São Paulo, quarta-feira, 26 de agosto de 2009

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PAULO RABELLO DE CASTRO

Comprados comandam o espetáculo


Corretoras recomendam apostas de compra; suas previsões costumam alimentar a própria profecia

TODOS OS sintomas são de uma euforia mal disfarçada. Se um marciano pousasse no planeta Terra e se pusesse a ler o noticiário econômico, jamais deduziria, pela leitura de tantas declarações de entusiasmo oficial, o tamanho do buraco na economia produtiva do mundo. Nem tampouco poderia concluir algo negativo ou preocupante quando consultasse as cotações meteóricas dos principais mercados, onde os comprados ganham com folga nas apostas contra os vendidos. Desde março e, no Brasil, desde dezembro do ano passado, as Bolsas vêm recuperando boa parte do que haviam deixado para trás no pico anterior ao crash de outubro de 2008. Os ganhos são da ordem de 50%, em média, mas o índice Bovespa, por exemplo, se corrigido para dólares, ainda incorpora a apreciação do real, para situar-se na faixa de 90% de valorização. Em 90% também estava, até recentemente, o avanço da Bolsa chinesa, de Xangai, antes de cair para 70% nos últimos dias. O petróleo não faz por menos, agora com 100% de aumento sobre a mínima anterior. Diversas outras cotações de commodities minerais e agrícolas seguem pelo mesmo caminho.
Há espaço para mais valorizações? Os comprados não têm dúvida de que sim. Corretoras norte-americanas recomendam apostas de compra; suas previsões costumam alimentar a própria profecia. Com juros a quase zero, os fundos de hedge têm incentivo para voltar a tomar empréstimos e dobrar suas apostas.
É o cenário da bolha que se forma de novo, sob os auspícios das autoridades monetárias encarregadas de identificar e sanar desequilíbrios perigosos entre os mundos financeiro e produtivo. Este, no entanto, ficará, bastante tempo ainda, a reboque da euforia dos especuladores. O comércio mundial segue deprimido, operando a 80% do nível pré-crise. O uso da capacidade produtiva nos EUA está em 68%, recorde de baixa em toda a série histórica. E os lucros das empresas projetam deságio da ordem de 40% sobre as previsões de 12 meses atrás. A relação entre o preço médio das ações e o lucro das empresas negociadas na Bolsa de Nova York é surpreendente: no mínimo 70 vezes, o que denotaria uma hipervalorização, já que os mercados, mesmo quando inflados, não costumam operar acima de uma faixa de 30 a 40 vezes.
O economista Joseph Stiglitz, em exclusiva para a Folha, alertou que o modelo de consumo americano estava "quebrado". Referia-se ao modelo de financiamento do consumo das famílias nos EUA, que permitiu a alavancagem alucinada de créditos lastreados em bens imóveis, cujas hipotecas são hoje impagáveis. E lembrava, com explícito ceticismo, que o modo de resgate das instituições financeiras do seu país custou centenas de bilhões de dólares aos contribuintes.
O conjunto da sociedade americana hoje deve quase 400% do PIB.
Essa é a questão, embora não apontada por Stiglitz, que permeia o cenário de saída prolongada da crise. Responde a este enigma quem conseguir calcular em quanto tempo o sistema produtivo mundial conseguirá se equilibrar diante dos passivos financeiros existentes. Infelizmente, nenhuma outra região do planeta, a China inclusive, está preparada para absorver aquela parte da demanda que "quebrou". O tempo para reconstituir tal equilíbrio não se calcula em meses, mas em anos. Até um marciano desconfiará de que os otimistas estão a ponto de perder o juízo.
Uma correção fundamental, ainda neste ciclo, é apenas questão de tempo. Mas quanto?


PAULO RABELLO DE CASTRO , 60, doutor em economia pela Universidade de Chicago (Estados Unidos), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora de riscos. Preside também a RC Consultores, consultoria econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da Fecomercio-SP. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.

paulo@rcconsultores.com.br


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