São Paulo, sábado, 26 de agosto de 2006

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GESNER OLIVEIRA

Globalização segundo Bernanke

O problema atual é como distribuir ganhos e perdas de proporções gigantescas entre os mais variados países

A TAXA de juros dos EUA constitui uma das principais variáveis para traçar cenários para a economia mundial. Daí a atenção a qualquer pronunciamento do presidente do banco central daquele país, Ben Bernanke. Mesmo que seja mera reflexão acadêmica sobre a globalização em um encontro sem maior importância no interior dos EUA. O tema do discurso de ontem de Bernanke no simpósio econômico anual do escritório regional do Banco da Reserva Federal no Estado de Wyoming não foi sobre política monetária, mas sobre a globalização em perspectiva histórica e, em particular, sobre as peculiaridades da integração econômica mundial na atualidade. Bernanke destacou quatro aspectos que distinguem o atual estágio da globalização relativamente ao passado. Em primeiro lugar, a velocidade de integração de certas regiões do mundo aumentou de forma exponencial. Basta lembrar que há menos de duas décadas os países socialistas do Leste Europeu, a China e a Índia estavam praticamente fora do jogo do comércio internacional. Mais da metade da população mundial passou a ser diretamente afetada pelos fluxos comerciais nesse curto espaço de tempo. Em segundo lugar, a divisão tradicional entre os países do centro e da periferia também vem sendo modificada com maior peso econômico dessa última. Bernanke chamou a atenção para o fato de que, em contraste com aquilo que ocorria no passado, a maior economia do mundo é hoje importadora de capital. Devido ao forte desequilíbrio no balanço de transações correntes (com um déficit de quase 7% do PIB), os EUA são dependentes de países superavitários como a China deterem ativos denominados em dólar, em particular títulos do Tesouro americano. Por um lado, tal complementaridade entre EUA e China garante a continuidade de um período de formidável expansão mundial. De outro lado, contudo, o atual equilíbrio mundial repousa sobre as frágeis bases de fortes desequilíbrios macroeconômicos nos EUA. Além, é claro, das incertezas geradas pelos desafios sociopolíticos que a China terá de enfrentar nas próximas décadas. Em terceiro lugar, Bernanke destacou o nível sem precedentes de mundialização das cadeias produtivas. De fato, os diferentes estágios dos processos produtivos se encontram espalhados pelo mundo, organizados por empresas multinacionais cada vez maiores e mais atuantes em escala global. Tal fato explica, entre outros fenômenos o rápido crescimento do comércio intrafirma, que representa cerca de metade do volume de comércio mundial. Isso sugere que, a despeito do recente fracasso da Rodada de Doha e do crescente protecionismo, a pressão pela integração continuará de forma praticamente irresistível. Por fim, Bernanke destaca a maturidade e a importância dos fluxos de capitais que teriam volume e diversificação incomparavelmente maiores do que no passado. Apesar de sua crença na continuidade da integração, Bernanke admitiu os riscos e destacou as tensões geopolíticas como fatores que podem desacelerar ou mesmo interromper o processo. Segundo o presidente do Fed, seria necessário assegurar uma distribuição razoável dos benefícios potenciais que a globalização encerra. Trata-se de constatação óbvia. O problema é como distribuir ganhos e perdas de proporções gigantescas nos mais variados países. Embora os ganhos oriundos do aumento de escala com o comércio sejam enormes, o processo de transição é custoso na maioria dos países e naturalmente a resistência política é enorme. Além disso, verificou-se enorme descompasso entre o grau de globalização econômica e o baixo desenvolvimento de instituições multilaterais capazes de administrar mecanismos de arbitragem e compensação. A começar pela OMC (Organização Mundial do Comércio), cujos instrumentos não estão à altura do grau de abertura que atingiu a economia mundial. De qualquer forma, não deixa de ser relevante verificar que o presidente do principal banco central do mundo está sensível às dificuldades que o mutilateralismo comercial enfrenta na atual conjuntura. Algo que será anotado na elaboração de previsões para a próxima reunião do Fed do próximo dia 20 de setembro.


GESNER OLIVEIRA , 50, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, presidente do Instituto Tendências de Direito e Economia e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
gesner@fgvsp.br


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