São Paulo, domingo, 26 de setembro de 2004

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GOVERNO

Ex-sindicalistas defendem movimento, o maior da gestão Lula; para Olívio Dutra, bancos têm de compartilhar lucros "fenomenais"

Ministros dão apoio à greve dos bancários

ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ministros de origem sindicalista assumem publicamente o apoio à greve nacional dos bancários, que completa duas semanas amanhã. É a maior greve realizada durante o atual governo, e governos não costumam estimular movimentos do gênero.
"Os bancários têm carradas de razão", diz Olívio Dutra, ministro das Cidades. Ele presidiu o Sindicato dos Bancários de Porto Alegre, é um dos fundadores do PT e da CUT (Central Única dos Trabalhadores), foi deputado federal, prefeito da capital e governador do Rio Grande do Sul.
O ministro Luiz Gushiken (Comunicação de Governo) acrescenta: "Greve é um procedimento normal, direito em qualquer país civilizado. O importante é não acirrar os conflitos a ponto de inviabilizar a negociação". Ele liderou, à frente do Sindicato dos Bancários de São Paulo, a maior greve de bancários do país, em 85.
Ao ressalvar que não está acompanhando bem a atual greve, Gushiken opinou que ela está demorando muito. "Quanto mais o tempo passa, pior, porque a população começa a ficar irritada", disse ele à Folha, depois do encontro de sexta-feira entre líderes do movimento e o ministro Ricardo Berzoini (Trabalho).
Berzoini também começou a carreira política no movimento sindical dos bancários, assim como Gushiken e Olívio Dutra (Cidades). Todos tiveram intensa presença em greves da categoria.
"A atual greve é justa, legítima, até porque o sistema financeiro brasileiro nunca perdeu, nem na ditadura nem na redemocratização, e nunca compartilhou nada", disse Olívio.
"E no atual governo também?", perguntou-lhe a Folha.
"Sim, continua", respondeu o ministro, defendendo, porém, que a política econômica está dando certo, o país está crescendo e gerando empregos.
Olívio acha que "está na hora de as instituições financeiras compartilharem um pouco de seus lucros fenomenais com a sociedade e com os trabalhadores da categoria, os bancários". "Há uma defasagem enorme nos salários. Os bancários têm sofrido perdas grandes, e os bancos nunca perdem nada", enfatizou.
Olívio contou que conversou com Berzoini sobre a greve e que os dois pensam da mesma maneira: "O Berzoini e eu temos a mesma opinião, a de que as greves são uma tradição dos bancários".
De Gushiken: "Toda vez que a economia entra em recessão, o movimento sindical reflui. Quando começa a dar sinais de reaquecimento, como agora, é evidente que o movimento volta e o processo de reivindicação dos bancários ganha ímpeto".
Como parte das lideranças da categoria vem de bancos públicos, especialmente do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal, Olívio Dutra faz uma distinção: essas duas instituições costumam negociar melhor com seus funcionários, mas o padrão geral acaba sendo mais baixo porque é estabelecido pela Fenaban (Federação Nacional dos Bancos).
As declarações dos ministros bancários a favor da greve estão sintonizadas com as do próprio Lula que, em entrevista a radialistas, na quinta-feira, disse que "os trabalhadores fizeram sacrifício quando tinham de fazer e, na medida em que o banco anuncia um ganho muito bom, é normal que queiram recuperar sua renda".
Dados cruzados indicam que a rentabilidade dos bancos subiu de 9,8% em 1994 para 20% em 2003, enquanto o piso salarial dos bancários caiu de 4,3 salários mínimos para 2,6 no mesmo período.
Olívio Dutra diz que a greve dos bancários tem até um papel pedagógico: "A sociedade está atenta, e os bancários estão ajudando a sociedade a ter essa consciência [dos lucros do sistema financeiro, não repartidos com a população]".
Apesar das declarações públicas favoráveis ao movimento, internamente o governo teme que a greve dos bancários se estenda para outras categorias sob o embalo dos sinais do reaquecimento.
Por isso, a cúpula do governo volta a falar em "pacto social", tema recorrente na posse de Lula, e passível de voltar à pauta após as eleições municipais. Está sob a mesa do ministro Jaques Wagner (Conselho de Desenvolvimento Econômico), também líder sindical: dirigiu o Sindiquímica na Bahia e fundador da CUT no Estado.
O ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda) é contra a proposta. Avalia que agora, com a retomada do crescimento, não há necessidade desse tipo de medida, mas considera importante a discussão.


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