|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Por que "multinacionais" brasileiras?
LUCIANO COUTINHO
Cinco anos de câmbio sobrevalorizado, juros proibitivos,
abertura comercial gratuita e
privatização sem estratégia produziram um movimento sem
precedentes de desnacionalização e de encolhimento dos grupos econômicos nacionais.
A nossa retardatária elite
acorda agora, ainda confusa,
para a realidade. O Brasil, após
marcar passo nos anos 80, retrocedeu nos 90. Enquanto isso, algumas economias asiáticas (notadamente a Coréia do Sul, mas
também a China e Taiwan)
construíram grandes grupos
econômicos -de porte e atuação globais, com crescente capacitação técnica na fronteira das
tecnologias da informação e
com afirmação de marcas mundiais.
Ainda nos últimos cinco anos,
sob o impulso da extraordinária
valorização dos mercados de capitais, uma onda avassaladora
de fusões e aquisições vem aumentando a escala das grandes
empresas mundiais e concentrando o capital em quase todos
os setores das economias desenvolvidas.
Cooptada pelo neoliberalismo
e precisando captar recursos no
exterior para financiar o crescente déficit externo, o núcleo da
equipe econômica do governo
ignorou esses fatos e desdenhou
das advertências.
A desnacionalização aos seus
olhos era, além de oportuna,
saudável. O capital estrangeiro
ajudaria a superar mais depressa as nossas debilidades tecnológicas e gerenciais. Omitindo os
efeitos maléficos da sua política
de juros estratosféricos e da vulnerabilidade externa (risco-país) sobre os custos de capital,
que sufocaram e ainda flagelam
as empresas nacionais, essas foram injustamente estereotipadas pelas nossas autoridades
econômicas como sendo ineficientes, atrasadas e predadoras.
É preciso, porém, rechaçar
energicamente essa ideologia
preconceituosa sem cair num
nacionalismo emocional e
igualmente preconceituoso.
Existem razões sólidas e racionais para que a política econômica robusteça os grupos econômicos de capital nacional, habilitando-os a operar globalmente. As alinho a seguir:
1) é importante para o Brasil
obter rendas no exterior sob a
forma de royalties, lucros e dividendos para abater o crescente
déficit estrutural nessa rubrica
do balanço de pagamentos;
2) a existência de empresas
nacionais com atuação mundial, aqui sediadas, aglutina
centros de decisão que, embora
privados, fortalecem economicamente o país;
3) sem dúvida, a formulação e
a tomada de decisões estratégicas a partir do Brasil concentra
em nosso território as atividades
de alto valor agregado em gestão, finanças, inovação organizacional, desenvolvimento tecnológico e de marcas;
4) como resultado do item anterior, se localizam no país os
melhores empregos e as melhores oportunidades de desenvolvimento profissional;
5) uma parcela importante
dos investimentos diretos estrangeiros se faz por meio de associações, joint ventures e parcerias, o que requer a presença de
empresas nacionais capacitadas, com porte adequado e higidez financeira.
Em resumo, a superação das
deficiências competitivas do
Brasil não pode prescindir de
um conjunto de grupos nacionais de porte mundial. Sem isso
não se desenvolverão núcleos
endógenos de progresso tecnológico, capazes de afirmar marcas
brasileiras, criar novos mercados e de gerar aqui atividades e
empregos de elevada qualificação. O capital estrangeiro pode
cumprir apenas em parte essas
funções, pois tende a concentrar
centros de inovação e atividades
nobres nas respectivas matrizes.
É, portanto, urgente uma estratégia de formação de "campeões nacionais competitivos",
que, a partir do Mercosul, se
projetem como atores globais.
Grandes grupos econômicos eficientes podem alavancar mais
crédito, gerar mais capitalização e podem investir mais agressivamente. Podem, também, exportar vigorosamente para minimizar a nossa vulnerabilidade
comercial. Coordenados, em articulação com o Estado, fortalecem o poder nacional. Sem eles,
ficaremos excessivamente dependentes das estratégias de
atores privados externos e reduzidos à mimetização -sem personalidade- de produtos, design, marcas e referências culturais alienígenas.
Não se recomenda qualquer
restrição ao investimento direto
estrangeiro, mas apenas que sejam criadas condições eficientes
para fortalecer as empresas nacionais. Temos hoje poucos "global players". Ficamos reduzidos
à Petrobras, à Embraer e à
CVRD. A Sadia e a Gerdau são
ainda promessas. A AmBev, infelizmente, corre o risco de ser
inviabilizada. Poderíamos desenvolver logo grandes empresas
mundiais na siderurgia, papel e
celulose, petroquímica e em vários segmentos dos agronegócios. Deveríamos aspirar ter empresas fortes em segmentos das
tecnologias da informação. Tudo isso requer uma nova perspectiva sobre o projeto que queremos para o Brasil no século 21.
Este país -ao contrário do
que pensam os xenófilos- tem
empresários, administradores,
engenheiros, tecnólogos, designers, cientistas e outros profissionais competentes e criativos
que, em condições menos desiguais, poderão assegurar presença global e desempenho competitivo às empresas brasileiras.
Luciano Coutinho, 53, é professor titular
do Instituto de Economia da Universidade
de Campinas (Unicamp). Foi secretário-geral do Ministério da Ciência e Tecnologia
(1985-88).
Texto Anterior: Opinião Econômica - Rubens Ricupero: O dia de Makha-Pucha Próximo Texto: Tendências Internacionais - Gilson Schwartz: OMC parte para ofensiva e ameaça ordem global Índice
|