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OPINIÃO ECONÔMICA
Deter o pacto da inflação
GESNER OLIVEIRA
É possível que muitos dos
cerca de 24 milhões de jovens
de 16 a 24 anos que vão votar para presidente amanhã não se recordem do pesadelo que significa
viver em uma economia superinflacionária. Não tinham idade
suficiente para vivenciar os males
da hiperinflação em 1989/90, na
passagem do governo Sarney para a administração Collor.
A preocupação com a inflação
nesta semana não guarda nem de
longe relação com o problema
crônico do passado. É verdade
que o IGP-10 (Índice Geral de Preços 10), divulgado nesta semana,
superou as expectativas do mercado e registrou 3,32% em outubro. Além disso, o núcleo da inflação medida pelo IPCA do IBGE
dobrou entre os meses de julho e
setembro de 2002.
Porém a inflação de 2002 deverá se situar entre 7% e 8%, algo
próximo a 0,6% ao mês, incomparavelmente menor do que a das
últimas cinco décadas. Nos anos
50, a média anual de inflação foi
de 19%, atingindo 43% e 33% nos
anos 60 e 70, respectivamente. A
tolerância com índices bem acima da taxa internacional atingiu
taxas insuportáveis nos anos 80
(272% de média anual) e chegou
a uma média anual de 1.241% em
1990-93!
O novo presidente receberá
uma herança infinitamente melhor do que aquela deixada pelos
governos Sarney e Collor. O primeiro deixou uma taxa mensal
de 76%, equivalente a uma inflação anual de 88.239%! O governo
Collor deixou uma taxa mensal
em torno de 25% ao mês, ou
1.355% ao ano, a despeito de toda
a violência contra a poupança.
A conquista da estabilidade dos
últimos anos corre, contudo, sério
risco. O principal problema da heterogênea frente que apóia a candidatura Lula reside na combinação perversa entre promessas genéricas e contraditórias de benefícios a diferentes segmentos e sua
apresentação aos mais variados
fóruns sob pretexto de promoção
de um novo pacto social.
Ninguém em sã consciência pode se opor ao diálogo permanente
do governo com os diferentes segmentos sociais. Pelo contrário, é
preciso incentivá-lo, deixando
claras as opções que existem entre
os usos alternativos dos escassos
recursos.
Quando se submetem proposições de políticas públicas ao crivo
de instâncias amorfas e sem definições claras de fontes de financiamento, os resultados são desastrosos. A soma das partes costuma ser maior do que o todo, e não
se sabe com quem fica a fatura.
Quem perde são as camadas mais
pobres e desorganizadas da população, que não conseguem se fazer representar nos supostos "conselhos populares".
O conjunto de boas intenções levadas a tais fóruns termina por
gerar uma enorme conta a ser paga pelos contribuintes. E, diante
da impossibilidade de aumentar
a já elevadíssima carga tributária, o resultado é a volta do financiamento inflacionário.
Isto é, quem paga a conta são os
mais desprotegidos, que não têm
poder de mercado para repassar a
elevação dos custos para os preços
nem poder de barganha para obter reajustes generosos e cláusulas
de indexação. Muito menos possuem conta no exterior para salvaguardar suas poupanças.
Carece de sentido histórico invocar para o Brasil atual os acordos consubstanciados no chamado Pacto de Moncloa, na transição espanhola dos anos 70. Tal
acerto, promovido em 1977 sob a
administração Adolfo Suarez no
contexto da redemocratização espanhola, correspondia a um projeto de reconstrução nacional
após décadas de franquismo.
O Brasil atual se caracteriza por
circunstâncias totalmente distintas da Espanha em transição. O
ciclo de redemocratização se completou há alguns anos. A despeito
das inevitáveis imperfeições, há
uma democracia de massas em
pleno funcionamento, como demonstra o processo eleitoral que
se encerra neste final de semana.
A estabilização, por sua vez, foi
conquistada a duras penas, a despeito de poderosos lobbies corporativos.
A prioridade agora é remover os
obstáculos ao crescimento sustentado, preservando as instituições
pró-estabilidade. Isso se faz com
propostas concretas e articuladas,
e não com conversa. A não ser, é
claro, que o objetivo verdadeiro
seja mergulhar no túnel do tempo
para restabelecer o pacto perverso
da inflação.
Gesner Oliveira, 46, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia
(Berkeley), professor da FGV-Eaesp, consultor da Tendências e ex-presidente do
Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br
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