UOL


São Paulo, quinta-feira, 27 de fevereiro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ENTREVISTA

Para o presidente do grupo Ultra, os juros também precisam cair já

Lula deve deixar dólar subir, diz Cunha

Paulo Giandália/Valor
O empresário Paulo Cunha, presidente do grupo Ultra


GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S.A.

O empresário Paulo Cunha, 62, presidente do grupo Ultra, acha que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve baixar os juros imediatamente e deixar o dólar subir.
Para ele, a saída é "exportar mais e produzir mais, em vez do binômio infeliz que aqui prevalece por tanto tempo de importar mais e produzir menos".
Para o empresário, ainda é cedo para criticar o novo governo. "A situação herdada do governo Fernando Henrique Cardoso é dramática", afirmou.
 

Folha - O que o sr. acha da política econômica do novo governo?
Paulo Cunha -
Acho injustas as críticas feitas até agora. A situação herdada do governo Fernando Henrique Cardoso é dramática. A submissão ao mercado financeiro, construída tijolo por tijolo com um desenho ilógico, foi total, e não pode ser revertida da noite para o dia. Há ainda um longo e penoso caminho para reconquistar graus de flexibilidade para a política econômica.

Folha - O que o governo pode fazer para atender às expectativas de mudança geradas pela eleição?
Cunha -
Essas expectativas só podem ser atendidas pelo aumento da produção e pela redução da dependência financeira externa do país. No Brasil, quando se fala no tal mercado, não é do mercado de alface, de leite, de aço, de petróleo ou de qualquer bem ou produto que se está tratando, e sim, exclusivamente, do mercado financeiro internacional e suas sinapses de interesses no Brasil. A dependência e a amarração se fazem pelo serviço de nosso passivo externo líquido que, para ser superado, exigirá, por muito tempo, uma grande obsessão pela geração de dólares no país. O remédio é amargo e consiste em buscar rigorosamente o oposto do praticado, por muito tempo, pelo governo anterior. A saída, a partir de agora, é dólar alto e juros baixos. Exportar mais e produzir mais, em vez do binômio infeliz que aqui prevalece por tanto tempo de importar mais e produzir menos.

Folha - Mas os juros altos não seguram a inflação?
Cunha -
Olhe, os juros no Brasil são estratosféricos desde 94, com ou sem ameaça de inflação. Os juros altos são praticados para atender ao sistema financeiro. O nosso sistema financeiro é não-funcional para financiar a produção, o consumo e o crescimento. Não por vocação mórbida, mas porque políticas públicas consistentemente erradas o impeliram nessa direção. O mesmo ocorre com as Bolsas e o mercado de capitais. O maior algoz dos tão falados acionistas minoritários foi o governo federal, que chegou a mudar a lei para a festa das privatizações das elétricas e da telefonia.

Folha - Mas o governo Lula não baixou os juros?
Cunha -
A situação da economia encontrada por Lula é dramática, mas acho que ele vai mudar. Deve mudar.

Folha - Como reduzir a desigualdade de renda?
Cunha -
A renda no Brasil é desigual porque nossa produção é pequena. Ainda não deu tempo de completar o processo de industrialização no país e a agricultura não gera empregos suficientes. São Caetano do Sul [na Grande São Paulo], por exemplo, tem o melhor índice de qualidade de vida porque a indústria por lá passou. Sem a indústria, nem o presidente Lula existiria. O problema reside onde a indústria não se instalou e nos grandes centros urbanos, que sofreram migração de brasileiros daquelas regiões não-industrializadas, em sua busca frustrada por emprego e esperança. O grande defeito da indústria e seu imenso descompasso com um Brasil mais rico e equânime é que ela é pequena demais.

Folha - Qual a saída?
Cunha -
Primeiro é preciso criar a obsessão pelo crescimento, reconhecer que, nas últimas duas décadas, 80 e 90, o Brasil parou na primeira e perdeu a esperança na segunda. Uma conta simples, do meu amigo Arthur Candal, mostra que, se tivéssemos crescido nessas duas décadas na mesma média que crescemos entre os anos 50 e 80, o Brasil teria hoje uma renda de US$ 14 mil per capita, equivalente à da Espanha. Nesses anos 50 a 80, também houve crises internacionais, guerras, renúncias de presidentes e regime militar. Mesmo assim, crescemos. Fora do crescimento, não há solução. Para crescer, precisamos de dólares e mais dólares para atenuar nosso passivo externo.

Folha - O o sr. concorda com as prioridades das reformas e do programa Fome Zero?
Cunha -
Essas são questões preliminares, de civilização. Ou seja, o Estado tem de caber dentro do que arrecada. Temos também de dar de comer a quem tem fome. São exigências do bom senso. Está certo o governo Lula, ao trazê-las ao centro do palco. Mas convém deixar claro que essa conversa de déficit primário, que, aliás, nem é déficit, é superávit, pode nos levar a conclusões erradas. O que é, de fato, relevante é o déficit total, inclusive a conta de juros.

Folha - O ambiente internacional de incertezas e de ameaça de guerra não atrapalha?
Cunha -
É claro. Só quem acreditou no fim da história foram o Fukuyama (Francis Fukuyama, autor do livro "O Fim da História") e o Banco Central. O mundo, de tempos em tempos, se torna mais inóspito às nossas aspirações e este é um desses momentos. Mas já passamos por muitos apertos e outros virão. Na hora H, vamos fazer o que temos de fazer e aí, quando o mundo melhorar, em vez de correr, poderemos voar. Não podemos é ficar parados.


Texto Anterior: Energia: Petróleo dispara e atinge cotação da Guerra do Golfo
Próximo Texto: Frase
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.