São Paulo, terça-feira, 27 de abril de 2004

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EXPORTAÇÕES

Consumo mundial de carne bovina é crescente e o rebanho vem se reduzindo, o que já começa a elevar preços

Pecuária vai virar "filé" do agronegócio

MAURO ZAFALON
DA REDAÇÃO

O período de glória da soja tem os dias contados e o produto já tem substituto: a pecuária. Não que a produção de soja vá sofrer um revés. Vai continuar crescendo, mas deve entrar em uma fase de preços bem menores do que os atuais nos próximos anos, assim que os estoques mundiais forem repostos e a produção voltar a ficar equilibrada com o consumo.
Já a carne bovina vai começar a ter uma fase de forte demanda, coincidindo com um período de redução dos rebanhos nos principais países produtores devido ao aumento no abate de fêmeas. Vai ganhar dinheiro quem conseguir uma integração entre a produção de soja e a pecuária.
Esse é o cenário mostrado no estudo do "Anualpec 2004", uma publicação da FNP Consultoria Agroinformativos, especializada em pecuária.
Victor Abou Nehmi Filho, diretor da FNP, diz que, após 20 anos de estabilidade e, em alguns anos, até de queda, o consumo de carne se recupera e volta a crescer. De 1994 a 2001, o comércio mundial de carne bovina girou à média anual de 5,72 milhões de toneladas. Neste ano já deve chegar próximo dos -talvez até superar- 7 milhões de toneladas.
Esse aumento de demanda ocorre em um período em que todos os principais rebanhos mundiais estão com redução. O brasileiro, o maior do mundo em termos comerciais, fecha o ano em 165,9 milhões de cabeças. No ano passado estava em 168,1 milhões.
Outra importante queda de rebanho ocorre nos Estados Unidos, onde o número de animais é de 95,1 milhões de cabeças, quase 7,7 milhões a menos do que o de há dez anos.

Preços sobem
Essa redução nos principais rebanhos mundiais já começa a influenciar os preços, que mostram forte elevação.
No início do ano passado, a tonelada de contrafilé, um dos cortes carro-chefe na exportação brasileira, estava em US$ 1.800. Já subiu para US$ 4.200 no mercado externo. No mesmo período, uma tonelada de alcatra subiu de US$ 1.600 para US$ 3.700.
Com a escassez mundial de carne, o Brasil passou a ser a solução para o mercado internacional, diz Nehmi. O país ficou isento de problemas sanitários como o mal da vaca louca ou novos focos de febre aftosa. Com isso, o volume de carne brasileira exportada subiu de 376 mil toneladas há dez anos para o atual 1,5 milhão de toneladas. A participação nacional no mercado externo subiu de 6,7% para 21,4% no período.
Nehmi diz que essa inserção do Brasil no mercado externo vai fazer com que os preços internos, hoje abaixo dos externos, sigam um padrão internacional nos próximos anos.
A carne é uma das poucas commodities brasileiras cujos preços internos não seguem os do mercado externo. "Essa situação vai mudar", diz Nehmi.
Até 2000, o Brasil não aumentava as exportações por um problema de logística. O produto brasileiro, que atingia apenas 40 países, hoje chega a 120 e não se exporta mais porque não há bois dentro dos padrões de exportação. Prevendo dificuldades de abastecimento na entressafra, alguns frigoríficos já oferecem R$ 70 por arroba de boi rastreado para outubro.
Nehmi diz que a soja vive momento diferente do da carne. A oferta é constante, com ampliações de áreas no Brasil e na Argentina. Os preços, hoje próximos de US$ 9,50 por bushel (27,2 quilos) na Bolsa de Chicago, devem recuar para US$ 6 por bushel assim que os estoques internacionais voltarem aos níveis normais.
Atualmente, os estoques representam apenas 13% do consumo mundial, a quarta pior relação na história dessa commodity. Um número aceitável é de 20%, segundo estimativas do mercado.

Evolução necessária
Nehmi reconhece, no entanto, que a pecuária precisa evoluir para competir com a soja. Hoje o rendimento líquido da pecuária é o equivalente a cinco sacas de soja por hectare. Já o produtor de soja que produz 50 sacas por hectare tem rendimento líquido de 20 sacas. Com o retorno da soja aos preços históricos -e o aumento dos custos-, o rendimento do sojicultor deve recuar para 10 a 15 sacas, um patamar que vai ser facilmente atingido por uma pecuária mais tecnificada -a que utiliza mais animais por hectare.
O estudo da Anualpec, que está sendo divulgado nesta semana no Agrishow de Ribeirão Preto (SP), diz que, para elevar a rentabilidade, o produtor deve associar o cultivo de soja com a pecuária. Manter um terço de pastagens e dois terços de agricultura e fazer a rotação a cada dois anos.
Nehmi diz que os custos das lavouras de soja serão crescentes, com aumento de fretes e dos insumos. A margem de ganho deverá cair. Isso não deverá acontecer com a pecuária, que tem, inclusive, um perigo menor na ocorrência de climas desfavoráveis.
Para o diretor da FNP, os pecuaristas que ainda não foram atraídos pela soja não devem fazê-lo agora. Os animais ainda estarão com preços baixos nos próximos 90 dias e este é o momento para a formação de rebanho. "Essa relação nunca esteve tão favorável", acrescenta.
Por outro lado, o analista afirma que, para o sojicultor, este é o momento ideal para a compra de boi. A partir de agora, cada vez mais o boi deve subir e a soja cair, ficando mais onerosa a integração soja-pecuária.


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