|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
JOSÉ MÁRCIO CAMARGO
Proteção comercial e agronegócio
A "excessiva" valorização do
real está refletindo o elevado
grau de proteção comercial
hoje vigente no Brasil
APÓS UM período de exuberância, o agronegócio brasileiro
parece ter entrado em depressão. Quebras de safras, secas, febre
aftosa, gripe aviária e, finalmente, a
"excessiva" valorização do real, que
reduz os lucros do setor.
Segundo alguns analistas, a sobrevalorização decorre das elevadas taxas de juros vigentes no Brasil, em relação às taxas de juros pagas por outros países. Para ganhar esse diferencial, investidores especulativos aplicam em títulos brasileiros, o que aumenta o fluxo de recursos financeiros de curto prazo e gera uma valorização cambial mais forte do que a
sustentável pelos fundamentos econômicos do país.
Ocorre que o diferencial de juros já
foi reduzido quase à metade, e a tendência à valorização continua. Portanto outros fatores devem estar
atuando no sentido de provocar esse
fenômeno. A nosso ver, a principal
razão pela qual o real continua se valorizando são os elevados superávits
comerciais, combinados às entradas
de investimento direto. Em conjunto, eles geram um fluxo de US$ 60 bilhões anuais de divisas para o país.
Como as necessidades de recursos
para honrar os compromissos externos são da ordem de US$ 35 bilhões,
temos uma sobra de divisas que fatalmente induz forte valorização cambial.
Esse processo já ocorreu ao longo
de 2005 e continua em 2006. O governo pretende utilizar as reservas
acumuladas para resgatar US$ 20 bilhões de dívida externa. Como esse
pré-pagamento irá diminuir as necessidades de recursos para honrar
os compromissos financeiros futuros, ele irá aumentar o excedente
cambial, caso o superávit comercial
não caia.
Em um sistema de câmbio flutuante, o principal fator de determinação
da taxa de câmbio de equilíbrio de
longo prazo é o fluxo de comércio.
Portanto, quando as exportações excedem as importações em um montante maior do que as necessidades
de financiamento da dívida externa,
sobram divisas e a moeda se valoriza.
Com exportações maiores, uma
reação adequada da política econômica seria diminuir o grau de proteção da economia à concorrência internacional, com reduções de tarifas
e da proteção não-tarifária. Isso aumentaria as importações e eliminaria parte do superávit comercial. Ao
mesmo tempo, aumentaria a oferta
de bens comercializáveis na economia, reduziria os preços desses bens
e, portanto, a taxa de inflação. E a taxa de juros necessária para atingir a
meta de inflação seria menor.
Entretanto, em lugar de seguir
nessa direção, o governo estendeu a
taxação do PIS/Cofins para as importações sem reduzir as tarifas de
importação. Com isso, aumentaram
a proteção comercial e os preços dos
produtos finais importados, gerando
aumento do superávit comercial e
pressão sobre a taxa de inflação. Isso
obrigou o Banco Central a aumentar
a taxa de juros.
A pergunta é: o que tem o agronegócio com todo esse problema? A
resposta a essa pergunta é: tudo. Por
ser um dos setores mais competitivos da economia, uma parte importante da produção do agronegócio é
direcionada para as exportações.
Com o aumento da proteção comercial, o crescimento das importações
foi menor do que teria sido caso esse
aumento de proteção não tivesse
ocorrido e, ao mesmo tempo, o diferencial de juros necessário para
manter a inflação dentro da meta teria sido menor. Como resultado, o
real teria se valorizado menos do que
efetivamente valorizou e os lucros
do agronegócio não teriam sido tão
afetados quanto foram.
O ponto importante é que, com o
regime de câmbio flutuante, um aumento da proteção comercial dos
setores não-competitivos é subsidiado pelos setores competitivos
por meio de uma valorização cambial maior do que a justificada pela
competitividade dos setores exportadores. Para reverter a crescente
sobra de divisas, a taxa de câmbio
real é muito mais valorizada do que
se o grau de proteção fosse menor. A
"excessiva" valorização da taxa de
câmbio real está refletindo o elevado
grau de proteção comercial hoje vigente no Brasil. Se as tarifas de importação fossem reduzidas, o superávit comercial cairia, as pressões
inflacionárias diminuiriam, reduzindo as taxas de juros reais. Mais
uma vez, a agropecuária está, com
seus menores lucros, subsidiando os
setores industriais ineficientes.
JOSÉ MÁRCIO CAMARGO é professor do Departamento
de Economia da PUC-RJ (Pontifícia Universidade Católica
do Rio de Janeiro) e sócio da Tendências Consultoria Integrada.
@ - josecamargo@tendencias.com.br
Texto Anterior: Contexto: Agora, país acelera pactos regionais Próximo Texto: Após pressão, Varig retoma parte dos vôos Índice
|