São Paulo, domingo, 27 de junho de 2004

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"Filhos do real" ignoram correção, tablita e gatilho

Ciete Silvério/Folha Imagem
Crianças mostram cédulas do real, moeda que nasceu no mesmo ano em que elas, 1994; nova geração desconhece a hiperinflação


Brasileiros que têm hoje até 20 anos de idade não se recordam dos problemas causados pela hiperinflação; para eles, segurança e desemprego preocupam mais

MAELI PRADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Eles são quatro em cada 10 brasileiros, têm hoje até 20 anos de idade e nunca ouviram falar de indexação, correção monetária, tablita ou gatilho salarial.
Cerca de 68,2 milhões de brasileiros nasceram depois do plano ou tinham até dez anos quando ele foi lançado, em 1994. São os que poderíamos chamar de filhos e netos do Plano Real, a geração com a mente "desindexada" descrita pelo economista Mário Henrique Simonsen, morto em 1997, como essencial para que o Brasil pusesse fim a uma das mais duradouras cirandas inflacionárias da economia mundial.
Criados num novo ambiente econômico, não temem mais a alta de preços que aterrorizou seus pais, mas a violência e o desemprego, subprodutos de um plano que não catapultou o crescimento econômico.
Na última década, a taxa de desemprego subiu de 13,6% para 23,1% entre jovens de 18 a 24 anos, segundo o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos).
No mesmo período, a inflação em São Paulo acumula alta de 143%, variação insignificante comparada aos inacreditáveis 200.160.601.286,84% medidos de julho de 84 a junho de 94.
Júlia Damásio de Barroso Franco, 20, tem como lembranças da inflação os relatos de seu pai, o economista Gustavo Franco (ex-presidente do Banco Central no governo FHC e um dos formuladores do Plano Real), e sua dificuldade em juntar moedas necessárias para comprar um "Danone" quando era pequena.
Na época, a circulação de moedas era tão baixa, conseqüência do pouco valor do dinheiro -uma passagem de ônibus, por exemplo, custava CR$ 1.375-, que, quando o real entrou em vigor, lojistas comemoraram a explosão da venda de porta-níqueis.
Júlia recorda do pai sempre longe de casa, viajando para Brasília. "Um dia [em 1994], eu estava com ele em uma galeria de arte e vimos um quadro com o preço em URV [Unidade Real de Valor]. Ele ficou olhando, vendo pela primeira vez a concretização do plano."
Dois anos mais novo, o irmão de Júlia, Pedro, só lembra que ganhava dinheiro dos pais para "comprar bala". Ele não sabia, mas naquele tempo o doce chegava a aumentar 44,3% em um mês (dado da Fipe de janeiro de 94). O preço dos discos, no mesmo mês, subiu 38,31%, do teatro e do cinema, 35,07%, e o do ingresso para o estádio de futebol, 35,07%.














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