São Paulo, quinta-feira, 26 de julho de 2001

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SALTO NO ESCURO

Obras paradas, falhas de comunicação e modelo de privatização levaram à crise; Tourinho também falhou

Governo culpa governo por racionamento

HUMBERTO MEDINA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O racionamento de energia elétrica é culpa do próprio governo, e não da falta de chuvas. Obras que estavam sendo tocadas pelo Estado e não foram concluídas a tempo, além de falhas de comunicação entre órgãos do governo e do modelo escolhido para a privatização do setor, levaram à crise.
De acordo com relatório da Comissão de Análise do Sistema Hidrotérmico de Energia Elétrica, ligada ao "ministério do apagão", a falta de chuvas "por si só não seria suficiente para causar a crise".
A falta de chuvas foi apontada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso e pelo advogado-geral da União, Gilmar Mendes, como um dos motivos para a falta de energia.
Boa parte da culpa pelo racionamento de energia ficou com o ex-ministro de Minas e Energia Rodolpho Tourinho, demitido no começo deste ano.
Questionado se o racionamento seria culpa da falta de competência do ex-ministro, Jerson Kelman, diretor-presidente da ANA (Agência Nacional de Águas) e coordenador da comissão que elaborou o relatório, disse que "sim, agravou". Segundo ele, "o modelo é muito complexo e o ministro não era oriundo do setor".
Para Kelman, Tourinho falhou também ao não ter elaborado um plano de racionamento, insistindo no programa de termelétricas, que ainda não saiu do papel. Por causa disso, em março, quando o ONS propôs racionamento de 20%, a alternativa foi adotar um plano de racionalização do uso de energia que não deu resultado.

Relatório
O relatório, que foi entregue a FHC, mostra que a falta ou o atraso das obras de transmissão e geração são "fator predominante para a ocorrência da crise". O aumento de consumo de energia, outro fator citado pelo governo como causa da crise, ficou dentro do previsto, segundo a comissão.
De acordo com o relatório, se as obras -principalmente a das usinas de Angra 2, Porto Primavera e de mais uma linha de transmissão ligando o Sul ao Sudeste- tivessem sido concluídas a tempo, seria possível gerar mais 22,23 mil GW (gigawatts) de energia.
Isso seria suficiente para recuperar o nível de água dos reservatórios das usinas das regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste e evitar o racionamento de energia iniciado em junho.
Fora as obras que atrasaram, o relatório cita ainda obras que estavam previstas e nem sequer foram iniciadas. Se todas as obras tivessem sido feitas, seria possível gerar mais 62 mil GW.
Embora a comissão tenha ouvido o ministro Pedro Malan (Fazenda) e o então presidente da Eletrobrás, Firmino Sampaio, o relatório não diz de quem é a culpa pela não conclusão das obras.
Além das obras, o modelo de privatização do setor de energia, segundo o relatório, não estimulou a ampliação da geração. As distribuidoras, privatizadas a partir de 1996, não se interessaram em fazer contratos de longo prazo com as geradoras. Sem esses contratos, não há investimento das geradoras em obras de aumento da oferta de energia.
Ainda de acordo com o relatório, a legislação do setor não define exatamente quais as atribuições do Ministério de Minas e Energia, da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) e do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico).
A falta de entrosamento entre várias áreas do governo, diz o relatório, foi "fator principal para o insucesso das iniciativas governamentais para amenizar a crise".



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