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Fundador do Greenpeace defende energia nuclear
Para Patrick Moore, ambientalistas ainda vivem a mentalidade da Guerra Fria
Energia atômica, combinada a fontes renováveis, é a única forma de garantir suprimento
mundial, diz ambientalista
JANAINA LAGE
DA SUCURSAL DO RIO
Patrick Moore, um dos fundadores do Greenpeace, é hoje
um dos principais defensores
da energia nuclear. Em 1991,
fundou uma consultoria, a
Greenspirit, que trabalha em
parceria com governos e empresas em projetos de equilíbrio entre necessidades econômicas e preservação ambiental.
Em entrevista à Folha, Moore afirma que a resistência dos
ambientalistas à energia nuclear é motivada por uma mentalidade típica da Guerra Fria.
Para ele, o Brasil tem condições
de se tornar líder no setor de
álcool, mas deve procurar desenvolver em escala comercial
a produção a partir do bagaço
da cana para não se tornar um
imenso canavial. Ele destaca
que a produção a partir de alimentos como cana, milho e soja pode afetar negativamente a
indústria alimentícia.
FOLHA - O que o fez mudar de idéia
em relação à energia nuclear?
PATRICK MOORE - Cometemos
um erro nos anos 70. Estávamos focados em armas e em
guerras nucleares, preocupados com a possibilidade de a civilização e o ambiente serem
destruídos pelo holocausto nuclear. Vejo que cometemos um
erro ao incluir a energia nuclear como parte disso. Falhamos em distinguir o uso pacífico da tecnologia do destrutivo.
Além disso, a preocupação
com as mudanças climáticas
criou uma situação muito diferente no mundo. Agora queremos reduzir o consumo de
combustíveis fósseis, não só pelas mudanças climáticas como
pela poluição do ar.
Outro argumento é que uma
parcela significativa dos combustíveis fósseis é proveniente
de áreas de instabilidade política e até potencialmente hostis.
A única forma de reduzir o consumo de combustíveis fósseis
de maneira significativa é fazer
isso com um programa agressivo de energias renováveis combinado à energia nuclear.
FOLHA - As energias renováveis
não podem cumprir esse papel?
MOORE - Não acredito que matematicamente seja possível
mostrar que a energia solar e a
energia eólica possam fazer isso sozinhas. Devemos usar
energia hidrelétrica, a mais importante fonte de energia renovável, biomassa ou biocombustíveis, como vocês têm feito
com a cana-de-açúcar. Mesmo
isso não pode fazer tudo. Precisamos de uma grande quantidade de energia que seja confiável, segura e que não polua o ar,
e isso é a energia nuclear.
FOLHA - E é seguro ter países como
o Irã enriquecendo urânio?
MOORE - Isso é um problema.
Seria benéfico para o Irã ter
energia nuclear, a não ser que o
país queira usar essa tecnologia
para fins maléficos. O que temos que ter é a Parceria Global
da Energia Nuclear, com maior
controle sobre urânio e plutônio. Até a Rússia está começando a criticar o Irã. Se todos os
Estados que usam energia nuclear, como EUA, China, Rússia
e França, entrarem nesse grupo, eles vão controlar o urânio e
o plutônio de forma que não
caiam em mãos erradas.
Você não precisa de um reator nuclear para fazer uma arma nuclear. As armas nucleares
que estão sendo construídas no
mundo são feitas com plutônio
de reatores nucleares militares,
que é outra categoria. Mesmo
se fecharmos todos os mais de
400 reatores que estão em funcionamento, isso não vai fazer
os generais desistirem de seus
reatores nucleares militares. É
preciso distinguir o uso pacífico da energia nuclear do uso
militar de armas nucleares.
FOLHA - No Brasil, o governo está
bastante próximo de retomar o projeto nuclear, mas há resistência entre ambientalistas e o Ministério do
Meio Ambiente. Por que os ambientalistas em geral ainda resistem ao
uso dessa fonte de energia?
MOORE - É uma infelicidade.
Acredito que eles ainda estão
presos a uma mentalidade da
Guerra Fria. O movimento pacifista é focado em guerras e armas e incluíram a energia nuclear como se fosse a mesma
coisa. O princípio que devemos
adotar é que não podemos banir os usos benéficos de uma
tecnologia só porque ela pode
ser usada para o mal.
