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Agência de aviação admite ação política
Sergio Lima/Folha Imagem
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Zuanazzi, presidente da Anac, dá entrevista em seu gabinete |
Para presidente da Anac, cabe à Receita Federal e ao BC analisar origem de recursos da proposta da Volo pela Varig
Segundo Milton Zuanazzi, nenhuma transferência de ações na aviação civil foi tão analisada quanto a compra da VarigLog pela Volo
ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA
IURI DANTAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O presidente da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil),
Milton Zuanazzi, disse que a
Volo, única empresa com oferta
concreta pela Varig, tem capital, sócios e endereço no Brasil
e que isso é o que basta. Ele admitiu que a avaliação sobre a
origem do capital, se é ou não
estrangeiro, não é da competência da agência. Cabe à Receita Federal e à Fazenda, segundo ele.
Zuanazzi explicitou o caráter
político da decisão, que também era defendida pelo governo e foi acompanhada de perto
pela Casa Civil: "Achamos que
prestamos um grande serviço
ao Brasil", disse o gaúcho Zuanazzi, 49, à Folha.
Ele negou que a Anac tenha
agido sob pressão política e disse que ele e os outros quatro diretores estão "tranquilos e confortáveis" com a decisão tomada na noite de sexta-feira passada e capaz de mudar o destino da Varig. Depois de comprar
a VarigLog, ex-subsidiária da
própria Varig, a Volo está pronta para disputar em novo leilão
a Varig operacional, ou Nova
Varig, sem o passivo de quase
R$ 8 bilhões. Leia os principais
trechos.
FOLHA - A Varig está salva?
MILTON ZUANAZZI - É difícil ainda
responder, porque o processo
não se encerrou, mas ela recebeu mais um sopro positivo na
sexta-feira, quando foi peticionada junto ao juiz uma nova
proposta, em cima da tese de
que o governo vem defendendo
que tínhamos que fazer todo o
esforço para encontrar uma
saída de mercado.
FOLHA - Sopro é suficiente?
ZUANAZZI - Pode ser, porque há
um recurso que ingressa imediatamente. Ela volta momentaneamente à normalidade, e é
tempo suficiente para que a 8ª
Vara reconvoque as alternativas neste caso. Um novo certame, possivelmente, com uma
assembléia de credores e a
aprovação dessa assembléia.
FOLHA - Outros candidatos vão se
habilitar a um novo leilão?
ZUANAZZI - Como o primeiro
leilão foi em sistema de pregão,
com envelope fechado, e ficou
claro que uma proposta era dos
trabalhadores, talvez os outros
"players" não tenham se interessado. Mas vão voltar a se interessar.
FOLHA - A Varig tem um passivo de
R$ 8 bilhões, e a União é o principal
credor. O esforço todo é para manter
uma Varig operacional. E o que vai
acontecer com a Varig devedora? Os
credores vão receber?
ZUANAZZI - A Varig S.A., essa
que não é vendida, vai ficar
com a dívida. Se a Varig operacional reviver e tiver grande
funcionamento de balcão, tiver
Smiles (programa de milhas)
funcionando a pleno, a Varig
S.A. terá condições no decorrer
do tempo de pagar suas responsabilidades. Ela tem possibilidade de viabilização, mas,
para reviver, a Varig precisa de
uma nova gestão, nova ótica.
FOLHA - O grande valor da Varig
era a marca, mas, cancelando 180
vôos por dia, com todas essas confusões no exterior, nem isso é mais garantido. O que sobra? O que despertou o interesse de uma empresa como a Volo?
ZUANAZZI - Sobra que a Varig
ainda tem 14% de "market share" no doméstico e 63% no internacional. Isso é um ativo impressionante. Se tiver gestão
eficiente, número de funcionários corretos, é uma empresa
que tem condições de ir para a
competição imediatamente.
FOLHA - Vai ter demissões?
ZUANAZZI - Essa tese que salta
aos olhos, que não pode ser diferente. Depois, se ela voltar ao
mercado, poderá haver readmissões. Outras empresas vêm
admitindo muitos funcionários
da Varig, pilotos e tripulação.
FOLHA - O mercado estima que a
Varig pague salários 40% mais altos,
além de número desequilibrado de
funcionários.
ZUANAZZI - Trata-se de dar os
anéis para manter os dedos.
Um fato é certo: vai precisar ter
capacidade de concorrência,
senão daqui a um ano estamos
de volta no mesmo problema.
FOLHA - Pode demitir e contratar
com salário menor?
ZUANAZZI - A princípio, parece
ser essa a interpretação que
sempre ouço.
FOLHA - O Snea [sindicato das empresas aéreas] anunciou que vai entrar na Justiça contra a decisão da
Anac em relação ao negócio Volo-VarigLog.
