São Paulo, quinta-feira, 27 de junho de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

O problema da dívida pública

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Volto à questão da dívida pública. No artigo da semana passada, argumentei que reestruturar a dívida interna do governo implicaria provavelmente reeditar o famigerado Plano Collor 1, danificando a confiança no sistema financeiro nacional e atingindo em cheio a poupança dos brasileiros.
Isso não significa, evidentemente, que a dívida pública, especialmente a interna, que é preponderante, não represente um problema sério, parte da pesada herança econômica que o governo Fernando Henrique Cardoso deixará para o seu sucessor.
Alan Greenspan, presidente do Federal Reserve, teria declarado há poucos dias que o problema do Brasil é 100% político e nada tem a ver com a economia. Custa crer que o presidente do banco central dos EUA possa ter dado uma declaração tão idiota. Mas não me consta que tenha havido nenhum desmentido.
As condições de prazo e custo da dívida do governo brasileiro são, como se sabe, bastante desfavoráveis. O prazo médio é curto e vem-se reduzindo no passado recente, em decorrência do aumento da turbulência. As taxas de juro pagas pelo governo são muito altas; o custo médio da dívida federal interna em títulos do Tesouro, por exemplo, tem oscilado em torno de 18% ao ano (excluindo-se os papéis cambiais).
Além disso, cerca de metade da dívida federal em títulos está atrelada à taxa de juro overnight. Outros 30% estão indexados à taxa de câmbio. Por esses e outros motivos, a dívida pública é extremamente vulnerável a elevações da taxa de juro e da taxa de câmbio.
Nessas condições, fatores externos e internos costumam interagir de forma perversa. Choques externos ou dúvidas políticas internas provocam surtos recorrentes de pressão cambial. Como o nível das reservas internacionais do Brasil é baixo e a conta de capitais, excessivamente aberta, o Banco Central fica frequentemente diante da seguinte disjuntiva: ou sobe os juros para conter a pressão sobre o câmbio ou mantém os juros e permite a depreciação externa do real. Do ponto de vista das finanças públicas, é uma "escolha de Sofia". Se o BC resolve subir os juros, as finanças públicas são atingidas e a dívida aumenta. Se ele opta por deixar o dólar subir, idem, idem.
Uma das razões da intranquilidade atual é justamente o rápido crescimento da dívida pública desde 1994, alimentado em grande medida pelos juros altos e, mais recentemente, pela depreciação cambial. Se a dívida continuar crescendo rapidamente como proporção do PIB e da receita governamental, ficará cada vez mais difícil evitar a propagação de dúvidas cruéis sobre a solvência do setor público brasileiro.
O que fazer? Como conter o crescimento da dívida governamental? Primeiramente, vamos descartar alternativas inviáveis ou inconvenientes.
Uma alternativa seria monetizar parte da dívida e tentar elevar a receita de "seignorage". No médio prazo, a única forma de fazê-lo em montante significativo seria aceitar uma taxa de inflação bem mais alta do que a atual. Um país como o Brasil, com histórico altamente problemático em matéria de inflação, não pode entusiasmar-se muito com essa possibilidade.
Outra possibilidade seria tentar estimular a apreciação cambial e aliviar, assim, o custo doméstico da dívida pública externa e da dívida interna indexada ao câmbio. Também não é por aí. A taxa de câmbio talvez possa retroceder em relação aos níveis alcançados em meados de 2002. Mas não se deve contar muito com isso. Afinal, a grande restrição é a vulnerabilidade externa, que resulta, em grande medida, de um déficit na conta corrente do balanço de pagamentos que ainda é alto demais. Uma apreciação cambial expressiva, ao desestimular exportações e estimular importações, trabalharia contra o objetivo fundamental de ampliar o superávit comercial e diminuir a perigosa dependência em relação a capitais externos.
Também não se deve alimentar esperanças de uma política fiscal draconiana, que conduzisse, no próximo governo, a superávits primários (isto é, nas contas exclusive juros) muito superiores aos 3% ou 3,5% do PIB registrados desde 1999. Seria a "solução Cavallo de desespero": prometer e tentar ajustes fiscais dramáticos na esperança, que se revelaria provavelmente vã, de ganhar a confiança dos mercados e reduzir os prêmios de risco. Com a economia crescendo pouco ou em recessão, uma política fiscal desse tipo tenderia provavelmente a acentuar a retração da produção e a agravar o problema do desemprego, prejudicando as receitas públicas e aumentando certos tipos de despesa governamental, notadamente o seguro-desemprego.
O tiro sairia pela culatra. A crise social se agravaria, o novo governo se enfraqueceria e, no fim das contas, a desconfiança e os prêmios de risco acabariam aumentando.
Percebo de repente que o meu espaço acabou. Deixo a discussão de possíveis soluções para a semana que vem.


Paulo Nogueira Batista Jr., 47, economista, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP e professor da FGV- SP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela é..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net


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