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LUÍS NASSIF
Falta missão ao Tesouro
Recebo e-mail de Joaquim
Levy, Secretário do Tesouro, contestando críticas que fiz
aqui ao órgão. Na coluna, acusei o Tesouro de não ter atuado
para evitar a contaminação da
dívida pública pela política
monetária do Banco Central e,
pior, esconder os efeitos dos juros sobre a dívida pública. Acusei-o de não se comportar com
honestidade intelectual ao
atribuir o crescimento da dívida pública à falta de ajuste fiscal no período 94/98, e não à
política de juros.
Levy se queixa da frase, que
foi dura. Admito o excesso da
crítica e peço desculpas. Mas
vamos aos fatos.
Levy sustenta que o gráfico
que mostrou no Congresso da
BMF sobre a dívida pública tinha duas linhas: uma mostrando os efeitos do superávit
fiscal sobre a dívida, e outro, os
efeitos da redução da taxa Selic. Mesmo assim, diz ele, a taxa de juros do primeiro governo FHC poderia ter sido bem
mais baixa se a política fiscal
do período tivesse sido mais
apertada. Ou seja, continuou
na mesma.
Na época, o BC definia a taxa
de juros "de equilíbrio" (seja lá
o que isso signifique) como a
soma dos juros internacionais,
risco Brasil e expectativa futura de desvalorização cambial.
Se não houvesse risco cambial,
e necessidade de atrair dólares,
haveria porque dolarizar a taxa de juros interna?
Gostaria que algum gênio da
lâmpada explicasse porque a
ausência de superávit fiscal
obrigava o BC a calibrar a taxa
Selic pelo câmbio. A enxurrada
de capital especulativo que ingressava no país, atraído pelos
juros do BC, constituía reservas
inconsistentes (que desapareceram ao primeiro sinal de crise) a um custo fiscal extraordinariamente elevado. Ou seja,
as políticas cambial e de juros
-que, segundo Levy, teriam
sido consequência do afrouxo
fiscal- tinham implicações
pesadíssimas sobre o déficit público. E a razão inicial da sua
elevação não foi o déficit público, que nem era expressivo na
época, mas a necessidade de fechar as contas externas.
Quando fala em política fiscal frouxa, Levy inverte a relação causal, não ousa questionar o pecado original do BC
(de apreciar o câmbio e aumentar os juros para fechar as
contas externas) e sequer admitir suas consequências para
o endividamento público.
Há anos o Banco Central se
impôs uma missão única: combater a inflação de forma obsessiva, exagerando na dosagem da política monetária e
inviabilizando qualquer forma
de ajuste fiscal, jamais se preocupando com os impactos sobre a dívida pública. Na era
dos dois Gustavos, quando se
cobrava o crescimento da dívida, a resposta era "planílhica":
"Isso é problema do Tesouro e
da Receita".
O contraponto ao BC deveria
ser o Tesouro. Não adianta conhecimento técnico, domínio
de planilhas, se a missão não
está claramente definida. E o
que se vê, nos últimos anos, é o
Tesouro atuando a reboque do
BC. O Tesouro pode ter um time técnico. Falta, agora, a alma, o sentido de missão.
E-mail -
Luisnassif@uol.com.br
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