São Paulo, domingo, 27 de fevereiro de 2000


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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS

OMC parte para ofensiva e ameaça ordem global


GILSON SCHWARTZ
Da Equipe de Articulistas

Todo pai ou mãe conhece essa dificuldade: dar muita liberdade às crianças pode "estragá-las", tornando-as mimadas, porém ser rigoroso demais estraga a própria educação, que se torna autoritária e, por ilegítima, acaba sendo ineficaz, quando não gera problemas ainda maiores que os iniciais.
A dificuldade não é exclusiva às questões educacionais ou ao conflito de gerações.
Na teoria dos sistemas, por exemplo, discutem-se as imperfeições presentes no processamento de informações.
Há dez anos já se sabia, por exemplo, que há uma espécie de "lei" segundo a qual as intervenções que "forçam a barra" de um sistema acabam gerando mais ruído que informação. O resultado é surgir ainda mais problemas a partir de uma iniciativa que parece uma solução.
É o mesmo tipo de impasse que a OMC (Organização Mundial do Comércio) agora corre o risco de provocar. Viu-se em Seattle que o mundo não está preparado para a OMC. Os países não estão preparados para mais uma rodada de ampla liberalização comercial. Independentemente do mérito desse resultado, o fato é que os sistemas econômicos (empresarial, político e social) estão travados ou rebeldes.
Nas últimas semanas, no entanto, a burocracia da OMC resolveu dar o troco. Longe das manifestações de rua e do embate político e diplomático, partiu para uma ofensiva impiedosa. Decidiu, por exemplo, que uma empresa australiana terá de devolver subsídios considerados ilegais. É a primeira vez que a OMC impõe uma sanção retroativa.
Em tese, a decisão favorece os Estados Unidos. No Brasil, há quem diga que uma decisão desse teor levaria uma Embraer à falência. E mesmo nos Estados Unidos, cujas pendências na área agrícola com a União Européia também são bilionárias, a ofensiva da OMC não caiu bem. O governo norte-americano manifestou estranheza com a decisão do organismo.
Está em curso o que alguns analistas batizaram de guerra comercial transatlântica. O conflito ficou ainda mais acerbo com outra iniciativa da OMC, anunciada na semana passada, denunciando um esquema de exportação de produtos norte-americanos a partir de paraísos fiscais. O esquema, que funciona como um subsídio às exportações dos EUA, permitiria ganhos da ordem de US$ 3,9 bilhões a empresas norte-americanas (são citadas Boeing, Microsoft, Motorola, General Electric e United Technologies).
A OMC deu prazo até outubro para o governo norte-americano acabar com essa manobra. Caso contrário, a União Européia terá direito a fabulosas indenizações.
Volta a questão da eficácia da intervenção. Será que essas manifestações da OMC, em tese para firmar-se como xerife do comércio mundial, ajudam ou atrapalham? Aumentam ou diminuem a sua legitimidade?
Parece óbvio que, sem os instrumentos de poder para colocá-las em prática e gerando mais receios do que benefícios, o mais provável é a OMC produzir efeitos opostos ao desejado, eventualmente multiplicando os problemas de sua já questionável agenda. Querendo botar ordem no sistema, a OMC pode provocar ainda mais desordem.
Na semana passada, aliás, outro episódio mostrou como a base de atuação da OMC continua estreita. As negociações comerciais entre a União Européia e a China terminaram sem acordo. Esse impasse torna mais difícil a entrada dos chineses na organização.
É evidente que há um déficit de legitimidade num xerife que não reconhece nem é reconhecido por um dos mais importantes atores do comércio internacional.




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