São Paulo, terça-feira, 27 de junho de 2006

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Agência de aviação admite ação política

Sergio Lima/Folha Imagem
Zuanazzi, presidente da Anac, dá entrevista em seu gabinete


Para presidente da Anac, cabe à Receita Federal e ao BC analisar origem de recursos da proposta da Volo pela Varig

Segundo Milton Zuanazzi, nenhuma transferência de ações na aviação civil foi tão analisada quanto a compra da VarigLog pela Volo


ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA

IURI DANTAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O presidente da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), Milton Zuanazzi, disse que a Volo, única empresa com oferta concreta pela Varig, tem capital, sócios e endereço no Brasil e que isso é o que basta. Ele admitiu que a avaliação sobre a origem do capital, se é ou não estrangeiro, não é da competência da agência. Cabe à Receita Federal e à Fazenda, segundo ele. Zuanazzi explicitou o caráter político da decisão, que também era defendida pelo governo e foi acompanhada de perto pela Casa Civil: "Achamos que prestamos um grande serviço ao Brasil", disse o gaúcho Zuanazzi, 49, à Folha. Ele negou que a Anac tenha agido sob pressão política e disse que ele e os outros quatro diretores estão "tranquilos e confortáveis" com a decisão tomada na noite de sexta-feira passada e capaz de mudar o destino da Varig. Depois de comprar a VarigLog, ex-subsidiária da própria Varig, a Volo está pronta para disputar em novo leilão a Varig operacional, ou Nova Varig, sem o passivo de quase R$ 8 bilhões. Leia os principais trechos.

 

FOLHA - A Varig está salva?
MILTON ZUANAZZI -
É difícil ainda responder, porque o processo não se encerrou, mas ela recebeu mais um sopro positivo na sexta-feira, quando foi peticionada junto ao juiz uma nova proposta, em cima da tese de que o governo vem defendendo que tínhamos que fazer todo o esforço para encontrar uma saída de mercado.

FOLHA - Sopro é suficiente?
ZUANAZZI -
Pode ser, porque há um recurso que ingressa imediatamente. Ela volta momentaneamente à normalidade, e é tempo suficiente para que a 8ª Vara reconvoque as alternativas neste caso. Um novo certame, possivelmente, com uma assembléia de credores e a aprovação dessa assembléia.

FOLHA - Outros candidatos vão se habilitar a um novo leilão?
ZUANAZZI -
Como o primeiro leilão foi em sistema de pregão, com envelope fechado, e ficou claro que uma proposta era dos trabalhadores, talvez os outros "players" não tenham se interessado. Mas vão voltar a se interessar.

FOLHA - A Varig tem um passivo de R$ 8 bilhões, e a União é o principal credor. O esforço todo é para manter uma Varig operacional. E o que vai acontecer com a Varig devedora? Os credores vão receber?
ZUANAZZI -
A Varig S.A., essa que não é vendida, vai ficar com a dívida. Se a Varig operacional reviver e tiver grande funcionamento de balcão, tiver Smiles (programa de milhas) funcionando a pleno, a Varig S.A. terá condições no decorrer do tempo de pagar suas responsabilidades. Ela tem possibilidade de viabilização, mas, para reviver, a Varig precisa de uma nova gestão, nova ótica.

FOLHA - O grande valor da Varig era a marca, mas, cancelando 180 vôos por dia, com todas essas confusões no exterior, nem isso é mais garantido. O que sobra? O que despertou o interesse de uma empresa como a Volo?
ZUANAZZI -
Sobra que a Varig ainda tem 14% de "market share" no doméstico e 63% no internacional. Isso é um ativo impressionante. Se tiver gestão eficiente, número de funcionários corretos, é uma empresa que tem condições de ir para a competição imediatamente.

FOLHA - Vai ter demissões?
ZUANAZZI -
Essa tese que salta aos olhos, que não pode ser diferente. Depois, se ela voltar ao mercado, poderá haver readmissões. Outras empresas vêm admitindo muitos funcionários da Varig, pilotos e tripulação.

FOLHA - O mercado estima que a Varig pague salários 40% mais altos, além de número desequilibrado de funcionários.
ZUANAZZI -
Trata-se de dar os anéis para manter os dedos. Um fato é certo: vai precisar ter capacidade de concorrência, senão daqui a um ano estamos de volta no mesmo problema.

FOLHA - Pode demitir e contratar com salário menor?
ZUANAZZI -
A princípio, parece ser essa a interpretação que sempre ouço.