Mais de 1 milhão de pessoas
já foram mortas na África com
um simples facão. Essa é também a ferramenta mais importante para fazendeiros. Eles
limpam o terreno e cortam a
madeira, mas ela também pode
ser usada para cortar braços de
humanos e matá-los. Temos
que usar a energia nuclear para
fins pacíficos e dar ao mundo
um exemplo. O Brasil pode fazer isso, mostrar ao mundo que
pode usar tecnologia nuclear,
sem armas nucleares.
O problema com a posição
dos ambientalistas é que, de um
lado, eles estão dizendo que as
mudanças climáticas serão
uma espécie de catástrofe que
vai destruir o ambiente e a civilização. Por outro lado, eles se
recusam a aceitar que a energia
nuclear é a única grande fonte
de energia que pode substituir
os combustíveis fósseis.
FOLHA - Mas a indústria nuclear já
teve o acidente de Chernobyl...
MOORE - Chernobyl representou um erro estúpido. Foi uma
combinação do estilo ruim do
reator construído pelos soviéticos com um erro dos operadores. O saldo relacionado ao acidente, no entanto, é de 56 mortes. Do ponto de vista industrial, não foi um acidente tão
grande assim. Meu Deus, 1,2
milhão de pessoas morrem em
acidentes de carro todo ano!
FOLHA - A indústria já encontrou
uma solução para os resíduos?
MOORE - O combustível que é
tirado do reator não é totalmente desperdiçado. Quase
90% poderia ser reciclado. O
que devemos fazer é armazenar
o combustível usado de forma
segura e cuidadosa até o momento em que possa ser reciclado. Isso tem sido feito na
França, na Rússia e no Japão. E
deve ocorrer logo nos EUA.
Eles fizeram a opção de não reciclar o combustível nuclear na
gestão Jimmy Carter, que estava preocupado com a possibilidade de o plutônio cair em
mãos erradas. O que posso dizer é que há mais de 400 reatores em uso e ninguém nunca foi
ferido pelo combustível guardado em recipientes porque é
armazenado de forma segura.
FOLHA - O Brasil tem condições de
tornar o álcool uma commodity?
MOORE - Sim. Estive no Brasil
por dez dias, vi as vastas plantações de cana. O Brasil é provavelmente o líder mundial em
biomassa e biocombustíveis.
Isso é muito importante, mas
também é preciso considerar
quanto do ecossistema natural
queremos transformar em um
imenso canavial. Temos que ter
um equilíbrio para não transformar o país inteiro numa fábrica de fazer açúcar e álcool.
FOLHA - É possível convencer outros países a usar álcool nos carros?
MOORE - Sim. Os EUA também
estão fazendo álcool, mas a partir do milho, e biodiesel a partir
da soja. O problema é que você
está retirando comida da indústria alimentícia. A visão futura é fazer o álcool a partir do
bagaço da cana. Se tivermos sucesso nisso, podemos evitar a
competição com as commodities alimentícias e usar o açúcar, a soja, e o milho para alimentar pessoas. A quantidade
necessária desses produtos para substituir combustíveis fósseis teria um impacto grande
no suprimento alimentar.
FOLHA - Qual é a sua avaliação sobre o desmatamento na Amazônia?
MOORE - É muito hipócrita que
pessoas da Ásia e da América do
Norte apontem o dedo para o
Brasil sobre desmatamento,
porque o fato é que a Amazônia
tem mais de sua floresta original do que os EUA e a Europa.
As pessoas gostam de pensar
que elas não fazem desmatamento onde vivem, mas toda a
agricultura nos EUA e em cidades da Europa são sinais de desmatamento. Antes eram locais
de florestas. No Brasil, você
tem que ter comida, assim como no restante do mundo.
Estive na Amazônia e vi quão
rapidamente a natureza se recompõe, se você a deixa em paz.
O clima tropical significa que as
plantas podem crescer o ano
todo. Voei de um lado a outro
da Amazônia e fiquei surpreso
de ver quão vasta é a área de floresta que continua lá. Acho que
o Brasil está fazendo um bom
trabalho em definir áreas grandes para proteção ambiental.
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