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RUBENS RICUPERO
Mudanças estruturais
Virar exportador de porte
médio de petróleo resolveria o balanço de pagamentos, mas fortaleceria doença holandesa
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A EXTRAORDINÁRIA velocidade
da deterioração do déficit em
conta corrente traz de volta o
fantasma do estrangulamento externo e demonstra como era prematuro
falar em mudança estrutural do comércio exterior e da balança de pagamentos.
Isso não quer dizer que não estejam em curso mudanças que poderão merecer o adjetivo, caso se mantenham na longa duração dos ciclos
de Fernand Braudel. Entre as tendências desse tipo, destaco: 1ª) o impacto das recentes descobertas de
petróleo e gás no pré-sal e, em grau
menor, da valorização das commodities; 2ª) os efeitos da transição demográfica na economia e distribuição da renda; 3ª) a maneira como o
aquecimento do clima afetará a vantagem comparativa brasileira em
agricultura.
Mais de dois anos atrás, no artigo
"O que há de novo?" (Folha, 19/2/
06), eu afirmava que apenas dois fatos novos me impressionavam em
termos de mudança estrutural das
perspectivas do desenvolvimento
brasileiro: o país tornar-se não só
auto-suficiente mas exportador líquido e crescente de petróleo e o
bônus demográfico, que favorecerá
por muitas décadas a equação população/potencial produtivo da
economia.
As mudanças podem ser fruto de
fatores internacionais, apenas internos ou da interação de ambos.
Ainda que sejam de signo positivo,
elas não garantem por si sós o desenvolvimento. Como prova o destino maldito de quase todos os
grandes produtores de petróleo,
dos árabes à Venezuela, passando
pela Nigéria e Angola.
Na famosa fórmula de Maquiavel
(o Príncipe deve ter virtù e fortuna,
competência e sorte), encontrar
petróleo é, em parte, sorte. O uso
que dele se faz para impulsionar o
país e melhorar a vida dos habitantes corre por conta da virtù.
Se a expectativa do pré-sal for
confirmada, a primeira conseqüência é que o Brasil sobe, de imediato,
vários degraus da hierarquia estratégica e passa a ser ator internacional cortejado. Basta imaginar, por
exemplo, o que representaria para
os EUA terem uma fonte de suprimento confiável.
Com os preços do barril no nível
de hoje, virar exportador de porte
médio resolveria, em definitivo, o
problema do balanço de pagamentos. Em compensação, a tendência
à valorização da moeda e à doença
holandesa passaria a ser mais forte
que nunca.
Num mundo de petróleo escasso,
deve-se exportar o máximo, antes
que se descubra um substituto, ou
vale a pena criar uma reserva estratégica? Não faria mais sentido usar
o gás e a nafta para usos nobres -a
petroquímica- exportando produtos finais de valor agregado maior?
O sistema atual de distribuição
dos benefícios favorece apenas alguns municípios pela localização e
levou ao desperdício e à corrupção.
Como desenhar sistema mais eqüitativo? As respostas a essas perguntas definiriam estratégia para
lidar com o que se pode revelar
uma bênção ou mais uma ilusão fugaz como a do ouro e a dos diamantes.
O conselho venezuelano (não-seguido) para sembrar el petróleo,
usá-lo como semente de riquezas
novas, o compromisso de não repetir o erro de outros países, feito pelo presidente do México ao anunciar a megadescoberta de Cantarell
em 1976, não conseguiram evitar o
desperdício.
Queremos ser como o México e a
Venezuela ou como a Noruega e a
Holanda? O destino, a fortuna nos
fazem mais parecidos com os primeiros. Teremos virtù para nos
aproximarmos dos últimos?
RUBENS RICUPERO , 71, diretor da Faculdade de Economia
da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda
(governo Itamar Franco). Escreve quinzenalmente, aos domingos, nesta coluna.
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