FOLHA - O Snea [sindicato das empresas aéreas] anunciou que vai entrar na Justiça contra a decisão da Anac em relação ao negócio Volo-VarigLog.
ZUANAZZI -
Em toda a história da aviação civil brasileira, nenhuma transferência de ação foi tão profundamente analisada quanto essa compra pela Volo. Nunca. Os documentos que a Anac exigiu jamais o antigo DAC [antecessor da Anac] exigiu, nem sequer chegou perto. O código de aviação, que nos regula exige que pessoas estrangeiras poderão adquirir ações desde que isso não ultrapasse um quinto do capital. O DAC analisava isso. A Anac, além de analisar, pediu contrato de mútuo, definição dos votos nominais, a separação do preferencial do ordinário. Como a Volo mostrou que os recursos internacionais eram de investimento e não de ações ordinárias, perguntamos se aquele recursos tinham entrado pelo BC, que confirmou. Temos a maior tranqüilidade para dizer o seguinte: a VarigLog é uma empresa brasileira, com 80% de capital nacional, dirigida por brasileiros e terá sede no Brasil.

FOLHA - A Anac seguiu um parecer da Casa Civil?
ZUANAZZI -
A Casa Civil não avalizou, é um equívoco dizerem isso. Nós, da Anac, fizemos todas as consultas internas que precisávamos, não meramente à Casa Civil. Também o Ministério da Defesa fez consultas.

FOLHA - O sr. disse que a Volo tem capital, sede e proprietários nacionais. E a origem do dinheiro?
ZUANAZZI -
A Anac tem que se restringir, pela nossa lei, à composição do capital. É isso que nossa procuradoria disse. Não é tarefa da Anac ver a origem. A tarefa é se esse dinheiro é legal, se entrou no Brasil legalmente. Isso exigimos, e o Banco Central nos comunicou. A composição do capital foi vista com plenitude, e a origem foi oficial. Se a Receita Federal e o Banco Central têm outras desconfianças, eles é que têm que tomar essas atitudes, não a agência.

FOLHA - O sr. descarta que esse dinheiro seja integralmente do fundo americano Matlin Patterson?
ZUANAZZI -
O Matlin Patterson entra com valores em investimento, essa é a composição do capital. Agora, as ações ordinárias são de brasileiros em 81%, a empresa é dirigida por brasileiros natos e o contrato de mútuo mostra que esses recursos estão ali colocados como investimentos deste fundo.

FOLHA - Se houver questionamento, o fundo se lasca?
ZUANAZZI -
Não posso usar um termo assim, mas vocês, jornalistas, podem.

FOLHA - Os sócios são "laranjas"?
ZUANAZZI -
Os documentos mostram que eles estão regulares, agiram regularmente. Não tenho por que ir perguntar qual foi a negociação que eles fizeram com o fundo americano. O dinheiro está legal no Brasil, entrou legalmente, e a composição da empresa, de acordo com a lei.

FOLHA - O representante do Snea, Anchieta Hélcias, e o presidente da Infraero, brigadeiro J. Carlos, disseram que houve pressão política. O brigadeiro classificou a decisão de "impatriótica". O que o sr. diz?
ZUANAZZI -
O que a Infraero tem a ver com isso? Se o brigadeiro e o Anchieta disseram isso, estão equivocados. Nós temos absoluta autonomia, tanto que a decisão foi nossa. Ninguém impôs nenhuma decisão, nenhum diretor nosso recebeu essa imposição. O que vale aí não é a fofoca política, é a questão concreta.

FOLHA - Como reguladora do setor, a Anac não precisava ser mais independente da posição pública do governo?
ZUANAZZI -
O artigo 3º da lei que criou a Anac diz que a agência deverá implementar orientações, diretrizes e políticas estabelecidas pelo Conac, um conselho de seis ministérios e do comandante da Aeronáutica, presidido pelo ministro da Defesa. Todas as orientações políticas da Anac estão submetidas ao Conac. O ministro da Defesa, em todos os momentos, disse que nós tínhamos que encontrar uma solução para a Varig, sim, que era bom para o país, que era importante para o país.

FOLHA - Não é uma postura política e passional?
ZUANAZZI -
Política, sim. Mas não passional. Porque aí quero fazer a minha manifestação política. Também acho que, se temos uma solução para a Varig, temos que encontrá-la. É bom para o mercado, é bom para o Brasil ter uma empresa que concorre lá fora de forma muito grande e tem nome consolidado em alguns países.

FOLHA - E as milhas?
ZUANAZZI -
As milhas surgiram no mundo como um brinde e depois se tornaram um contrato entre as partes. Viaja comigo tantas vezes que te dou um assento para você viajar. Esse é o contrato, está escrito. Se a empresa fechar, acabou o assento, ela não existe mais. Se tiver bilhete é outro compromisso.


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