São Paulo, sábado, 26 de outubro de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Deter o pacto da inflação

GESNER OLIVEIRA

É possível que muitos dos cerca de 24 milhões de jovens de 16 a 24 anos que vão votar para presidente amanhã não se recordem do pesadelo que significa viver em uma economia superinflacionária. Não tinham idade suficiente para vivenciar os males da hiperinflação em 1989/90, na passagem do governo Sarney para a administração Collor.
A preocupação com a inflação nesta semana não guarda nem de longe relação com o problema crônico do passado. É verdade que o IGP-10 (Índice Geral de Preços 10), divulgado nesta semana, superou as expectativas do mercado e registrou 3,32% em outubro. Além disso, o núcleo da inflação medida pelo IPCA do IBGE dobrou entre os meses de julho e setembro de 2002.
Porém a inflação de 2002 deverá se situar entre 7% e 8%, algo próximo a 0,6% ao mês, incomparavelmente menor do que a das últimas cinco décadas. Nos anos 50, a média anual de inflação foi de 19%, atingindo 43% e 33% nos anos 60 e 70, respectivamente. A tolerância com índices bem acima da taxa internacional atingiu taxas insuportáveis nos anos 80 (272% de média anual) e chegou a uma média anual de 1.241% em 1990-93!
O novo presidente receberá uma herança infinitamente melhor do que aquela deixada pelos governos Sarney e Collor. O primeiro deixou uma taxa mensal de 76%, equivalente a uma inflação anual de 88.239%! O governo Collor deixou uma taxa mensal em torno de 25% ao mês, ou 1.355% ao ano, a despeito de toda a violência contra a poupança.
A conquista da estabilidade dos últimos anos corre, contudo, sério risco. O principal problema da heterogênea frente que apóia a candidatura Lula reside na combinação perversa entre promessas genéricas e contraditórias de benefícios a diferentes segmentos e sua apresentação aos mais variados fóruns sob pretexto de promoção de um novo pacto social.
Ninguém em sã consciência pode se opor ao diálogo permanente do governo com os diferentes segmentos sociais. Pelo contrário, é preciso incentivá-lo, deixando claras as opções que existem entre os usos alternativos dos escassos recursos.
Quando se submetem proposições de políticas públicas ao crivo de instâncias amorfas e sem definições claras de fontes de financiamento, os resultados são desastrosos. A soma das partes costuma ser maior do que o todo, e não se sabe com quem fica a fatura. Quem perde são as camadas mais pobres e desorganizadas da população, que não conseguem se fazer representar nos supostos "conselhos populares".
O conjunto de boas intenções levadas a tais fóruns termina por gerar uma enorme conta a ser paga pelos contribuintes. E, diante da impossibilidade de aumentar a já elevadíssima carga tributária, o resultado é a volta do financiamento inflacionário.
Isto é, quem paga a conta são os mais desprotegidos, que não têm poder de mercado para repassar a elevação dos custos para os preços nem poder de barganha para obter reajustes generosos e cláusulas de indexação. Muito menos possuem conta no exterior para salvaguardar suas poupanças.
Carece de sentido histórico invocar para o Brasil atual os acordos consubstanciados no chamado Pacto de Moncloa, na transição espanhola dos anos 70. Tal acerto, promovido em 1977 sob a administração Adolfo Suarez no contexto da redemocratização espanhola, correspondia a um projeto de reconstrução nacional após décadas de franquismo.
O Brasil atual se caracteriza por circunstâncias totalmente distintas da Espanha em transição. O ciclo de redemocratização se completou há alguns anos. A despeito das inevitáveis imperfeições, há uma democracia de massas em pleno funcionamento, como demonstra o processo eleitoral que se encerra neste final de semana. A estabilização, por sua vez, foi conquistada a duras penas, a despeito de poderosos lobbies corporativos.
A prioridade agora é remover os obstáculos ao crescimento sustentado, preservando as instituições pró-estabilidade. Isso se faz com propostas concretas e articuladas, e não com conversa. A não ser, é claro, que o objetivo verdadeiro seja mergulhar no túnel do tempo para restabelecer o pacto perverso da inflação.


Gesner Oliveira, 46, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-Eaesp, consultor da Tendências e ex-presidente do Cade.

Internet: www.gesneroliveira.com.br

E-mail - gesner@fgvsp.br

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