São Paulo, quarta-feira, 26 de agosto de 2009

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ANÁLISE

Segundo mandato é imprudência

STEPHEN ROACH
ESPECIAL PARA O "FINANCIAL TIMES"

Barack Obama acaba de proferir um de seus mais importantes veredictos pós-crise: Ben Bernanke será indicado para um segundo mandato como presidente do Fed (o BC dos EUA). É uma decisão bastante imprudente.
Embora o comandante do banco central americano mereça crédito por sua criatividade e coragem ao orquestrar um programa incomumente agressivo de relaxamento da política monetária, é importante recordar que as ações dele antes da crise desempenharam papel igualmente crítico em preparar o terreno para a mais dolorosa recessão desde os anos 30. É como se um médico culpado de imperícia estivesse recebendo o crédito por inventar uma cura milagrosa. Talvez o paciente precise de um médico novo.
Bernanke cometeu três erros críticos em suas ações anteriores à quebra do Lehman Brothers: primeiro, e mais importante, ele tinha forte apego à convicção filosófica de que os BCs devem se comportar de forma agnóstica no que tange a bolhas de ativos. Quanto a isso, ele concordava plenamente com o seu predecessor, Alan Greenspan, criador serial de bolhas, segundo o qual as autoridades monetária estavam mais preparadas para limpar a bagunça deixada pelo estouro de uma bolha do que para tomar medidas preventivas.
Como corolário dessa abordagem, os dois extraíram conclusões erradas de estratégias pós-bolha adotadas na década. Em retrospecto, a injeção de liquidez excessiva pelo Fed entre 2001 e 2003, que Bernanke endossava fervorosamente, teve papel central na preparação do terreno para uma mistura letal de bolhas nos setores imobiliário e de crédito.
Segundo, Bernanke sempre foi o proponente intelectual da defesa que alegava "excedente mundial" de poupança para tirar dos EUA a culpa por sua propensão a bolhas, atribuindo o problema ao excesso de poupança na Ásia. Embora não se possa negar a demanda de ativos denominados em dólares por estrangeiros, é absurdo culpar as instituições de fora pelo comportamento irresponsável dos americanos, que o Fed deveria ter agido para conter.
Os responsáveis pelo excedente de poupança asiática nada tinham a ver com a irresponsável inclinação americana por estimular ainda mais uma bolha na habitação por meio de endividamento, com o uso dos proventos dessas manobras para ampliar o consumo. O argumento de Bernanke quanto ao excesso de poupança tem posição central na profunda negação pelos EUA, que se recusavam a olhar no espelho, preferindo atribuir a culpa a outros.
Terceiro, Bernanke compartilha das posturas libertárias que colocaram o Fed nessa confusão. Ele é adepto do credo proposto por Greenspan de que os mercados sabem mais que as autoridades, o que levou o Fed a abrir mão da autoridade regulatória em meio a uma era de excessos. A explosão dos derivativos, o extremo endividamento de bancos e os excessos das hipotecas eram todos flagrantes abusos aos quais tanto Bernanke quanto Greenspan podiam ter resistido. Como não o fizeram, um sistema complexo e instável escapou perigosamente ao controle.
E mesmo que esses erros sejam desconsiderados, Obama talvez esteja se precipitando ao atribuir a Bernanke o crédito por uma grande cura. Ninguém sabe ao certo se a estratégia do Fed obterá sucesso definitivo. O pior da recessão nos EUA parece ter sido contido no momento -uma consequência bastante típica, mas temporária, do ciclo de reposição de estoques que o tempo nos ensinou a reconhecer. Mas a sustentabilidade de qualquer recuperação pós-bolha está sempre em dúvida. Perguntem ao Japão, 20 anos depois que suas bolhas estouraram.
Embora os mercados ostentem esperanças insensatas de recuperação econômica, ainda existem boas razões para acreditar que a recuperação econômica dos EUA será anêmica e frágil. Os consumidores estão ainda no estágio inicial de uma reacomodação que levará anos. A extensão e a sincronia inesperadas da recessão global impedirão que a demanda por exportações americanas se torne um novo propulsor de avanço.
Seria o ápice da insensatez recompensar Bernanke por uma recuperação que não pegou. Mas a recompensa é, infelizmente, típica dos juízos apressados que orientam as decisões de Washington. Da mesma forma, é difícil esquecer o discurso "missão cumprida", em 2004, no qual Greenspan alegava que "nossa estratégia de lidar com as consequências da bolha, e não com a bolha em si, se provou bem sucedida". Devido à ansiedade de declarar que a crise acabou, o veredicto de Obama pode se provar igualmente prematuro.


O autor é presidente do conselho do Morgan Stanley Asia e autor de "The Next Asia" [a próxima Ásia], que sai no mês que vem.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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