São Paulo, domingo, 26 de setembro de 2004

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Cobranças de Lula e temor de dívida levaram Palocci a aumentar aperto

KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A avaliação de que a dívida pública é hoje um problema mais preocupante do que a inflação. O medo de abortar a retomada do crescimento por alta demasiada dos juros. Uma cobrança do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda) para flexibilizar a meta de inflação do próximo ano. E manter a credibilidade perante os credores para deixar de renovar acordo com o FMI (Fundo Monetário Internacional).
Segundo a Folha apurou, essas foram as quatro principais razões que levaram o ministro da Fazenda a fazer um novo "ajuste" no seu rigor fiscal e monetário. Ele desencadeou articulações no governo para afrouxar um pouco a meta de inflação de 2005 e elevar o superávit primário deste ano (a economia do setor público para pagar juros da dívida).
O superávit subiu de 4,25% para 4,5% do PIB (Produto Interno Bruto). A meta de inflação, na prática, passou a 5,1%, e não mais de 4,5%, número ainda oficial segundo o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo).
É o segundo "ajuste" no rigor fiscal e monetário. No início de 2003, Palocci convenceu Lula a elevar o superávit primário herdado da gestão FHC, aumentando-o de 3,75% para 4,25% do PIB. A meta de inflação de 2003 também foi "ajustada". Era de 4%, com margem de tolerância de 2,5 pontos. Teto de 6,5%. O governo a reajustou para 8,5% sem margem. Mesmo assim, a inflação estourou a meta (9,3% pelo IPCA).
Para 2005, com o chamado centro da meta em 4,5% e margem de tolerância de 2,5 pontos percentuais para mais ou menos, o teto ficou em 7%. Com o novo centro de 5,1% previsto na ata do Copom (Comitê de Política Monetária) da semana passada, é menor a necessidade de subir juros para conter a inflação. Se perseguisse os 4,5%, o BC (Banco Central) teria de elevar a Selic de modo mais prejudicial ao crescimento.
Com tudo isso, Palocci aprofundou o esforço fiscal e abrandou a política monetária. Ao elevar o superávit, quer diminuir a relação dívida pública-PIB. De quebra, visa evitar alta maior da taxa básica de juros (a Selic, 16,25% ao ano).
A dívida pública líquida hoje é de R$ 941,3 bilhões -equivalente a 54,1% do PIB, o menor nível desde abril de 2003. Baixar essa relação é a prioridade da política econômica. Ao assumir em 2003, quando havia projeção de inflação de 40% no ano, a alta dos preços era o maior inimigo. O governo admitiu maior tolerância com ela por julgar os 4,5% irrealistas, o que sufocaria o crescimento econômico em 2005 e 2006.

Freio no crescimento
No início de agosto, Lula demonstrou preocupação em reuniões com o risco de frear o crescimento econômico caso voltasse a subir a Selic, então em 16%.
Numa conversa direta com Lula, o presidente do BC, Henrique Meirelles, disse que havia três diretores da instituição que sempre jogavam juntos no Copom e que eram os mais pró-mercado.
Preocupado, Lula marcou uma reunião em 19 de agosto com as cúpulas da Fazenda e do BC. Queria conhecer e dar um recado aos membros do Copom, principalmente aos três. De modo simpático, Lula disse que os dois times ""estavam de parabéns" pela retomada do crescimento, mas que temia eventual erro de dosagem, como alta desnecessária de juros.
Apesar do recado de Lula, Meirelles disse depois a Palocci que seria difícil, em nome da credibilidade do sistema de metas de inflação, evitar nova alta da Selic. Informado, Lula ficou contrariado. Foi quando cobrou Palocci: "Use a margem da meta, não precisa cumprir exatamente a meta".
O ministro repetiu o argumento de que poderia perder credibilidade e começou a "construir", segundo expressão de um interlocutor, uma saída. Em maio, Palocci se recusara a aumentar a meta de inflação de 2005 de 4,5% para 5,5% -idéia que quase seduziu o presidente. Para 2006, a meta é 4,5%, com margem menor, de 2 e não 2,5 pontos percentuais.
Com aval de Lula, Palocci passou a trabalhar para evitar alta da Selic em setembro e para convencer o BC a abandonar o centro da meta, os 4,5%, para 2005. Declarações de membros do governo, especialmente do ministro José Dirceu (Casa Civil), dificultaram a vida de Palocci. Em setembro, veio uma alta moderada da Selic. Estava quase fechada a articulação entre Lula, Palocci e Meirelles para subir o superávit, medida combatida por Dirceu e o ministro Guido Mantega (Planejamento).
A equipe de Palocci desejava elevar o superávit para 4,75%, mas ele fechou com Lula. "O presidente quer um meio-termo, é da natureza dele", disse o ministro da Fazenda aos subordinados.
O superávit ficou em 4,5% do PIB. Na prática, deverá ser maior. Nos últimos 12 meses, já está em 4,95% do PIB (R$ 80,608 bilhões).
Não está afastada a possibilidade de novo aumento do superávit. Há fortes defensores dessa medida no governo. Por ora, só a meta deste ano foi oficializada, mas ela deverá, no mínimo, ser repetida em 2005. Hoje, a avaliação da cúpula do governo é que está pelo menos atenuada a necessidade de aumento da Selic.


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