|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
GESNER OLIVEIRA
Globalização segundo Bernanke
O problema atual é como
distribuir ganhos e perdas de
proporções gigantescas
entre os mais variados países
A
TAXA de juros dos EUA constitui uma das principais variáveis para traçar cenários
para a economia mundial. Daí a
atenção a qualquer pronunciamento do presidente do banco central
daquele país, Ben Bernanke. Mesmo que seja mera reflexão acadêmica sobre a globalização em um encontro sem maior importância no
interior dos EUA.
O tema do discurso de ontem de
Bernanke no simpósio econômico
anual do escritório regional do Banco da Reserva Federal no Estado de
Wyoming não foi sobre política monetária, mas sobre a globalização
em perspectiva histórica e, em particular, sobre as peculiaridades da
integração econômica mundial na
atualidade.
Bernanke destacou quatro aspectos que distinguem o atual estágio
da globalização relativamente ao
passado. Em primeiro lugar, a velocidade de integração de certas regiões do mundo aumentou de forma exponencial. Basta lembrar que
há menos de duas décadas os países
socialistas do Leste Europeu, a China e a Índia estavam praticamente
fora do jogo do comércio internacional. Mais da metade da população mundial passou a ser diretamente afetada pelos fluxos comerciais nesse curto espaço de tempo.
Em segundo lugar, a divisão tradicional entre os países do centro e da
periferia também vem sendo modificada com maior peso econômico
dessa última. Bernanke chamou a
atenção para o fato de que, em contraste com aquilo que ocorria no
passado, a maior economia do mundo é hoje importadora de capital.
Devido ao forte desequilíbrio no balanço de transações correntes (com
um déficit de quase 7% do PIB), os
EUA são dependentes de países superavitários como a China deterem
ativos denominados em dólar, em
particular títulos do Tesouro
americano.
Por um lado, tal complementaridade entre EUA e China garante a
continuidade de um período de formidável expansão mundial. De outro lado, contudo, o atual equilíbrio
mundial repousa sobre as frágeis
bases de fortes desequilíbrios macroeconômicos nos EUA. Além, é
claro, das incertezas geradas pelos
desafios sociopolíticos que a China
terá de enfrentar nas próximas
décadas.
Em terceiro lugar, Bernanke destacou o nível sem precedentes de
mundialização das cadeias produtivas. De fato, os diferentes estágios
dos processos produtivos se encontram espalhados pelo mundo, organizados por empresas multinacionais cada vez maiores e mais atuantes em escala global.
Tal fato explica, entre outros fenômenos o rápido crescimento do
comércio intrafirma, que representa cerca de metade do volume de comércio mundial. Isso sugere que, a
despeito do recente fracasso da Rodada de Doha e do crescente protecionismo, a pressão pela integração
continuará de forma praticamente
irresistível. Por fim, Bernanke destaca a maturidade e a importância
dos fluxos de capitais que teriam volume e diversificação incomparavelmente maiores do que no
passado.
Apesar de sua crença na continuidade da integração, Bernanke admitiu os riscos e destacou as tensões
geopolíticas como fatores que podem desacelerar ou mesmo interromper o processo. Segundo o presidente do Fed, seria necessário assegurar uma distribuição razoável
dos benefícios potenciais que a globalização encerra.
Trata-se de constatação óbvia. O
problema é como distribuir ganhos
e perdas de proporções gigantescas
nos mais variados países. Embora os
ganhos oriundos do aumento de escala com o comércio sejam enormes, o processo de transição é custoso na maioria dos países e naturalmente a resistência política é
enorme.
Além disso, verificou-se enorme
descompasso entre o grau de globalização econômica e o baixo desenvolvimento de instituições multilaterais capazes de administrar mecanismos de arbitragem e compensação. A começar pela OMC (Organização Mundial do Comércio), cujos
instrumentos não estão à altura do
grau de abertura que atingiu a economia mundial.
De qualquer forma, não deixa de
ser relevante verificar que o presidente do principal banco central do
mundo está sensível às dificuldades
que o mutilateralismo comercial enfrenta na atual conjuntura. Algo que
será anotado na elaboração de previsões para a próxima reunião do
Fed do próximo dia 20 de setembro.
GESNER OLIVEIRA , 50, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP,
presidente do Instituto Tendências de Direito e Economia e
ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
gesner@fgvsp.br
Texto Anterior: FGTS pode se tornar garantia para consignado Próximo Texto: Previsão: Brasil deverá crescer 4% até 2010, afirma consultoria Índice
|