São Paulo, quinta-feira, 26 de agosto de 2004

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LUÍS NASSIF

Xadrez contra a planilha

É um clássico sobre o raciocínio complexo a entrevista do campeão mundial de xadrez Garry Kasparov a Mônica Weinberg, nas páginas amarelas da "Veja" desta semana. Bem questionado, o maior campeão da história do xadrez dá uma aula sobre como tratar com realidades complexas, como desenvolver raciocínios para analisar situações que se desdobrem em muitas variáveis.
Não poderia ser mais oportuna neste país do pensamento monofásico dos cabeças de planilha, que reduzem realidades complexas, como a economia, a fórmulas fechadas, com uma ou duas variáveis estáticas contempladas no "manual". Esse tipo de pensamento linear é o grande obstáculo à modernização do país, com sua incapacidade de escapar da lógica da prioridade única, de relacionar aspectos financeiro-contábeis a variáveis políticas, sociais etc.
Alguns trechos da entrevista:
"(...) Para o resto (os que praticam o xadrez sem a obsessão dos campeões), o jogo ajuda a abrir a cabeça. Está comprovado que o xadrez ajuda a melhorar a atenção, a disciplina, o pensamento lógico e a imaginação. Não é por acaso que, nas 13 mil escolas americanas em que se ensina xadrez, as crianças têm melhor desempenho em disciplinas como matemática e redação. Elas também demonstram ter um senso de responsabilidade mais aguçado".
"(...) Está na moda dizer que tudo o que acontece de ruim é responsabilidade de todo mundo. O jogo coloca as coisas no seu devido lugar: é você quem responde pelo movimento de suas peças, e mais ninguém. Como na vida, você é o único responsável pelos próprios atos."
"(...) Consulto sempre "O Alquimista", que fica na minha mesinha-de-cabeceira. Ele mostra como a intuição é importante no processo de tomada de decisão. Uso isso no xadrez, que, diferentemente do que muita gente acredita, não é um jogo matemático finito, previsível. O xadrez é matematicamente infinito. (...) Por isso, a intuição é importante: você tem de recorrer a ela na hora de optar por um movimento no tabuleiro."
"(...) O computador nasce programado para olhar o jogo de um determinado jeito, com uma estratégia preestabelecida, amarrada. E não muda. Eu, não. Tenho a habilidade de refazer a estratégia, trocar minhas prioridades. A máquina é movida pela lógica do cálculo perfeito. O homem tem o poder de fazer julgamentos. Tenho certeza de que o melhor homem, no seu melhor dia, ainda bate a eficiência da máquina -e vai ser assim durante muito tempo."
"(...) Pessoas que tenham um mínimo de interesse pelo jogo assimilam pelo menos o básico. Quem consegue superar esse nível rudimentar demonstra uma rara capacidade para fazer julgamentos e tomar decisões."
"(...) Falo para os executivos nas palestras que dou pelo mundo que eles perdem tempo demais com detalhes. Digo que é importante ter distanciamento para olhar o jogo inteiro, uma visão panorâmica que permita traçar estratégias. Poucos conseguem virar essa chave."
Para governantes, o conselho é ainda mais útil.

E-mail -
Luisnassif@uol.com.br


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