São Paulo, quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Sistema tributário "bizantino" prejudica empreendedores, diz "Financial Times"

JONATHAN WHEATLEY
DO "FINANCIAL TIMES"

Por diversos anos, Valdir Soares trabalhou como motorista para dois médicos em São Paulo. Depois, teve a chance de realizar um sonho: a loja na qual adquiria peças para a moto que usava para ir trabalhar a cada dia foi colocada à venda. Soares e sua mulher decidiram comprar e se tornaram pequenos empresários.
Mas, passado apenas um ano, ele está de volta ao volante. "Os negócios iam bem. Mas o aluguel da loja subiu e precisávamos faturar mais. Isso queria dizer contratar um mecânico para fazer consertos. Quando estudamos os impostos e os demais custos, percebemos que era impossível. Apareceu um comprador interessado na loja, e nós vendemos," conta.
O bizantino sistema tributário brasileiro é um grande obstáculo aos negócios no país. Um recente estudo do Banco Mundial constatou que uma empresa típica brasileira precisava de 2.600 horas ao ano para pagar seus impostos, o que coloca o país em último lugar entre as 177 nações pesquisadas. Na Irlanda, o prazo para a mesma tarefa é de 76 horas.
As grandes empresas empregam exércitos de advogados que ajudam a conduzi-las pelo labirinto de regulamentos.
Mas, diante de tanta complexidade, muitas pequenas empresas naufragam ou submergem deliberadamente na "informalidade", termo bastante usado no Brasil como eufemismo para sonegação de impostos.
Além das contribuições sociais e trabalhistas, as empresas enfrentam os impostos estaduais de vendas governados por 27 conjuntos de legislações diferentes nos 27 Estados do país -e uma série de outros impostos municipais, estaduais e federais sobre vendas, lucros e folhas de pagamento.
A carga tributária do país vem crescendo firmemente nos últimos anos, e agora atingiu 37% do PIB (Produto Interno Bruto), tão elevada quanto a de muitos países desenvolvidos mas sem oferecer aos cidadãos serviços de qualidade semelhante ao dessas nações.
Fábio Pina, da Fecomercio, uma organização setorial de varejo sediada em São Paulo que está lutando pela reforma tributária, diz que "alguns impostos são pagos à União (governo federal) e repassados aos Estados, outros passam dos Estados aos municípios, outros dos Estados à União e de volta a outros Estados". "É uma movimentação monstruosa e desnecessária, o legado de cem anos de aprovação de novos impostos de maneira improvisada", afirma.
E está crescendo a pressão sobre o governo para que corrija a confusão. Na semana passada, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que o pacote da reforma tributária seria enviado ao Congresso até amanhã.
Essa reforma vem sendo prometida desde que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu, em 2003. Mas agora tem um incentivo a mais: em dezembro, o governo sofreu um severo revés quando o Senado rejeitou um projeto de lei que tornaria permanente a CPMF, uma taxa sobre transações financeiras que rendeu R$ 40 bilhões ao governo no ano.
O sistema atual depende pesadamente dos impostos sobre as vendas, que ficam ocultos dos consumidores nos pontos-de-venda, de modo que os pobres terminam dedicando proporção maior de sua renda a pagá-los do que os ricos.
As alíquotas tributárias variam amplamente. No Estado de São Paulo, por exemplo, o preço da galinha inclui 18% em impostos. No caso de uma lata de refrigerante, o imposto é de 47%, e no de uma lata de cerveja é de 56%, de acordo com o Feirão do Imposto, um site que menciona esses exemplos.
Uma reforma tributária abrangente unificaria os 27 impostos estaduais de vendas diferentes, bem como unificaria e simplificaria outros impostos e encargos sociais. Os maiores Estados, os mais prejudicados por quaisquer reformas, são governados pela oposição, por isso uma mudança como essa será muito difícil politicamente.
A proposta do governo deve simplificar os impostos estaduais de venda em alguma medida, mas ficará longe de criar um imposto de valor adicionado unificado. Outros impostos locais devem permanecer inalterados.


Tradução de PAULO MIGLIACCI

Texto Anterior: Frase
Próximo Texto: Pagamento de sentenças judiciais faz o déficit da Previdência aumentar 30,7%
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.