São Paulo, quarta-feira, 26 de julho de 2006

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JOSÉ MÁRCIO CAMARGO

Proteção comercial e agronegócio

A "excessiva" valorização do real está refletindo o elevado grau de proteção comercial hoje vigente no Brasil

APÓS UM período de exuberância, o agronegócio brasileiro parece ter entrado em depressão. Quebras de safras, secas, febre aftosa, gripe aviária e, finalmente, a "excessiva" valorização do real, que reduz os lucros do setor.
Segundo alguns analistas, a sobrevalorização decorre das elevadas taxas de juros vigentes no Brasil, em relação às taxas de juros pagas por outros países. Para ganhar esse diferencial, investidores especulativos aplicam em títulos brasileiros, o que aumenta o fluxo de recursos financeiros de curto prazo e gera uma valorização cambial mais forte do que a sustentável pelos fundamentos econômicos do país.
Ocorre que o diferencial de juros já foi reduzido quase à metade, e a tendência à valorização continua. Portanto outros fatores devem estar atuando no sentido de provocar esse fenômeno. A nosso ver, a principal razão pela qual o real continua se valorizando são os elevados superávits comerciais, combinados às entradas de investimento direto. Em conjunto, eles geram um fluxo de US$ 60 bilhões anuais de divisas para o país.
Como as necessidades de recursos para honrar os compromissos externos são da ordem de US$ 35 bilhões, temos uma sobra de divisas que fatalmente induz forte valorização cambial. Esse processo já ocorreu ao longo de 2005 e continua em 2006. O governo pretende utilizar as reservas acumuladas para resgatar US$ 20 bilhões de dívida externa. Como esse pré-pagamento irá diminuir as necessidades de recursos para honrar os compromissos financeiros futuros, ele irá aumentar o excedente cambial, caso o superávit comercial não caia.
Em um sistema de câmbio flutuante, o principal fator de determinação da taxa de câmbio de equilíbrio de longo prazo é o fluxo de comércio. Portanto, quando as exportações excedem as importações em um montante maior do que as necessidades de financiamento da dívida externa, sobram divisas e a moeda se valoriza.
Com exportações maiores, uma reação adequada da política econômica seria diminuir o grau de proteção da economia à concorrência internacional, com reduções de tarifas e da proteção não-tarifária. Isso aumentaria as importações e eliminaria parte do superávit comercial. Ao mesmo tempo, aumentaria a oferta de bens comercializáveis na economia, reduziria os preços desses bens e, portanto, a taxa de inflação. E a taxa de juros necessária para atingir a meta de inflação seria menor.
Entretanto, em lugar de seguir nessa direção, o governo estendeu a taxação do PIS/Cofins para as importações sem reduzir as tarifas de importação. Com isso, aumentaram a proteção comercial e os preços dos produtos finais importados, gerando aumento do superávit comercial e pressão sobre a taxa de inflação. Isso obrigou o Banco Central a aumentar a taxa de juros.
A pergunta é: o que tem o agronegócio com todo esse problema? A resposta a essa pergunta é: tudo. Por ser um dos setores mais competitivos da economia, uma parte importante da produção do agronegócio é direcionada para as exportações.
Com o aumento da proteção comercial, o crescimento das importações foi menor do que teria sido caso esse aumento de proteção não tivesse ocorrido e, ao mesmo tempo, o diferencial de juros necessário para manter a inflação dentro da meta teria sido menor. Como resultado, o real teria se valorizado menos do que efetivamente valorizou e os lucros do agronegócio não teriam sido tão afetados quanto foram.
O ponto importante é que, com o regime de câmbio flutuante, um aumento da proteção comercial dos setores não-competitivos é subsidiado pelos setores competitivos por meio de uma valorização cambial maior do que a justificada pela competitividade dos setores exportadores. Para reverter a crescente sobra de divisas, a taxa de câmbio real é muito mais valorizada do que se o grau de proteção fosse menor. A "excessiva" valorização da taxa de câmbio real está refletindo o elevado grau de proteção comercial hoje vigente no Brasil. Se as tarifas de importação fossem reduzidas, o superávit comercial cairia, as pressões inflacionárias diminuiriam, reduzindo as taxas de juros reais. Mais uma vez, a agropecuária está, com seus menores lucros, subsidiando os setores industriais ineficientes.


JOSÉ MÁRCIO CAMARGO é professor do Departamento de Economia da PUC-RJ (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro) e sócio da Tendências Consultoria Integrada. @ - josecamargo@tendencias.com.br


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