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ENTREVISTA
Para o presidente do grupo Ultra, os juros também precisam cair já
Lula deve deixar dólar subir, diz Cunha
Paulo Giandália/Valor
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O empresário Paulo Cunha, presidente do grupo Ultra |
GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S.A.
O empresário Paulo Cunha, 62,
presidente do grupo Ultra, acha
que o governo do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva deve baixar os
juros imediatamente e deixar o
dólar subir.
Para ele, a saída é "exportar
mais e produzir mais, em vez do
binômio infeliz que aqui prevalece por tanto tempo de importar
mais e produzir menos".
Para o empresário, ainda é cedo
para criticar o novo governo. "A
situação herdada do governo Fernando Henrique Cardoso é dramática", afirmou.
Folha - O que o sr. acha da política
econômica do novo governo?
Paulo Cunha - Acho injustas as
críticas feitas até agora. A situação
herdada do governo Fernando
Henrique Cardoso é dramática. A
submissão ao mercado financeiro, construída tijolo por tijolo
com um desenho ilógico, foi total,
e não pode ser revertida da noite
para o dia. Há ainda um longo e
penoso caminho para reconquistar graus de flexibilidade para a
política econômica.
Folha - O que o governo pode fazer para atender às expectativas de
mudança geradas pela eleição?
Cunha - Essas expectativas só
podem ser atendidas pelo aumento da produção e pela redução da
dependência financeira externa
do país. No Brasil, quando se fala
no tal mercado, não é do mercado
de alface, de leite, de aço, de petróleo ou de qualquer bem ou produto que se está tratando, e sim, exclusivamente, do mercado financeiro internacional e suas sinapses de interesses no Brasil. A dependência e a amarração se fazem
pelo serviço de nosso passivo externo líquido que, para ser superado, exigirá, por muito tempo,
uma grande obsessão pela geração de dólares no país. O remédio
é amargo e consiste em buscar rigorosamente o oposto do praticado, por muito tempo, pelo governo anterior. A saída, a partir de
agora, é dólar alto e juros baixos.
Exportar mais e produzir mais,
em vez do binômio infeliz que
aqui prevalece por tanto tempo de
importar mais e produzir menos.
Folha - Mas os juros altos não seguram a inflação?
Cunha - Olhe, os juros no Brasil
são estratosféricos desde 94, com
ou sem ameaça de inflação. Os juros altos são praticados para atender ao sistema financeiro. O nosso sistema financeiro é não-funcional para financiar a produção,
o consumo e o crescimento. Não
por vocação mórbida, mas porque políticas públicas consistentemente erradas o impeliram nessa direção. O mesmo ocorre com
as Bolsas e o mercado de capitais.
O maior algoz dos tão falados
acionistas minoritários foi o governo federal, que chegou a mudar a lei para a festa das privatizações das elétricas e da telefonia.
Folha - Mas o governo Lula não
baixou os juros?
Cunha - A situação da economia
encontrada por Lula é dramática,
mas acho que ele vai mudar. Deve
mudar.
Folha - Como reduzir a desigualdade de renda?
Cunha - A renda no Brasil é desigual porque nossa produção é pequena. Ainda não deu tempo de
completar o processo de industrialização no país e a agricultura
não gera empregos suficientes.
São Caetano do Sul [na Grande
São Paulo], por exemplo, tem o
melhor índice de qualidade de vida porque a indústria por lá passou. Sem a indústria, nem o presidente Lula existiria. O problema
reside onde a indústria não se instalou e nos grandes centros urbanos, que sofreram migração de
brasileiros daquelas regiões não-industrializadas, em sua busca
frustrada por emprego e esperança. O grande defeito da indústria e
seu imenso descompasso com
um Brasil mais rico e equânime é
que ela é pequena demais.
Folha - Qual a saída?
Cunha - Primeiro é preciso criar
a obsessão pelo crescimento, reconhecer que, nas últimas duas
décadas, 80 e 90, o Brasil parou na
primeira e perdeu a esperança na
segunda. Uma conta simples, do
meu amigo Arthur Candal, mostra que, se tivéssemos crescido
nessas duas décadas na mesma
média que crescemos entre os
anos 50 e 80, o Brasil teria hoje
uma renda de US$ 14 mil per capita, equivalente à da Espanha. Nesses anos 50 a 80, também houve
crises internacionais, guerras, renúncias de presidentes e regime
militar. Mesmo assim, crescemos.
Fora do crescimento, não há solução. Para crescer, precisamos de
dólares e mais dólares para atenuar nosso passivo externo.
Folha - O o sr. concorda com as
prioridades das reformas e do programa Fome Zero?
Cunha - Essas são questões preliminares, de civilização. Ou seja, o
Estado tem de caber dentro do
que arrecada. Temos também de
dar de comer a quem tem fome.
São exigências do bom senso. Está
certo o governo Lula, ao trazê-las
ao centro do palco. Mas convém
deixar claro que essa conversa de
déficit primário, que, aliás, nem é
déficit, é superávit, pode nos levar
a conclusões erradas. O que é, de
fato, relevante é o déficit total, inclusive a conta de juros.
Folha - O ambiente internacional
de incertezas e de ameaça de guerra não atrapalha?
Cunha - É claro. Só quem acreditou no fim da história foram o Fukuyama (Francis Fukuyama, autor do livro "O Fim da História") e
o Banco Central. O mundo, de
tempos em tempos, se torna mais
inóspito às nossas aspirações e este é um desses momentos. Mas já
passamos por muitos apertos e
outros virão. Na hora H, vamos
fazer o que temos de fazer e aí,
quando o mundo melhorar, em
vez de correr, poderemos voar.
Não podemos é ficar parados.
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