São Paulo, domingo, 26 de julho de 2009

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País não terá risco eleitoral em 2010, diz presidente do Itaú

Para Setubal, Brasil adquiriu nível alto de maturidade política e de equilíbrio econômico e não há hipótese de reviver 2002

Banqueiro afirma que sucesso de ações na Justiça contra planos econômicos poderia criar uma caixa de Pandora para a economia


DA REPORTAGEM LOCAL

Para o banqueiro Roberto Setubal, presidente-executivo do Itau Unibanco, o mercado financeiro não vê nenhum risco nas eleições presidenciais do ano que vem.
"O Brasil adquiriu um nível alto de maturidade política e de equilíbrio econômico." Sobre uma eventual disputa para a Presidência entre o governador José Serra e a ministra Dilma Rousseff, afirmou: "Os dois têm a mesma qualidade de serem firmes em suas convicções e seus credos".
Leia a seguir continuação da entrevista:

 

FOLHA - O crédito vai voltar?
ROBERTO SETUBAL
- Este tem sido um ano muito ruim para o crédito em todos os aspectos. Os volumes não estão crescendo como anteriormente, o que não é bom para o mercado financeiro, para os bancos e para o crescimento. A inadimplência está muito alta. Estamos batendo os picos históricos de inadimplência. Já há algum sinal de melhoria, mas as perdas são grandes.

FOLHA - O índice de cheques sem fundos caiu 20% em junho. A inadimplência está em queda?
SETUBAL
- Cheques são hoje pouco representativos dos meios de pagamento. Quando nos baseamos nos volumes de provisões dos bancos, nos índices de atraso e nos dados da Serasa, consideramos os indicadores muito altos e negativos. O lado positivo é que, à medida que a economia começa a se recuperar, esse problema todo tende a reverter.

FOLHA - O pior já passou?
SETUBAL
- Estamos provavelmente passando pelo pico da inadimplência neste momento. O nível deve cair daqui para a frente. Todos os fatores são favoráveis: a Selic está mais baixa, há normalmente mais atividade econômica no segundo semestre e o nível de demanda de crédito, outro fator importante da ativação da economia, já começa a subir.

FOLHA - O BC chegou ao piso no movimento de redução da Selic?
SETUBAL
- Eu diria que está perto do piso neste momento. Mas, mais para a frente, em se mantendo as mesmas políticas que nos trouxeram até aqui, acho que iremos ver uma Selic mais baixa. Não imediatamente. Talvez no ano que vem ou em 2011.

FOLHA - Se a Selic chegou ao piso, as taxas finais cobradas pelos bancos não vão mais cair?
SETUBAL
- Elas podem ser reduzidas muito mais à medida que a inadimplência se reduza. Neste momento, o maior componente do "spread" bancário é exatamente o nível de perda. A tendência é que os "spreads" caiam bastante. Então as taxas de empréstimos podem cair mesmo tendo a taxa básica da economia chegado ao piso.

FOLHA - O Itaú Unibanco engavetou o plano de internacionalização?
SETUBAL
- No momento, estamos focados na integração dos dois bancos [Itaú e Unibanco]. É uma operação bastante complexa, que exige uma energia interna muito grande. Nestes primeiros dois anos, até 2010 ou 2011, estaremos muito focados nisso. Esse período vai combinar exatamente com o ciclo da economia mundial, que está se recuperando. Mas temos aspirações internacionais. O Itaú Unibanco é o candidato natural para ser o banco mais internacionalizado do país.

FOLHA - Houve alguma decisão com relação ao uso das marcas Itaú e Unibanco?
SETUBAL
- Ainda estamos estudando os detalhes. Posso adiantar que vamos usar marcas existentes nos dois conglomerados, com modificações.

FOLHA - Há no Brasil apenas seis grandes bancos de varejo. Não é pouco banco para tanto cliente?
SETUBAL
- A tendência mundial é grandes bancos terem uma participação expressiva de mercado. Isso não impede a competição. Muito pelo contrário. Em outras indústrias, há concentrações ainda maiores.

FOLHA - Como o senhor vê a maior agressividade dos bancos públicos?
SETUBAL
- Preocupado com a crise, o governo procurou usar os bancos públicos como mais um elemento para estimular a economia. Entendo isso como uma medida contracíclica válida por um período. No entanto, a longo prazo o ideal é que tudo se faça pelas condições de mercado. É impossível imaginar que eles possam operar de forma sustentável em condições muito abaixo daquelas em que o mercado opera.

