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São Paulo, sexta-feira, 26 de dezembro de 2003

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ARTIGO

Investigação põe Justiça italiana à prova

FRED KAPNER
DO "FINANCIAL TIMES"

Uma visita ao mosteiro de Parma, tão romântico na ficção, revela na vida real um centro de treinamento para carcereiros, com uma igreja do século 18 anexa, nos limites da cidade.
O escrutínio dos magistrados que agora estão investigando a Parmalat, seus executivos e seus auditores está, da mesma forma, removendo o brilho que enfeitava a imagem da produtora de biscoitos e laticínios.
Mas, à medida que os investigadores começam a compreender o mecanismo daquilo que fiscais e promotores públicos agora vêem como uma das maiores trapaças da história européia, muitos observadores imaginam quando o resultado do curso ensinado no mosteiro será colocado em prática e se o glacialmente lento e complexo sistema italiano de Justiça estará à altura da tarefa.
Uma lei que poderia ser um elemento chave no processo foi atenuada no ano passado. A falsificação de contabilidade, acusação proferida contra empresas controladas pelo primeiro-ministro Silvio Berlusconi em outras ocasiões, foi tornada um crime menos sério. Um advogado diz que "a nova lei foi redigida com tantos detalhes que oferece aos acusados uma centena de exceções para escapar das garras da Justiça".
Angelo Curto, magistrado envolvido na investigação, disse ao jornal italiano "Corriere della Sera" que, "desde que a punição a esse tipo de crime foi atenuada, as pessoas passaram a achar que podem fazer o que bem quiserem".
E mesmo que a investigação judicial descubra fortes provas para a promotoria, observadores veteranos desse tipo de caso acreditam que a Justiça italiana poderia encontrar dificuldades para enfrentar a interferência política.
No momento em que crescem as indicações de que Calisto Tanzi, o fundador da Parmalat, pode ter usado apoio político para construir seu império nas décadas de 80 e 90, o presidente do Senado italiano anunciou nesta semana que convocaria uma comissão de inquérito para tratar do caso.
Essas comissões são notórias por roubar tempo dos investigadores e por criar verdadeiros circos políticos em casos de fraude.
No começo do ano, uma comissão de inquérito controlada por membros dos partidos da coalizão de centro-direita de Silvio Berlusconi passou meses estudando acusações contra um suspeito de lavagem de dinheiro.
O suspeito acusou Romano Prodi, o presidente da Comissão Européia, e outros líderes da oposição de centro-esquerda de aceitarem comissões em 1997, quando a Telecom Italia adquiriu uma participação na Telekom Serbia, então uma estatal na Iugoslávia de Slobodan Milosevic.
Na semana passada, os magistrados encarregados da investigação afirmaram que as acusações contra Prodi não tinham fundamento. E emitiram nova ordem de prisão contra o suspeito por calúnia e difamação.
"Nos Estados Unidos, as comissões do Senado obtiveram muitas provas quanto à Enron. Na Itália, se uma comissão encontra provas, termina por enterrá-las em algum outro lugar", disse um advogado de Milão.
Os magistrados que conduzem as investigações em Milão e Parma parecem ter feito rápido progresso graças a interrogatórios que vararam a madrugada aos ex-dirigentes da Parmalat.
Até agora, os magistrados não anunciaram mandados de prisão relacionados ao que parece ser o desaparecimento, ao longo de anos, de cerca de 10 bilhões (US$ 12,4 bilhões) da empresa.
Pessoas familiarizadas com a investigação suspeitam que a Parmalat venha mentindo aos investigadores e apresentando documentos falsos há anos.
Como resultado, os investigadores se concentram em possíveis acusações de "aggiotaggio", manipulação de mercado por meio de documentos falsos ou enganosos. A sentença máxima para esse crime é de cinco anos de prisão -as penas são maiores do que as previstas para fraude contábil, cuja sentença máxima é de três anos de prisão. Mas como disse um advogado que trabalha para grandes empresas, "estou no ramo há anos e nunca vi ninguém ir para a cadeia por isso".


Tradução de Paulo Migliacci

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