São Paulo, domingo, 27 de abril de 2008

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VINICIUS TORRES FREIRE

A política do preço da comida


Alimentação levava 29% do orçamento da metade mais pobre do país em 2003, mas renda cresceu desde então

O ALARME geral devido ao preço da comida ressuscitou estatísticas a respeito das condições de vida do povo comum do mundo. Até publicações financeiras passaram a dar informações, em tais meios exóticas, sobre o peso dos alimentos no bolso da humanidade pobre. No Sul-Sudeste Asiático pobre, a alimentação leva na média entre 30% e 45% do orçamento familiar. Na África Subsaariana, de estatísticas provavelmente ruins ou chutadas, de 45% a 75%. E no Brasil?
Em 2003, na média, 17% do orçamento das famílias brasileiras era gasto em alimentação. Habitação levava mais dinheiro, 29%; transporte comia outros 15%. Isto é, os três itens levavam mais de 61% da despesa das famílias brasileiras -na média. Na metade mais pobre do país, 29% iam para comida, 34,5% para habitação, 10,5% para transporte -tais itens consumiam 74% da renda. Os números parecem sombrios (ou melhor, são). Mas, no que diz respeito a alimentos, não se tratava de um cenário asiático pobre.
Por que dados de 2003? A pesquisa nacional mais exata e recente sobre o assunto foi feita entre 2002 e 2003 -é a POF, Pesquisa de Orçamentos Familiares do IBGE, que é muito boa. Mas ocorreu o azar de o estudo ter sido realizado em anos economicamente confusos e de baixo crescimento. Para piorar, depois disso houve alteração razoável na renda e nos modos de consumo dos mais pobres. Houve a expansão das Bolsas sociais, os aumentos do salário mínimo, o crescimento maior, a pequena redução da desigualdade e mudanças nos preços relativos. Isso para não falar de surpresas e invenções sociais que projeções econômicas e estudos parciais não captam.
É difícil avaliar o que aconteceu desde então. Mas a renda das famílias que estão entre as 60% mais pobres do país cresceu entre 2001 e 2006 -no décimo mais pobre, aumentou 56% além da inflação. Nos outros 40%, houve quase estagnação, dados baseados na Pnad, do IBGE. A renda do trabalho média real (isto é, descontada a inflação), que é medida pelo IBGE todos os meses, mas em apenas seis regiões metropolitanas, praticamente não se moveu desde fevereiro de 2002, o início da nova série desses dados.
Desde então, a inflação medida pelo IPCA foi de 52%. O preço da comida no IPCA subiu pouco mais, 55%; habitação, 49%, e transporte, 52%. Até agora, pois, os aumentos estão no mesmo patamar, apesar das diferentes variações de cada item no período. Quando Lula foi reeleito, a inflação anualizada da comida estava em 1%, um terço do IPCA. Agora está além de 11%, mais que o dobro da inflação "oficial".
Ainda que a vida dos pobres continue um horror, apesar de toda a festa sobre queda da desigualdade etc, não há indícios, porém, de que o encarecimento da comida tenha causado uma deterioração das condições de vida que seja politicamente relevante. Decerto alguns reais fazem diferença para a maioria do povo (e estamos falando de uns dez reais), ainda mais num país em que 1,5 milhão de famílias não têm renda monetária alguma. Mas estamos longe da situação asiática, para nem falar da africana. Sem alterações maiores no cenário atual, a carestia não tende a causar repercussão maior na imagem do governante.

vinit@uol.com.br


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