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LUÍS NASSIF
O bug do fim do mundo
Anunciaram e garantiram que o
mundo ia acabar. Eram os anos
40 e a superstição permitiu ao
grande Assis Valente um samba
histórico no qual dizia que, por
conta do fim do mundo, "beijei a
boca de quem não devia, peguei
na mão de quem não conhecia".
Vivo fosse, Assis Valente iria
criar outro samba para imortalizar o "Bug do Fim do Mundo". O
penoso trabalho do jornalismo
nos obriga, vez por outra, a conviver com arautos do fim do mundo,
profetas das últimas verdades,
autores de soluções milagrosas
para todos os problemas nacionais. Mas esse tal do bug do milênio superou a invasão de sacis no
sul de Minas, nos anos 50, o chupa-cabras e o ET de Varginha.
Não que o bug não exista. O problema central é a utilização de
datas. Sistemas antigos utilizavam dois algarismos para o campo ANO. Assim, 00 refere-se a
1900. Se alguém gravar o ano 2005
como 05, o sistema lerá como
1905.
Há três anos, pelo menos, que os
sistemas estão sendo adaptados
para conviver com o bug. É um
problema que ocorre em sistemas
antigos, em "assembler", linguagem de máquina ou coisa parecida, de difícil edição, mas que não
são produzidas há mais de dez
anos. Programas produzidos de
alguns anos para cá, desde os antigos Cobol, Clipper ou Pascal,
com linguagens estruturadas, têm
facilidades adicionais para resolver a questão.
No entanto montou-se um terrorismo dos mais hilariantes, digno de uma peça radiofônica de
Orson Welles. O leitor Arnaldo
Pereira lembra que, "desde minha
infância, pude conviver com inúmeros "perigos", "chegadas" e "salvações" que acabaram por não
ocorrer ou nunca existiram: o perigo soviético, o perigo nuclear, o
perigo asiático, o perigo alienígena (os marcianos), o meteorito
que se chocaria com a terra, o cometa Halley, o perigo do colesterol, entre tantos outros. Todos
renderam muito para alguns".
Mas não há paralelo com os "perigos do bug". "Tremendos e irrecuperáveis malefícios inexoravelmente abater-se-ão sobre os mortais: aviões não saindo, saindo e
não chegando, talvez caindo; blecautes duradouros; perdas bancárias; faltas d'água abissais; escassez de comida etc.", diz Arnaldo.
O marketing do terrorismo é estupendo. Esta semana mesmo os
jornais divulgaram uma estimativa de uma tal consultoria Milliman & Robertson, provavelmente
especialista em bugs, citando que
as seguradoras americanas poderão ter de pagar até US$ 35 bilhões por prejuízos causados pelo
bug do milênio.
Constata Arnaldo: "No mercado
nacional, as tarifas de programação, remuneradas por linha de
programa revisto, nos últimos meses tiveram seus valores multiplicados por três, quatro ou cinco,
diante da demanda ensandecida".
No entanto uma avaliação de
leigo, fundada no bom senso, indica que apenas um contingente restrito de sistemas poderá oferecer
algum perigo:
* Sistemas que efetuem operações de cálculo de prazo a partir de
datas: isso é comum em programas bancários e financeiros. Pergunta ele: "Vai me dizer que os
bancos já não resolveram isso?". É
evidente, mesmo porque há alguns
anos todos eles já efetuaram operações de longo prazo que excedem o ano 2000.
* Que o resultado dessas operações tenham efeito sobre outras
variáveis: valores monetários, datas operacionais etc., que possam
vir a resultar em erros operacionais. Se considerarmos a velocidade de desenvolvimento da microinformática, que desenvolveu-se principalmente nos últimos 15
anos, já não superou em grande
parte a questão?
A conclusão óbvia é que "uma
quantidade potencialmente enorme de problemas, decorrentes na
verdade de incompetência, negligência ou mesmo dolo, poderá ser
candidamente atribuída ao bug
do milênio", conclui o leitor, minutos antes de ser devorado por
um bug desgarrado que invadiu
sua tela e o levou para as profundezas do inferno.
E-mail: lnassif@uol.com.br
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