FOLHA - O senhor acha que o Brasil vive uma crise ética?
SETUBAL
- O lado positivo de todos esses problemas é que eles estão aparecendo. Ao escandalizarem a sociedade, certamente vão surtir efeito nas urnas.

FOLHA - Como o senhor vê uma eventual disputa para a Presidência entre o governador José Serra e a ministra Dilma Rousseff?
SETUBAL
- O Itaú sempre procurou apoiar a democracia contribuindo de forma equilibrada para os vários candidatos. Evidentemente procuramos contribuir mais para os partidos que partilhavam nossos ideais. Mas de forma muito equilibrada. E exclusivamente dentro das regras. Nunca pedimos nada em troca de contribuições.

FOLHA - Há algum risco eleitoral na campanha de 2010?
SETUBAL
- O Brasil adquiriu um nível alto de maturidade política e de equilíbrio econômico. Houve uma institucionalização das políticas econômicas. Na campanha, iremos ver algumas diferenças mais claras. Vai ser interessante analisar as propostas de um e de outro, mas não há risco de revermos 2002.

FOLHA - Serra ou Dilma?
SETUBAL - Só vou dizer uma coisa: Os dois têm a mesma qualidade de serem firmes em suas convicções e seus credos, de serem administradores com objetivos claros e muito pragmáticos em função dos benefícios pretendidos para a população.

FOLHA - O senhor é favorável ao financiamento público de campanhas eleitorais?
SETUBAL
- O problema não está no financiamento legal de campanhas, mas no ilegal. Isso gera os problemas a que assistimos no Brasil nos últimos anos. É preciso coibir a doação ilegal.

FOLHA - Bancos enfrentam mais de 700 mil ações por alegadas perdas de correntistas com planos econômicos. Por que não ressarci-los?
SETUBAL
- Questiona-se agora se os bancos deveriam ter aplicado as regras que o governo estipulou. Como poderíamos ter nos recusado a cumprir ordens do governo? Poderíamos ter sabotado o Plano Cruzado ou o Plano Real? Além disso, os bancos não levaram vantagem nenhuma com os planos econômicos. Eles reduziram não apenas o rendimento dos depósitos mas também as obrigações dos tomadores.

FOLHA - Se os bancos têm razão, por que perderam a maioria das ações até agora?
SETUBAL
- Os bancos não souberam se comunicar com a sociedade para explicar que não ganharam nada com os planos econômicos e que esse equilíbrio dos balanços, entre passivo e ativo, era necessário. Confesso que não dei importância a isso. Errei. Achava que, como não fizemos as regras, como não levamos vantagem, não havia nenhuma razão para que pagássemos indenizações pelas diretrizes dos governos. Mas isso tomou uma dimensão enorme. Estamos agora, no STF, com uma situação delicada para o sistema financeiro como um todo. O sucesso dessas ações abriria uma caixa de Pandora para a economia brasileira, que lutou por tanto tempo para se estabilizar.

FOLHA - Por quê?
SETUBAL
- A questão dos poupadores vai gerar outras demandas. Os processos não vão parar aí. Vão atingir outros tipos de depósito. Os bancos também vão querer cobrar de seus antigos devedores, cobrar do governo. Trabalhadores vão querer questionar redutores salariais. E assim por diante.

FOLHA - Os bancos não estão criando um falso risco de crise financeira só para ganhar o processo no STF?
SETUBAL
- A briga é da magnitude de R$ 200 bilhões. O cálculo tem certa complexidade porque o Judiciário aplica regras um pouco diferentes para cada Estado. Dizem que os bancos estão pagando muito menos. Por enquanto, é verdade. Mas unicamente porque há muitas ações que ainda não foram julgadas. Especialmente, e aqui vem o mais relevante, porque as ações coletivas ainda não foram decididas. Os bancos foram condenados em ações individuais. Mas as ações coletivas abrangem todos os poupadores de vários Estados. Se somarmos as ações coletivas, a conta vai ser esta: R$ 200 bilhões.

FOLHA - Como o senhor vê o banco em dez anos?
SETUBAL
- Crescendo. Sempre que o Itaú fazia associações, aquisições, meu pai [Olavo Setubal, patriarca da família controladora do grupo Itaú, morto em 2008] dizia: "Qual é o limite para o Itaú?". Eu não sabia. Dizia apenas que, enquanto tivéssemos espaço para crescer, cresceríamos. Tenho certeza de que o banco será maior e muito mais internacional do que é hoje. Estará entre os maiores bancos do mundo. (MARCIO AITH)


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