São Paulo, domingo, 27 de junho de 2004

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Reajuste automático para preços administrados está vivo e assusta

MAURO ZAFALON
DA REDAÇÃO

Um dos principais objetivos do Plano Real era interromper o sistema de correção monetária, enraizado em todos os setores da economia. E isso foi conseguido. A correção monetária era um forte realimentador da inflação que, a cada ano, mudava de patamar.
Um setor, porém, continua com direito garantido ao repasse da inflação passada: o dos preços administrados. E os números da inflação nos dez anos do Real mostram a distância dos reajustes entre esse setor e o dos preços livres.
Os serviços de utilidade pública -onde se concentram energia elétrica, água e esgoto, gás e impostos, por exemplo-, tiveram aumento de 255% de julho de 1994 a maio deste ano. A liderança entre os reajustes (611%) fica para as contas de telefone fixo.
Mas há o outro lado da moeda. Nesse mesmo período, o setor de vestuário conseguiu repassar apenas 10% de aumento, em média, para os consumidores. Os vestidos femininos lideram, com queda nominal de 34%. A inflação média do período foi de 143%.
Heron do Carmo, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas) do início do Real até dezembro último, diz que o grande mérito do plano foi manter a taxa de inflação abaixo de 10% ao ano em praticamente todos esses dez anos.
Nos períodos de inflação elevada, os preços chegaram a subir 84% ao mês, em março de 90 -média de 2% ao dia. Ou seja, um pãozinho começava o dia com o valor, por exemplo, de 10 na unidade monetária do período e terminava a 10,20.
Com o Real, as empresas ficaram sem o controle do governo, como o CIP (Controle Interministerial de Preços) nos anos 70 e 80, e passaram a ser responsáveis pelas próprias políticas de remarcações. "Uma tarefa difícil e importante, porque não podem errar na dose", segundo Heron.
Fernando Exel, presidente da Economática, destaca, no entanto, que as empresas perderam margens. Preços administrados, liberação do câmbio e aumentos das commodities no mercado externo afetaram os custos das empresas de forma heterogênea nos diversos setores da economia.
"Os empresários queriam repassar esses custos, mas o mercado interno não assimilou porque não tinha renda", acrescenta.
O Real afetou também as contas dos governos, que se tornaram mais transparentes. Erros ou escândalos não podem mais ser escondidos e apagados pela inflação galopante porque a moeda passou a ser estável, segundo Heron.

Peso dos serviços
A estabilidade econômica deu maior poder de renda aos consumidores no início do Real, o que permitiu forte reajuste nos preços dos serviços, segundo Heron.
O aluguel, favorecido também por mudanças na Lei do Inquilinato (com a "denúncia vazia", o proprietário pode retomar o imóvel ao final do contrato, mesmo que não precise dele para morar), foi o campeão de aumentos do primeiro ano do Real, com alta de 210%. Os serviços domésticos vieram a seguir, com 75%. A inflação média foi de 32,3% no período.
A estabilidade dos preços nos primeiros anos do Real foi sustentada por alimentos e preços livres. Chamados de "âncora verde", os produtos agrícolas começaram a ter aumentos abaixo da inflação já no segundo ano do plano.
No terceiro ano, alimentos industrializados e produtos de higiene também começavam a mostrar deflação. Na avaliação de Heron, a estabilidade dos preços e o fim da desindexação da economia se tornam mais evidentes a partir de 1996 e 1997.
Em 1999, a forte desvalorização cambial volta a afetar os preços, e o IPC da Fipe sai de deflação de 0,50% no quinto ano do Real (julho de 98 a junho de 99) para uma inflação de 6,9% no sexto ano.
O Real deu estabilidade aos preços, mas desestruturou parte da economia. Heron diz que o foco ficou centrado na queda da inflação, o que se conseguiu, mas com pesados custos para a sociedade.
"Olhando para trás, não sei se valeu a pena esse sacrifício para reeleger Fernando Henrique Cardoso, em 98." Para o economista, houve o controle da inflação, mas a dívida pública disparou e o PIB teve crescimento muito pequeno.
O mesmo erro do início do Real se comete agora, no governo Lula, diz Heron. "Voltou-se o foco apenas para a inflação, desprezando o crescimento. Seria melhor taxas de inflação um pouco acima das atuais, mas com crescimento."


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