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OPINIÃO ECONÔMICA
O problema da dívida pública
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Volto à questão da dívida
pública. No artigo da semana passada, argumentei que reestruturar a dívida interna do governo implicaria provavelmente
reeditar o famigerado Plano Collor 1, danificando a confiança no
sistema financeiro nacional e
atingindo em cheio a poupança
dos brasileiros.
Isso não significa, evidentemente, que a dívida pública, especialmente a interna, que é preponderante, não represente um problema sério, parte da pesada herança econômica que o governo Fernando Henrique Cardoso deixará
para o seu sucessor.
Alan Greenspan, presidente do
Federal Reserve, teria declarado
há poucos dias que o problema do
Brasil é 100% político e nada tem
a ver com a economia. Custa crer
que o presidente do banco central
dos EUA possa ter dado uma declaração tão idiota. Mas não me
consta que tenha havido nenhum
desmentido.
As condições de prazo e custo da
dívida do governo brasileiro são,
como se sabe, bastante desfavoráveis. O prazo médio é curto e vem-se reduzindo no passado recente,
em decorrência do aumento da
turbulência. As taxas de juro pagas pelo governo são muito altas;
o custo médio da dívida federal
interna em títulos do Tesouro, por
exemplo, tem oscilado em torno
de 18% ao ano (excluindo-se os
papéis cambiais).
Além disso, cerca de metade da
dívida federal em títulos está
atrelada à taxa de juro overnight.
Outros 30% estão indexados à taxa de câmbio. Por esses e outros
motivos, a dívida pública é extremamente vulnerável a elevações
da taxa de juro e da taxa de câmbio.
Nessas condições, fatores externos e internos costumam interagir de forma perversa. Choques
externos ou dúvidas políticas internas provocam surtos recorrentes de pressão cambial. Como o
nível das reservas internacionais
do Brasil é baixo e a conta de capitais, excessivamente aberta, o
Banco Central fica frequentemente diante da seguinte disjuntiva: ou sobe os juros para conter
a pressão sobre o câmbio ou mantém os juros e permite a depreciação externa do real. Do ponto de
vista das finanças públicas, é uma
"escolha de Sofia". Se o BC resolve
subir os juros, as finanças públicas são atingidas e a dívida aumenta. Se ele opta por deixar o
dólar subir, idem, idem.
Uma das razões da intranquilidade atual é justamente o rápido
crescimento da dívida pública
desde 1994, alimentado em grande medida pelos juros altos e,
mais recentemente, pela depreciação cambial. Se a dívida continuar crescendo rapidamente como proporção do PIB e da receita
governamental, ficará cada vez
mais difícil evitar a propagação
de dúvidas cruéis sobre a solvência do setor público brasileiro.
O que fazer? Como conter o
crescimento da dívida governamental? Primeiramente, vamos
descartar alternativas inviáveis
ou inconvenientes.
Uma alternativa seria monetizar parte da dívida e tentar elevar
a receita de "seignorage". No médio prazo, a única forma de fazê-lo em montante significativo seria
aceitar uma taxa de inflação bem
mais alta do que a atual. Um país
como o Brasil, com histórico altamente problemático em matéria
de inflação, não pode entusiasmar-se muito com essa possibilidade.
Outra possibilidade seria tentar
estimular a apreciação cambial e
aliviar, assim, o custo doméstico
da dívida pública externa e da dívida interna indexada ao câmbio. Também não é por aí. A taxa
de câmbio talvez possa retroceder
em relação aos níveis alcançados
em meados de 2002. Mas não se
deve contar muito com isso. Afinal, a grande restrição é a vulnerabilidade externa, que resulta,
em grande medida, de um déficit
na conta corrente do balanço de
pagamentos que ainda é alto demais. Uma apreciação cambial
expressiva, ao desestimular exportações e estimular importações, trabalharia contra o objetivo fundamental de ampliar o superávit comercial e diminuir a perigosa dependência em relação a
capitais externos.
Também não se deve alimentar
esperanças de uma política fiscal
draconiana, que conduzisse, no
próximo governo, a superávits
primários (isto é, nas contas exclusive juros) muito superiores
aos 3% ou 3,5% do PIB registrados desde 1999. Seria a "solução
Cavallo de desespero": prometer e
tentar ajustes fiscais dramáticos
na esperança, que se revelaria
provavelmente vã, de ganhar a
confiança dos mercados e reduzir
os prêmios de risco. Com a economia crescendo pouco ou em recessão, uma política fiscal desse tipo
tenderia provavelmente a acentuar a retração da produção e a
agravar o problema do desemprego, prejudicando as receitas públicas e aumentando certos tipos
de despesa governamental, notadamente o seguro-desemprego.
O tiro sairia pela culatra. A crise
social se agravaria, o novo governo se enfraqueceria e, no fim das
contas, a desconfiança e os prêmios de risco acabariam aumentando.
Percebo de repente que o meu
espaço acabou. Deixo a discussão
de possíveis soluções para a semana que vem.
Paulo Nogueira Batista Jr., 47, economista, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP e professor da FGV- SP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela é..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002). E-mail - pnbjr@attglobal.net
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