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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS
OMC parte para ofensiva
e ameaça ordem global
GILSON SCHWARTZ
Da Equipe de Articulistas
Todo pai ou mãe conhece essa
dificuldade: dar muita liberdade
às crianças pode "estragá-las",
tornando-as mimadas, porém ser
rigoroso demais estraga a própria
educação, que se torna autoritária
e, por ilegítima, acaba sendo ineficaz, quando não gera problemas
ainda maiores que os iniciais.
A dificuldade não é exclusiva às
questões educacionais ou ao conflito de gerações.
Na teoria dos sistemas, por
exemplo, discutem-se as imperfeições presentes no processamento de informações.
Há dez anos já se sabia, por
exemplo, que há uma espécie de
"lei" segundo a qual as intervenções que "forçam a barra" de um
sistema acabam gerando mais
ruído que informação. O resultado é surgir ainda mais problemas
a partir de uma iniciativa que parece uma solução.
É o mesmo tipo de impasse que
a OMC (Organização Mundial do
Comércio) agora corre o risco de
provocar. Viu-se em Seattle que o
mundo não está preparado para a
OMC. Os países não estão preparados para mais uma rodada de
ampla liberalização comercial. Independentemente do mérito desse resultado, o fato é que os sistemas econômicos (empresarial,
político e social) estão travados
ou rebeldes.
Nas últimas semanas, no entanto, a burocracia da OMC resolveu
dar o troco. Longe das manifestações de rua e do embate político e
diplomático, partiu para uma
ofensiva impiedosa. Decidiu, por
exemplo, que uma empresa australiana terá de devolver subsídios
considerados ilegais. É a primeira
vez que a OMC impõe uma sanção retroativa.
Em tese, a decisão favorece os
Estados Unidos. No Brasil, há
quem diga que uma decisão desse
teor levaria uma Embraer à falência. E mesmo nos Estados Unidos,
cujas pendências na área agrícola
com a União Européia também
são bilionárias, a ofensiva da
OMC não caiu bem. O governo
norte-americano manifestou estranheza com a decisão do organismo.
Está em curso o que alguns analistas batizaram de guerra comercial transatlântica. O conflito ficou ainda mais acerbo com outra
iniciativa da OMC, anunciada na
semana passada, denunciando
um esquema de exportação de
produtos norte-americanos a
partir de paraísos fiscais. O esquema, que funciona como um subsídio às exportações dos EUA, permitiria ganhos da ordem de US$
3,9 bilhões a empresas norte-americanas (são citadas Boeing,
Microsoft, Motorola, General
Electric e United Technologies).
A OMC deu prazo até outubro
para o governo norte-americano
acabar com essa manobra. Caso
contrário, a União Européia terá
direito a fabulosas indenizações.
Volta a questão da eficácia da
intervenção. Será que essas manifestações da OMC, em tese para
firmar-se como xerife do comércio mundial, ajudam ou atrapalham? Aumentam ou diminuem a
sua legitimidade?
Parece óbvio que, sem os instrumentos de poder para colocá-las
em prática e gerando mais receios
do que benefícios, o mais provável é a OMC produzir efeitos
opostos ao desejado, eventualmente multiplicando os problemas de sua já questionável agenda. Querendo botar ordem no sistema, a OMC pode provocar ainda mais desordem.
Na semana passada, aliás, outro
episódio mostrou como a base de
atuação da OMC continua estreita. As negociações comerciais entre a União Européia e a China
terminaram sem acordo. Esse impasse torna mais difícil a entrada
dos chineses na organização.
É evidente que há um déficit de
legitimidade num xerife que não
reconhece nem é reconhecido por
um dos mais importantes atores
do comércio internacional.
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