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OPINIÃO ECONÔMICA
Reforma da gestão
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA
Uma contradição fundamental que enfrenta uma
sociedade democrática de desenvolvimento médio é como compatibilizar a limitação dos recursos
do Estado com a demanda crescente dos eleitores por maior
quantidade e melhor qualidade
dos serviços públicos. No Brasil,
essa contradição é forte porque o
gasto público é excessivamente alto, e a democracia, uma realidade. Entre as respostas a essa contradição, a mais importante é
aquela que vem sendo dada pela
maioria dos países desenvolvidos
por meio da reforma da gestão
pública. Enquanto a primeira
grande reforma da organização
do Estado, a reforma burocrática
ocorrida no século 19 visava criar
uma administração profissional e
eletiva, a reforma da gestão visa
melhorar a qualidade e reduzir o
custo dos serviços públicos, ou, em
outras palavras, atender às demandas da sociedade sem incorrer em custos excessivos.
O Brasil foi o primeiro país em
desenvolvimento a iniciar uma
reforma da gestão pública abrangente. A reforma começou com a
criação do Mare (Ministério da
Administração Federal e Reforma do Estado) em 1995 e a definição de um Plano Diretor e de uma
emenda constitucional nesse mesmo ano. Em pouco tempo, transformou-se em uma agenda nacional e ganhou os corações e as
mentes da elite do serviço público
brasileiro, que a está aos poucos
implantando.
Entretanto, depois de um grande avanço nos primeiros anos, a
reforma foi perdendo impulso na
União. Uma das razões foi a extinção do Mare, em 1999, passando a coordenação da gestão pública para o Ministério do Planejamento. Tenho responsabilidade
nessa decisão porque, ainda no final de 1997, a recomendei ao presidente Fernando Henrique Cardoso. Prevendo a iminente aprovação da emenda 19 (o que, de fato, aconteceu), supus que as principais mudanças institucionais
da reforma haviam sido realizadas. Agora tratava-se de implementar a reforma ao nível das
agências do governo federal, e,
para isso, o poder do Ministério
do Planejamento seria decisivo.
Nos Estados Unidos, o diretor
da administração federal havia
me dito que o segredo da sua ação
estava no fato de seu escritório estar ao lado do escritório do diretor do Orçamento. Esse raciocínio
tinha certa lógica, mas hoje estou
convencido de que me equivoquei. Não previ o desinteresse dos
ministros do Planejamento pelo
tema da gestão pública; não previ
que, dada a preocupação quase
exclusiva desses ministros com o
Orçamento, a gestão pública ficaria relegada ao terceiro escalão
do governo.
Há outras razões para a perda
do impulso da reforma na esfera
federal. O PT, ao chegar ao governo federal, trouxe consigo uma visão burocrática e corporativista
da administração pública. As novas idéias relativas a transformar
os servidores públicos em gestores,
com mais autonomia e com mais
responsabilidade, de descentralizar a organização do Estado e
controlar as agências por resultados, em vez de por supervisão direta, era algo que estava fora do
quadro de referências da esquerda burocrática que então assumiu o poder.
A reforma da gestão pública,
porém, é uma realidade que se
impõe às sociedades modernas.
Dada a divisão cada vez maior do
trabalho e a imensa complexidade e dinamismo das sociedades
atuais, sempre em processo de
mudança, não resta outra alternativa ao aparelho do Estado senão descentralizar e controlar por
resultados, por competição administrada, por excelência e por
controle social. Por isso a reforma
da gestão de 1995 continua a se
desenvolver ativamente nos Estados e nos municípios, onde, aliás,
ela é mais necessária. São os Estados e os municípios que prestam
um número maior de serviços aos
cidadãos, que têm contato mais
direto com os usuários dos serviços. Por isso são os Estados e os
municípios que podem conseguir
melhores resultados em termos de
baixa de custos e de melhoria da
qualidade dos serviços através da
implementação dos princípios da
reforma da gestão pública de
1995.
Estive presente à última seção
do seminário sobre os avanços da
gestão pública nos Estados, realizado em São Paulo no início deste
mês pelo Conselho Nacional de
Secretaria de Administração. Fiquei muito impressionado pelos
avanços que foram relatados. E
feliz por ver que boa parte dos relatores haviam sido membros da
minha equipe. A gestão por resultados, a terceirização de serviços
para organizações sem fins lucrativos (organizações sociais), as
políticas de recursos humanos, os
métodos modernos de atendimento ao cidadão, o governo eletrônico são iniciativas que estão
sendo adotados por um número
cada vez maior de Estados e municípios.
No governo federal, a reforma
da gestão está parada. Existe, porém, uma convicção cada vez
mais espalhada na sociedade de
que o Brasil precisa de um choque
de gestão. Para isso, será necessário que o novo presidente restabeleça o Ministério da Administração Federal e coloque a reforma
da gestão como um dos pontos
centrais de sua agenda.
Luiz Carlos Bresser-Pereira, 71, professor da Fundação Getúlio Vargas, ex-ministro da Fazenda, da Reforma do Estado, e da Ciência e Tecnologia, é autor de "Desenvolvimento e Crise no Brasil:
1930-2002".
Internet: www.bresserpereira.org.br
E-mail -
lcbresser@uol.com.br
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