São Paulo, sexta, 26 de junho de 1998

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OPINIÃO ECONÔMICA
Dois pesos e duas medidas no governo

MAILSON DA NÓBREGA

A privatização das telecomunicações e a proposta de reforma tributária revelam duas faces do mesmo governo. Na primeira, vê-se a fronteira da moderna regulação e o foco na eficiência. Na segunda, aparecem sinais de retrocesso na técnica de tributação.
Na privatização, o governo está privilegiando a concorrência e o consumidor, em vez da arrecadação de recursos. O valor seria maior se preservado o monopólio da Telebrás, mas a venda fragmentada é vantajosa para o usuário e a eficiência da economia.
Assim, o processo girará em torno da competição. Além da fragmentação da Telebrás, prevê-se a criação de "empresas-espelho" para cada uma das parcelas privatizadas. No final, haverá a competição de todas elas entre si.
A vontade de beneficiar o consumidor está sendo viabilizada pelo avanço da tecnologia e dos novos caminhos para a competição, proporcionados pela informática, pelos satélites, pela comutação digital e pela telefonia celular.
Em passado recente, a competição no setor era tida como impossível, mas nos últimos 25 anos a situação mudou sob o impulso desses fatores, da privatização e dos novos modelos de regulação.
A revolução daí decorrente barateou dramaticamente o custo dos serviços, popularizou o acesso ao telefone, facilitou a expansão da Internet e acelerou a globalização, particularmente no sistema financeiro. Resultado: aumento do bem-estar e maiores possibilidades de crescimento da economia.
Com o aproveitamento dessa rica experiência, a privatização das telecomunicações brasileiras dotará o país do que há de mais moderno no campo concorrencial e regulatório.
A privatização forçará a queda das margens, pois diminuirão muito as barreiras à entrada de competidores. Haverá metas mínimas de instalação de novas linhas, de atendimento às populações menos favorecidas e de universalização dos serviços.
Mais uma vez, o atraso ficará por conta de grupos corporativistas, de segmentos retrógrados da esquerda e de políticos oportunistas. Eles estão questionando a venda, o preço mínimo (como se fosse a parte mais relevante do processo) e a conveniência de efetuar a transação neste momento.
O atraso está também presente nos que se opõem à privatização alegando o caráter estratégico das telecomunicações. São os que não entendem as mudanças em curso no mundo nem a falência dos modelos de intervenção estatal.
O Estado em crise é outra justificativa para a privatização, a qual viabilizará os investimentos na expansão e na atualização tecnológica do setor. As forças armadas, como se viu, mostraram que o processo não constitui ameaça à soberania nacional.
Enquanto troca arrecadação de receitas temporárias de privatização das telecomunicações por bem-estar dos cidadãos e eficiência na economia, o mesmo governo pretende trilhar, com a perpetuação da CPMF, caminho exatamente inverso.
Aparentemente, essa perpetuação seria neutra, pois a proposta prevê que o valor da CPMF seria abatido do Imposto de Renda (IR) devido. Representaria, assim, inofensiva antecipação do IR, com a vantagem de permitir cobrar dos sonegadores.
Há apenas uma verdade no discurso oficial, a de que os sonegadores pagarão o imposto. O argumento vale para quem não se preocupa com os efeitos colaterais da perpetuação da CPMF.
Levada a idéia ao extremo, o melhor seria transformar a CPMF em imposto único. Seria um desastre econômico e social, mas arrecadaria muito no início e até permitiria extinguir a Receita Federal.
O mais é no mínimo duvidoso. Um imposto permanente sobre transações financeiras é ave rara ou inexistente na fauna tributária mundial. Seus defeitos são inúmeros. Um deles será reduzir a eficiência na intermediação financeira e assim conspirar contra a competitividade das empresas e o desenvolvimento do país.
A CPMF permanente criará incertezas, pois as empresas não saberão a priori se terão IR a pagar ou quanto será o seu valor. Para os contribuintes isentos, o tributo é injusto. O argumento de que esses não recorrem ao sistema bancário precisa ser provado.
A medida também dificultará a ação do Banco Central. O recibo da CPMF dificilmente seria aceito em outros países como antecipação do IR, o que reduziria a remuneração final dos investidores estrangeiros e interferiria na política de juros.
Diferentemente do que diz o governo, a perpetuação da CPMF não é neutra. Além de macular sua excelente proposta de reforma tributária, a proposta é um retrocesso e incorre em contradição com a moderna estratégia de privatização das telecomunicações.


Mailson da Nóbrega, 56, ex-ministro da Fazenda (governo José Sarney), escreve às sextas-feiras nesta coluna.



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