São Paulo, domingo, 26 de outubro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Gasto dos governos terá de ser revisto, diz Banco Mundial

FABIANO MAISONNAVE
DE CARACAS

Para o economista-chefe do Banco Mundial (Bird) para a América Latina e o Caribe, Augusto de la Torre, a região está mais bem preparada do que no passado para enfrentar a atual crise financeira, mas adverte de que se trata de uma "tormenta cada vez mais violenta".
À Folha, De la Torre afirmou que os países mais dependentes dos EUA, como México, já estão sofrendo um duro impacto, enquanto Brasil, Argentina e outras nações com parceiros comerciais diversificados sentirão a crise de forma "mitigada e postergada".
Equatoriano, De la Torre está no Bird desde 1997. Antes, foi presidente do Banco Central de seu país. Leia, a seguir, trechos da entrevista concedida por e-mail:

 

FOLHA - O sr. tem dito que a América Latina está em melhores condições para enfrentar a crise do que no passado. Por quê?
AUGUSTO DE LA TORRE
- Em geral, a América Latina e do Caribe (ALC) é agora menos vulnerável aos choques macroeconômicos e financeiros do que no passado. E isso não é produto de pura boa sorte, mas obedece às boas políticas seguidas pelos países da região na última década e a uma menor dependência dos fluxos de capitais externos. Em particular, nos últimos cinco anos, a ALC registra: a) uma substancial redução do risco monetário e de refinanciamento nas carteiras de dívida governamental , junto com um aprofundamento dos mercados domésticos de dívida em moeda nacional; b) um incremento das reservas em moeda estrangeira; c) uma maior flexibilidade nos tipos de câmbio, como parte de um marco de política monetária mais robusto e confiável; d) necessidades mais baixas de financiamento fiscal e da conta corrente externa, associadas a menores déficits; e) uma reorientação de maior espaço fiscal para os gastos em educação, saúde e social. Poderíamos dizer que a América Latina é como um barco mais bem construído, mas navegando em meio de uma tormenta cada vez mais violenta.

FOLHA - Quais devem ser as principais preocupações dos países da região diante da crise?
DE LA TORRE
- A capacidade de responder à deterioração das condições internacionais dependerá do grau de vulnerabilidade real e financeira. Na frente monetária, a discussão será sobre a conveniência de passar a uma política monetária menos restritiva e quando fazê-lo. A capacidade de relaxar a política monetária para que tenha um papel contracíclico dependerá não apenas do grau de avanço na luta contra a inflação como também, e significativamente, do grau de estresse financeiro e da robustez de largo prazo da trajetória fiscal. A política fiscal também enfrentará importantes desafios. Os países da região terão de administrar seus programas de gasto fiscal num contexto de menor arrecadação.

FOLHA - Como administrar a grande dependência da exportação de commodities?
DE LA TORRE
- A redução no preço das mesmas como produto da desaceleração da economia global piorará em termos de intercâmbio para a região em geral, pois a América Latina é um exportador de commodities. Mais de 90% do PIB e da população regional residem em países que são exportadores primários de commodities, os quais se verão afetados negativamente pela queda dos preços. Mas cerca de metade dos países, localizados sobretudo na América Central e no Caribe, são importadores primários de commodities. Para eles, a recente queda dos preços de combustíveis, metais industriais e cereais será um alívio. Em muitos casos, infelizmente, esse alívio será neutralizado por um menor fluxo de remessas e o crescimento econômico estancado. Além disso, a queda no preço dos alimentos e dos combustíveis ajudará a reduzir as pressões inflacionárias.

FOLHA - Quase todos os países da região têm nos EUA seu principal mercado, e muitos dependem das remessas dos imigrantes. Quais podem ser os efeitos dessa dependência e o que se pode fazer para mitigar os prejuízos?
DE LA TORRE
- O principal será uma diminuição da demanda mundial para as exportações da ALC. Isso se aprofundará para a região em seu conjunto devido à diminuição nas remessas, ao enfraquecimento do preço das commodities, ao maior custo do crédito e ao efeito retardado da política pública de contração que os países da ALC têm seguido, até agora, para aliviar a pressão inflacionária. Dessa maneira, se prevê que a desaceleração cíclica na ALC será mais pronunciada e estará sujeita a um maior risco de perdas. Em especial, se espera que o crescimento na ALC diminua de 5,6%, em 2007, a uma cifra estimada de 4,6%, em 2008, e a entre 2,5% e 3,5%, em 2009.
Aqueles países que estão estreitamente unidos à economia dos EUA, como México e os países centro-americanos, já sentem o impacto. Enquanto os países mais relacionados com outras regiões, como Argentina, Peru e Brasil, verão um impacto mitigado e postergado, sempre e quando o crescimento chinês continue sendo forte.


Texto Anterior: Crise pune heterodoxia na América do Sul
Próximo Texto: Frases
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.