São Paulo, sábado, 27 de fevereiro de 2010

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ROBERTO RODRIGUES

Virada pró-agroenergia


A novidade mais importante do ano é o reconhecimento dos EUA de que nosso etanol é um "biocombustível avançado"

DESDE O princípio deste ano, tem sido muito intenso o noticiário sobre biocombustíveis na imprensa brasileira e internacional. Não é para menos: o preço do etanol subiu bastante no período, levando o consumidor, acertadamente, a reduzir o seu consumo, trocando-o pela gasolina. A principal razão para isso foi a grande quebra na produção da safra passada, quando se produziram 4 bilhões de litros a menos, por causa da chuvarada que perturbou a colheita e do baixo rendimento industrial: quanto mais chuva, menos álcool.
Só esse aumento de preços já é motivo suficiente para noticiário e especulação, até porque os preços mundiais de açúcar são os mais altos em quase 30 anos, devido à seca na Índia, que de exportador se tornou importador do produto. A antecipação da safra deste ano logo normalizará tudo isso.
Mas tem muito mais coisa acontecendo: a grande movimentação pós-crise no setor é inédita: a compra da Santa Elisa/Vale pela Dreyfus, que se transformará numa gigante global; a Bunge crescendo também, com a compra do Grupo Moema; a ETH (sociedade da Odebrecht com um forte grupo japonês) comprando a Brenco; a parceria da Cosan (maior produtora do mundo) com a Shell, que muda o paradigma da distribuição de biocombustíveis, alem de a mesma Cosan, no ano passado, ter adquirido a distribuição nacional da Esso; a parceria da grande Usina São Martinho em sua unidade de Goiás com a Amyris, empresa americana de tecnologia, que fará diesel a partir da garapa; a gigante indiana Shree Renuka Sugar comprando a Equipav; enfim, há uma agitação sem precedentes no mercado sucroalcooleiro com o que se sabia que ocorreria: concentração, consolidação e internacionalização.
Mas não é só aqui: empresas europeias começaram a negociar terras na África para produzir etanol exportável à União Europeia sem tarifas. A suíça Addax Bioenergy já está em Serra Leoa; a sueca Sekalb, que importa etanol brasileiro, está negociando investir na Tanzânia; o Brasil também se prepara para fazer propostas no Senegal e em Guiné-Bissau nos mesmos moldes da parceria que temos com os Estados Unidos para produzir na América Central e no Caribe. Houve um seminário em janeiro no Japão para reavaliar a entrada do produto nos países asiáticos. Enfim, muita agitação.
A chegada de poderosas multinacionais sinaliza a criação do mercado global, finalmente. Ninguém se arriscaria a investimentos tão grandes pensando apenas no nosso mercado interno. Mesmo as recorrentes preocupações sobre o efeito do uso incorreto de terra pela cana estão sendo esclarecidas e tranquilizam.
Mas, sem dúvida, a mais importante novidade deste ano é o reconhecimento, pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos, de que nosso etanol de cana é um "biocombustível avançado".
De acordo com estudos da EPA, as emissões de CO2 do etanol de cana-de-açúcar correspondem a 39% das emissões da gasolina.
Esse fato possibilita a abertura do mercado americano mais cedo do que se esperava, inclusive com a possível redução de tarifa imposta ao nosso etanol -e apenas ao nosso!-, que hoje dificulta as exportações para lá. Nunca é demais lembrar que em 2022 os Estados Unidos consumirão 136 bilhões de litros de biocombustível avançado. Já estamos na fila. Não é à toa que tanto gigante está de olho no produto.


ROBERTO RODRIGUES , 67, coordenador do Centro de Agronegócio da FGV, presidente do Conselho Superior do Agronegócio da Fiesp e professor do Departamento de Economia Rural da Unesp - Jaboticabal, foi ministro da Agricultura (governo Lula). Escreve aos sábados, a cada 15 dias, nesta coluna.

rr.ceres@uol.com.br


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