ZUANAZZI - Em toda a história
da aviação civil brasileira, nenhuma transferência de ação
foi tão profundamente analisada quanto essa compra pela
Volo. Nunca. Os documentos
que a Anac exigiu jamais o antigo DAC [antecessor da Anac]
exigiu, nem sequer chegou perto. O código de aviação, que nos
regula exige que pessoas estrangeiras poderão adquirir
ações desde que isso não ultrapasse um quinto do capital. O
DAC analisava isso. A Anac,
além de analisar, pediu contrato de mútuo, definição dos votos nominais, a separação do
preferencial do ordinário.
Como a Volo mostrou que os
recursos internacionais eram
de investimento e não de ações
ordinárias, perguntamos se
aquele recursos tinham entrado pelo BC, que confirmou. Temos a maior tranqüilidade para
dizer o seguinte: a VarigLog é
uma empresa brasileira, com
80% de capital nacional, dirigida por brasileiros e terá sede no
Brasil.
FOLHA - A Anac seguiu um parecer
da Casa Civil?
ZUANAZZI - A Casa Civil não
avalizou, é um equívoco dizerem isso. Nós, da Anac, fizemos
todas as consultas internas que
precisávamos, não meramente
à Casa Civil. Também o Ministério da Defesa fez consultas.
FOLHA - O sr. disse que a Volo tem
capital, sede e proprietários nacionais. E a origem do dinheiro?
ZUANAZZI - A Anac tem que se
restringir, pela nossa lei, à
composição do capital. É isso
que nossa procuradoria disse.
Não é tarefa da Anac ver a origem. A tarefa é se esse dinheiro
é legal, se entrou no Brasil legalmente. Isso exigimos, e o
Banco Central nos comunicou.
A composição do capital foi vista com plenitude, e a origem foi
oficial. Se a Receita Federal e o
Banco Central têm outras desconfianças, eles é que têm que
tomar essas atitudes, não a
agência.
FOLHA - O sr. descarta que esse dinheiro seja integralmente do fundo
americano Matlin Patterson?
ZUANAZZI - O Matlin Patterson
entra com valores em investimento, essa é a composição do
capital. Agora, as ações ordinárias são de brasileiros em 81%,
a empresa é dirigida por brasileiros natos e o contrato de mútuo mostra que esses recursos
estão ali colocados como investimentos deste fundo.
FOLHA - Se houver questionamento, o fundo se lasca?
ZUANAZZI - Não posso usar um
termo assim, mas vocês, jornalistas, podem.
FOLHA - Os sócios são "laranjas"?
ZUANAZZI - Os documentos
mostram que eles estão regulares, agiram regularmente. Não
tenho por que ir perguntar qual
foi a negociação que eles fizeram com o fundo americano. O
dinheiro está legal no Brasil,
entrou legalmente, e a composição da empresa, de acordo
com a lei.
FOLHA - O representante do Snea,
Anchieta Hélcias, e o presidente da
Infraero, brigadeiro J. Carlos, disseram que houve pressão política. O
brigadeiro classificou a decisão de
"impatriótica". O que o sr. diz?
ZUANAZZI - O que a Infraero
tem a ver com isso? Se o brigadeiro e o Anchieta disseram isso, estão equivocados. Nós temos absoluta autonomia, tanto
que a decisão foi nossa. Ninguém impôs nenhuma decisão,
nenhum diretor nosso recebeu
essa imposição. O que vale aí
não é a fofoca política, é a questão concreta.
FOLHA - Como reguladora do setor,
a Anac não precisava ser mais independente da posição pública do governo?
ZUANAZZI - O artigo 3º da lei
que criou a Anac diz que a
agência deverá implementar
orientações, diretrizes e políticas estabelecidas pelo Conac,
um conselho de seis ministérios e do comandante da Aeronáutica, presidido pelo ministro da Defesa. Todas as orientações políticas da Anac estão
submetidas ao Conac. O ministro da Defesa, em todos os momentos, disse que nós tínhamos que encontrar uma solução para a Varig, sim, que era
bom para o país, que era importante para o país.
FOLHA - Não é uma postura política e passional?
ZUANAZZI - Política, sim. Mas
não passional. Porque aí quero
fazer a minha manifestação política. Também acho que, se temos uma solução para a Varig,
temos que encontrá-la. É bom
para o mercado, é bom para o
Brasil ter uma empresa que
concorre lá fora de forma muito grande e tem nome consolidado em alguns países.
FOLHA - E as milhas?
ZUANAZZI - As milhas surgiram
no mundo como um brinde e
depois se tornaram um contrato entre as partes. Viaja comigo
tantas vezes que te dou um assento para você viajar. Esse é o
contrato, está escrito. Se a empresa fechar, acabou o assento,
ela não existe mais. Se tiver bilhete é outro compromisso.
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