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ALEXANDRE SCHWARTSMAN
Sexo e outras obsessões
O Brasil é o segundo colocado
em termos de gastos com
relação ao PIB, perdendo
apenas para a China
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ROBERT SOLOW , Prêmio Nobel
de Economia, disse certa vez,
referindo-se a Milton Friedman: "Tudo para Milton o lembra da
oferta de moeda. Já para mim tudo
lembra sexo, mas, pelo menos, eu
tento mantê-lo fora dos meus artigos". Também tenho minhas obsessões e, entre as publicáveis, a questão fiscal no Brasil ocupa lugar de
honra. Digo isso a propósito de dados recentemente publicados pelo
Banco Mundial acerca da comparação entre diferentes países. A imprensa local deu ênfase à posição do
Brasil como a décima maior economia do mundo, mas não prestou
muita atenção a outro conjunto de
dados, bem menos lisonjeiro, que
destaca o elevado nível de gasto público no país.
Tais dados se originam do ICP
(Programa para Comparação Internacional, na sigla em inglês) do Banco Mundial. O propósito do ICP é
simples: gerar um conjunto de estatísticas que possibilitem a comparação entre vários países numa base
comum, tarefa bem mais difícil que
seu enunciado sugere. Obviamente
não faz muito sentido comparar dados expressos em moedas diferentes. Dado que o PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro é medido em
reais e o PIB indiano, em rupias, teríamos que convertê-los numa medida comum (por exemplo, euros)
utilizando para tanto das taxas de
câmbio entre o real e o euro e a rupia
e o euro. No entanto, taxas de câmbio de mercado são extremamente
voláteis e com freqüência podem se
desviar de seus valores de equilíbrio,
prejudicando a comparação.
É possível, porém, definir taxas de
câmbio "ideais" determinadas pelo
que se convencionou chamar de
PPC (Paridade de Poder de Compra). Em termos intuitivos, a taxa de
PPC é aquela que equipara os custos
de uma mesma cesta de bens no
Brasil e na Índia medidos na mesma
moeda. Um exemplo simples desse
conceito é o Índice Big Mac, calculado pela revista inglesa "The Economist", que estima as taxas de câmbio em vários países que fariam o sanduíche valer o mesmo que custa nos
EUA. Ainda que tal procedimento
não esteja livre de problemas, as
maiores dificuldades da comparação internacional conseguem ser
bastante atenuadas.
Foi com base nessa metodologia
que se construiu o ranking mencionado acima, mas ela também permite a montagem de vários outros rankings, inclusive relativos aos gastos
do governo na provisão de serviços
públicos (defesa, Justiça, segurança
etc.). Não é surpresa, à luz dos números que venho apresentando nesta coluna há pouco mais de um ano,
que o Brasil ocupe posição de destaque nesse quesito. De fato, embora o
PIB brasileiro corresponda a 2,9%
do PIB global, o gasto do governo na
provisão de serviços públicos equivale a 5% do total mundial; somos o
décimo maior PIB, mas o quarto
maior gasto.
Quando consideramos apenas os
países com PIB acima de US$ 100 bilhões em 2005, o Brasil é o segundo
colocado em termos de gastos com
relação ao PIB, perdendo apenas para a China, cujo dispêndio militar é
muito superior ao nosso. Na América do Sul, excetuado o Brasil, o gasto
médio é 11% do PIB; no Brasil, 19%
do PIB. Tudo isso, diga-se, com a
qualidade consagrada dos serviços
prestados à população.
São números assim que deveriam
sepultar de vez teses esdrúxulas sobre o "raquitismo" estatal brasileiro.
A má qualidade desses serviços não
resulta de pouco gasto, mas da baixa
produtividade. Ignorar esses problemas pode ser cômodo, mas
-mesmo mantendo sexo fora do artigo- é, acima de tudo, escandaloso.
Feliz 2008 a todos.
ALEXANDRE SCHWARTSMAN , 44, é economista-chefe
para América Latina do Banco Real, doutor pela Universidade da Califórnia (Berkeley) e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central.
Internet: http://www.maovisivel.blogspot.com/
alexandre.schwartsman@hotmail.com
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