São Paulo, domingo, 27 de abril de 2008

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RUBENS RICUPERO

Mudanças estruturais


Virar exportador de porte médio de petróleo resolveria o balanço de pagamentos, mas fortaleceria doença holandesa

A EXTRAORDINÁRIA velocidade da deterioração do déficit em conta corrente traz de volta o fantasma do estrangulamento externo e demonstra como era prematuro falar em mudança estrutural do comércio exterior e da balança de pagamentos. Isso não quer dizer que não estejam em curso mudanças que poderão merecer o adjetivo, caso se mantenham na longa duração dos ciclos de Fernand Braudel. Entre as tendências desse tipo, destaco: 1ª) o impacto das recentes descobertas de petróleo e gás no pré-sal e, em grau menor, da valorização das commodities; 2ª) os efeitos da transição demográfica na economia e distribuição da renda; 3ª) a maneira como o aquecimento do clima afetará a vantagem comparativa brasileira em agricultura.
Mais de dois anos atrás, no artigo "O que há de novo?" (Folha, 19/2/ 06), eu afirmava que apenas dois fatos novos me impressionavam em termos de mudança estrutural das perspectivas do desenvolvimento brasileiro: o país tornar-se não só auto-suficiente mas exportador líquido e crescente de petróleo e o bônus demográfico, que favorecerá por muitas décadas a equação população/potencial produtivo da economia.
As mudanças podem ser fruto de fatores internacionais, apenas internos ou da interação de ambos. Ainda que sejam de signo positivo, elas não garantem por si sós o desenvolvimento. Como prova o destino maldito de quase todos os grandes produtores de petróleo, dos árabes à Venezuela, passando pela Nigéria e Angola.
Na famosa fórmula de Maquiavel (o Príncipe deve ter virtù e fortuna, competência e sorte), encontrar petróleo é, em parte, sorte. O uso que dele se faz para impulsionar o país e melhorar a vida dos habitantes corre por conta da virtù.
Se a expectativa do pré-sal for confirmada, a primeira conseqüência é que o Brasil sobe, de imediato, vários degraus da hierarquia estratégica e passa a ser ator internacional cortejado. Basta imaginar, por exemplo, o que representaria para os EUA terem uma fonte de suprimento confiável.
Com os preços do barril no nível de hoje, virar exportador de porte médio resolveria, em definitivo, o problema do balanço de pagamentos. Em compensação, a tendência à valorização da moeda e à doença holandesa passaria a ser mais forte que nunca.
Num mundo de petróleo escasso, deve-se exportar o máximo, antes que se descubra um substituto, ou vale a pena criar uma reserva estratégica? Não faria mais sentido usar o gás e a nafta para usos nobres -a petroquímica- exportando produtos finais de valor agregado maior?
O sistema atual de distribuição dos benefícios favorece apenas alguns municípios pela localização e levou ao desperdício e à corrupção. Como desenhar sistema mais eqüitativo? As respostas a essas perguntas definiriam estratégia para lidar com o que se pode revelar uma bênção ou mais uma ilusão fugaz como a do ouro e a dos diamantes.
O conselho venezuelano (não-seguido) para sembrar el petróleo, usá-lo como semente de riquezas novas, o compromisso de não repetir o erro de outros países, feito pelo presidente do México ao anunciar a megadescoberta de Cantarell em 1976, não conseguiram evitar o desperdício.
Queremos ser como o México e a Venezuela ou como a Noruega e a Holanda? O destino, a fortuna nos fazem mais parecidos com os primeiros. Teremos virtù para nos aproximarmos dos últimos?


RUBENS RICUPERO , 71, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda (governo Itamar Franco). Escreve quinzenalmente, aos domingos, nesta coluna.


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