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SALTO NO ESCURO
Obras paradas, falhas de comunicação e modelo de privatização levaram à crise; Tourinho também falhou
Governo culpa governo por racionamento
HUMBERTO MEDINA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O racionamento de energia elétrica é culpa do próprio governo,
e não da falta de chuvas. Obras
que estavam sendo tocadas pelo
Estado e não foram concluídas a
tempo, além de falhas de comunicação entre órgãos do governo e
do modelo escolhido para a privatização do setor, levaram à crise.
De acordo com relatório da Comissão de Análise do Sistema Hidrotérmico de Energia Elétrica, ligada ao "ministério do apagão", a
falta de chuvas "por si só não seria
suficiente para causar a crise".
A falta de chuvas foi apontada
pelo presidente Fernando Henrique Cardoso e pelo advogado-geral da União, Gilmar Mendes, como um dos motivos para a falta de
energia.
Boa parte da culpa pelo racionamento de energia ficou com o ex-ministro de Minas e Energia Rodolpho Tourinho, demitido no
começo deste ano.
Questionado se o racionamento
seria culpa da falta de competência do ex-ministro, Jerson Kelman, diretor-presidente da ANA
(Agência Nacional de Águas) e
coordenador da comissão que
elaborou o relatório, disse que
"sim, agravou". Segundo ele, "o
modelo é muito complexo e o ministro não era oriundo do setor".
Para Kelman, Tourinho falhou
também ao não ter elaborado um
plano de racionamento, insistindo no programa de termelétricas,
que ainda não saiu do papel. Por
causa disso, em março, quando o
ONS propôs racionamento de
20%, a alternativa foi adotar um
plano de racionalização do uso de
energia que não deu resultado.
Relatório
O relatório, que foi entregue a
FHC, mostra que a falta ou o atraso das obras de transmissão e geração são "fator predominante
para a ocorrência da crise". O aumento de consumo de energia,
outro fator citado pelo governo
como causa da crise, ficou dentro
do previsto, segundo a comissão.
De acordo com o relatório, se as
obras -principalmente a das usinas de Angra 2, Porto Primavera e
de mais uma linha de transmissão
ligando o Sul ao Sudeste- tivessem sido concluídas a tempo, seria possível gerar mais 22,23 mil
GW (gigawatts) de energia.
Isso seria suficiente para recuperar o nível de água dos reservatórios das usinas das regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste e
evitar o racionamento de energia
iniciado em junho.
Fora as obras que atrasaram, o
relatório cita ainda obras que estavam previstas e nem sequer foram iniciadas. Se todas as obras tivessem sido feitas, seria possível
gerar mais 62 mil GW.
Embora a comissão tenha ouvido o ministro Pedro Malan (Fazenda) e o então presidente da
Eletrobrás, Firmino Sampaio, o
relatório não diz de quem é a culpa pela não conclusão das obras.
Além das obras, o modelo de
privatização do setor de energia,
segundo o relatório, não estimulou a ampliação da geração. As
distribuidoras, privatizadas a partir de 1996, não se interessaram
em fazer contratos de longo prazo
com as geradoras. Sem esses contratos, não há investimento das
geradoras em obras de aumento
da oferta de energia.
Ainda de acordo com o relatório, a legislação do setor não define exatamente quais as atribuições do Ministério de Minas e
Energia, da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) e do
ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico).
A falta de entrosamento entre
várias áreas do governo, diz o relatório, foi "fator principal para o
insucesso das iniciativas governamentais para amenizar a crise".
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