta de coragem do BC para reduzir os juros. Como o sr. vê isso?
MEIRELLES
- É legítimo e desejo de todos no Brasil termos taxas de juros mais baixas e também que o país cresça, que o poder de compra do trabalhador aumente, que o país tenha mais estabilidade, mais investimentos. Tudo isso é conjugado com o desejo do BC. O que está ficando cada vez mais claro é que o que o BC pode fazer para ajudar nesse processo é manter a inflação na meta e, como conseqüência, fazer com que caiam os juros reais ao longo do tempo. Com isso, o Brasil deixa de ter problema de taxas de inflação voláteis e juros elevados. E aí, teremos condições de discutir os problemas reais que impedem o crescimento do país.

FOLHA - Já chegamos nessa fase?
MEIRELLES
- Estamos chegando.

FOLHA - O que está faltando?
MEIRELLES
- Falta uma seqüência de inflações na meta durante um período de tempo suficientemente longo para a sociedade se convencer de que não há risco de a inflação voltar.

FOLHA - Quanto tempo ainda é preciso para isso?
MEIRELLES
- Não temos previsões fechadas. As taxas de juros reais de longo prazo estão caindo de forma consistente desde o início do Plano Real.

FOLHA - Quais os outros problemas que passarão a ser o foco de debate?
MEIRELLES
- É a mesma pauta de debate da grande maioria dos países hoje. São todas as questões que levam ao aumento da produtividade do país e a taxas maiores de crescimento.

FOLHA - Há riscos fiscais no Brasil?
MEIRELLES
- O governo tem declarado reiteradamente seu compromisso com superávit de 4,25% do PIB, e é essa a hipótese com que trabalhamos.

FOLHA - A melhora do perfil do superávit primário vai ser o desafio para o próximo governo?
MEIRELLES
- A questão fiscal é um desafio para qualquer país em qualquer tempo. Hoje nos EUA, na Alemanha, na França, na Itália, no Japão a grande discussão é fiscal. É um desafio constante. É a discussão sobre quanto a sociedade deve gastar no presente e poupar para o futuro, seja na diminuição da dívida ou nos investimentos em capital físico e humano.


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