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RUBENS RICUPERO
Sonho adiado
Os problemas do gás e de Itaipu são os últimos pregos
no caixão da integração
energética sul-americana
AS INTERMINÁVEIS desventuras
da Petrobras na Bolívia e a
pretensão paraguaia de reabrir o preço da energia da usina de
Itaipu são os dois últimos pregos no
caixão da integração energética sul-americana.
Era um belo sonho. O Brasil, ávido
de energia, abriria o mercado para o
petróleo da Venezuela, o gás da Bolívia, a eletricidade do Paraguai, talvez
o carvão da Colômbia.
Os gasodutos e oleodutos, as linhas de transmissão e rodovias fiariam a teia que integraria o miolo vazio da América do Sul. A energia daria densidade ao comércio, forneceria o dinheiro para financiar o crescimento dos vizinhos e a força motriz para a indústria brasileira.
Usinas hidrelétricas gigantes como Itaipu e gasodutos custosos como o boliviano exigiam recursos fora do alcance desses dois pequenos
países, o que significava, na prática,
que o Brasil teria de arcar sozinho
com os ônus. Por isso é que as obras
tinham de ser amparadas em tratados entre governos, não em contratos entre companhias privadas.
É irônico que a Petrobras não queria explorar o gás boliviano e foi
obrigada a isso pelo governo brasileiro, dentro de um projeto político-diplomático.
Mais impressionante foi o caso do
Paraguai, que só entrou com a metade da água do Paraná. Todo o resto
-financiamentos, dívidas no exterior, garantias, construção- ficou
por conta do Brasil. Desafio a que
me apresentem algum exemplo de
país rico que, diante de tal desproporção, tenha concedido ao sócio
menor, como fizemos, a co-propriedade do empreendimento em condições de igualdade.
Como esses projetos criariam ou
aumentariam a interdependência,
gerando riscos de longo prazo, seu
pressuposto era um nível quase absoluto de segurança jurídica que
apenas os tratados podem garantir.
No momento em que bolivianos e
agora paraguaios questionam os tratados e tratam o Brasil não como
parceiro de um comum projeto de
integração sul-americano mas como
se fôssemos a ExxonMobil a explorá-los, desaparece o pressuposto do
interesse mútuo, que cede lugar a
uma perigosa insegurança.
É preciso dizer que a confusão de
sinais do governo brasileiro, em especial a complacência do presidente, desmoralizaram a Petrobras e
açularam a escalada dos vizinhos.
Esqueceu-se a lição de Rio Branco: o
direito é nossa melhor garantia e a
firmeza em defendê-lo jamais deve
ser confundida com intransigência
ou agressividade.
A necessária chegada ao poder das
massas excluídas, processo desestabilizador e delicado em si mesmo,
acabará em fiasco se não for conduzida com realismo e competência. O
modo de agir de Chávez, imitado por
governos mais vulneráveis, fez retroceder o Estado de Direito em toda a
região, única onde impera a mais
completa insegurança dos contratos
num mundo em que a China, o Vietnã, a Ásia, a África, todos se esmeram
em afastar temores de violências e
bravatas de desapropriação.
Pondo de lado o bom-mocismo e
fantasias sobre afinidades ideológicas, não deve o Brasil ceder a chantagens e ameaças nas obras comuns já
construídas, diversificando o quanto antes as fontes de suprimento.
Enquanto não passar a fase de infantilismo radical que fez abortar o
sonho da integração, melhor é agir
em base estritamente comercial, como se faz com os árabes.
Se a doença sarar e a mudança climática deixar, talvez sobre ainda algum sonho para o futuro, quem sabe?
RUBENS RICUPERO, 70, diretor da Faculdade de Economia
da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas
sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda
(governo Itamar Franco). Escreve quinzenalmente, aos domingos, nesta coluna.
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