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São Paulo, sexta-feira, 26 de dezembro de 2003

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LUÍS NASSIF

Falta missão ao Tesouro

Recebo e-mail de Joaquim Levy, Secretário do Tesouro, contestando críticas que fiz aqui ao órgão. Na coluna, acusei o Tesouro de não ter atuado para evitar a contaminação da dívida pública pela política monetária do Banco Central e, pior, esconder os efeitos dos juros sobre a dívida pública. Acusei-o de não se comportar com honestidade intelectual ao atribuir o crescimento da dívida pública à falta de ajuste fiscal no período 94/98, e não à política de juros.
Levy se queixa da frase, que foi dura. Admito o excesso da crítica e peço desculpas. Mas vamos aos fatos.
Levy sustenta que o gráfico que mostrou no Congresso da BMF sobre a dívida pública tinha duas linhas: uma mostrando os efeitos do superávit fiscal sobre a dívida, e outro, os efeitos da redução da taxa Selic. Mesmo assim, diz ele, a taxa de juros do primeiro governo FHC poderia ter sido bem mais baixa se a política fiscal do período tivesse sido mais apertada. Ou seja, continuou na mesma.
Na época, o BC definia a taxa de juros "de equilíbrio" (seja lá o que isso signifique) como a soma dos juros internacionais, risco Brasil e expectativa futura de desvalorização cambial. Se não houvesse risco cambial, e necessidade de atrair dólares, haveria porque dolarizar a taxa de juros interna?
Gostaria que algum gênio da lâmpada explicasse porque a ausência de superávit fiscal obrigava o BC a calibrar a taxa Selic pelo câmbio. A enxurrada de capital especulativo que ingressava no país, atraído pelos juros do BC, constituía reservas inconsistentes (que desapareceram ao primeiro sinal de crise) a um custo fiscal extraordinariamente elevado. Ou seja, as políticas cambial e de juros -que, segundo Levy, teriam sido consequência do afrouxo fiscal- tinham implicações pesadíssimas sobre o déficit público. E a razão inicial da sua elevação não foi o déficit público, que nem era expressivo na época, mas a necessidade de fechar as contas externas.
Quando fala em política fiscal frouxa, Levy inverte a relação causal, não ousa questionar o pecado original do BC (de apreciar o câmbio e aumentar os juros para fechar as contas externas) e sequer admitir suas consequências para o endividamento público.
Há anos o Banco Central se impôs uma missão única: combater a inflação de forma obsessiva, exagerando na dosagem da política monetária e inviabilizando qualquer forma de ajuste fiscal, jamais se preocupando com os impactos sobre a dívida pública. Na era dos dois Gustavos, quando se cobrava o crescimento da dívida, a resposta era "planílhica": "Isso é problema do Tesouro e da Receita".
O contraponto ao BC deveria ser o Tesouro. Não adianta conhecimento técnico, domínio de planilhas, se a missão não está claramente definida. E o que se vê, nos últimos anos, é o Tesouro atuando a reboque do BC. O Tesouro pode ter um time técnico. Falta, agora, a alma, o sentido de missão.

E-mail - Luisnassif@uol.com.br


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