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LUÍS NASSIF
É a realidade, estúpido
A defesa intransigente que
analistas fazem do sistema
de "metas inflacionárias"
entrou no terreno religioso
UMA FERRAMENTA de política
econômica é ela, suas circunstâncias e sua implementação. A defesa intransigente que alguns analistas fazem do sistema de
"metas inflacionárias" entrou no
terreno religioso, a ponto de considerar estúpida toda crítica ao bezerrão de tetas de ouro da política monetária.
Vamos conferir essa fé cega dos
sábios. Dizem eles:
1) Entre os emergentes, o Brasil é
o país com mais altas taxas de inflação do mundo. Ao mesmo tempo,
não pode crescer porque a economia
bateu na capacidade instalada.
2) A inflação é fruto da falta de investimentos. E é isso que obriga o
Copom a aumentar os juros quando
a economia aquece.
3) O Brasil não cresce porque tem
baixa taxa de poupança privada de
longo prazo e o setor público investe
pouco por culpa da Previdência.
A economia é uma relação intrincada de fatores, influenciando mutuamente uns aos outros. Não são
departamentos estanques que demandam soluções independentes. A
solução de um fator pode afetar os
demais.
Decisões de investimento dependem de previsibilidade dos seguintes fatores: a) inflação, b) câmbio e c)
crescimento.
Taxas de juros elevadas podem
tornar mais previsível a inflação. Porém lançam instabilidade sobre a taxa de câmbio (provocando a apreciação do real) e sobre o crescimento. É
por isso que um dos pais do sistema
de "metas inflacionárias", Armínio
Fraga, na entrevista dada a Vera
Brandimarte e Cláudia Safatle, no
"Valor" de sexta-feira passada (com
o significativo título "Juros eram e
continuam a ser aberração"), critica
metas muito ambiciosas de redução
da inflação, pelos inevitáveis impactos sobre os demais fatores.
Vamos a outras observações sobre
essa estilização estonteante da realidade econômica por parte dos sábios de pensamento simples:
1) O empresário decide seu investimento pelos fatores que levam ao
aumento da produção: crescimento
interno (para as vendas internas),
câmbio (para as vendas externas). O
consumo vai crescendo, o empresário vai aumentando a produção com
o uso de horas extras, do terceiro
turno. Sentindo firmeza no crescimento, começa a investir.
2) Qualquer sinal de aquecimento
da economia leva o BC a aumentar
os juros. A decisão de investir do empresário é imediatamente abortada.
Sem investimento, obviamente não
tem aumento de capacidade instalada. E o governo não investe porque
aumento de juros obriga ao aumento do superávit fiscal.
3) É mito essa história de que o
país não tem poupança interna. Na
indústria de fundos, há um volume
de recursos similar ao de uma economia como a espanhola. Por que
não se conseguiu aumentar o volume de poupança de longo prazo?
Como os ilustres analistas sabem,
curvas de juros significam taxas
maiores para prazos maiores. Se a
taxa de partida é elevada, as de longo
prazo têm que ser tão superiores
que não há tomadores para elas.
Sei que a realidade é uma estupidez criada para prejudicar as teorias.
Mas o que se vai fazer? Só mudar o
bordão: "É a realidade, estúpido!".
Blog: www.luisnassif.com.br
Luisnassif@uol.com.br
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