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ANÁLISE
Inflação ameaça a recuperação
ALAN GREENSPAN
ESPECIAL PARA O "FINANCIAL TIMES"
A ALTA nos preços mundiais das ações entre o
começo de março e a
metade de junho aparentemente é a causa primária da virada surpreendentemente positiva no ambiente econômico.
O valor acionário de US$ 12 trilhões criado nesse período reforçou significativamente o capital que serve como proteção e
lastro aos títulos de dívida emitidos pelas companhias. As dívidas empresariais, em consequência, tiveram melhora em
sua classificação, e os rendimentos dos papeis puderam
cair. Empresas que estavam sufocadas por falta de capital colocaram ações e títulos de dívida no mercado em montantes
consideráveis nos últimos meses. Os temores do mercado
quanto à insolvência bancária
foram atenuados.
Estamos vendo o começo de
uma recuperação econômica
prolongada ou uma falsa aurora? Existem argumentos respeitáveis quanto às duas interpretações. Conjecturei, cerca
de um ano atrás, que a crise se
encerraria quando os preços
dos imóveis residenciais se estabilizassem nos EUA. E continuo a acreditar nisso.
Esses preços determinam em
larga medida o valor patrimonial das casas -a caução final
para os US$ 11 trilhões em dívidas hipotecárias existentes nos
Estados Unidos, porção significativa das quais detidas por investidores internacionais, em
forma de títulos lastreados por
ativos. O que segura os preços
dos imóveis no momento é o
grande estoque de casas vazias
e à venda. Graças à queda recente e acentuada no número
de imóveis residenciais construídos, esse estoque excedente
está sendo liquidado em ritmo
acelerado, o que sugere que os
preços poderiam começar a se
estabilizar nos próximos meses
-ainda que talvez registrem
uma queda em 2010.
Além disso, os grandes prejuízos até agora não reconhecidos nos bancos dos EUA precisarão ser cobertos. Ou uma estabilização nos preços das casas
ou uma nova alta no capital
acionário recém-criado e disponível para os intermediários
financeiros norte-americanos
serviria para remover esse obstáculo à recuperação.
Nas Bolsas
Os mercados de ações mundiais se recuperaram tanto e
tão rápido neste ano que é difícil imaginar que possam continuar avançando em ritmo próximo ao registrado recentemente. Mas e se, depois de uma
correção, eles voltarem a subir
inexoravelmente? Isso reforçaria os balanços mundiais com
nova elevação na capitalização
acionária e forneceria aos bancos capital novo, o que permitiria que reforçassem seus empréstimos. Preços mais altos
para as ações também resultariam em alta no patrimônio domiciliar líquido e no consumo,
e a ascensão no valor de mercado de ativos empresariais existentes (representados pelos
preços das ações), com relação
ao seu custo de substituição,
promoveria novos investimentos de capital.
Uma recuperação prolongada nos preços mundiais das
ações ajudaria, dessa maneira,
a remover as forças deflacionárias que continuam a rondar a
economia mundial.
Reconheço que confiro aos
preços das ações um papel econômico muito mais importante
do que a sabedoria convencional dispõe. Da minha perspectiva, elas não apenas são um dos
mais importantes indicadores
da atividade mundial de negócios, mas um fator crucial de
contribuição para esses setores, operando primordialmente por meio dos balanços. Minha hipótese quanto a isso poderá ser testada no próximo
ano. Caso as ações recuem aos
pontos baixos que detinham no
início do segundo trimestre, ou
mais ainda, minha expectativa
seria que os "brotos verdejantes" avistados nas últimas semanas fenecessem.
Os preços das ações, evidentemente, são afetados pelas oscilações comuns da economia.
Mas, como afirmei em março,
um dos propulsores significativos dos preços das ações é a
propensão humana inata a oscilar da euforia ao medo, a qual,
embora pesadamente influenciada pelos acontecimentos
econômicos, tem vida própria.
Na minha experiência, episódios como esse não são apenas
simples previsões da atividade
empresarial futura, mas causas
importantes dela.
Para que o cenário benévolo
descrito acima possa se confirmar, é preciso que os perigos de
deflação, em curto prazo, e de
inflação, em longo prazo, sejam
enfrentados e removidos.
Grave desafio
A capacidade excedente de
produção contém temporariamente as pressões mundiais de
preços. Mas considero que a inflação será o desafio mais grave
no futuro. Caso as pressões políticas impeçam os bancos centrais de retomar o controle sobre seus balanços inchados em
tempo oportuno, a análise estatística sugere que poderá surgir
inflação por volta de 2012; ou
mais cedo, caso os mercados
antecipem um período prolongado de alta na base monetária.
A inflação de preços anualizada
dos EUA apresenta correlação
significativa (ainda que com
defasagem de três anos e meio)
com a alteração anual na relação entre a base monetária e a
capacidade produtiva.
A inflação representará preocupação especial durante os
próximos dez anos, dada a iminente avalanche de títulos de
dívida do governo que se despejará sobre os mercados financeiros mundiais. A necessidade
de financiar déficits fiscais
muito elevados ao longo dos
próximos anos pode resultar
em pressão política sobre os
bancos centrais no sentido de
que imprimam o dinheiro requerido para a compra de boa
parte dos títulos de dívida que
virão a emitir.
O Federal Reserve (Fed, o
banco central dos Estados Unidos), quando perceber que o nível de desemprego está a ponto
de começar a cair, presumivelmente começará a permitir que
seus ativos de curto prazo se esgotem. Ou venderá os títulos
públicos e privados e os papéis
lastreados por ativos recentemente adquiridos ou, caso isso
se prove perturbador demais
para os mercados, emitirá (com
aprovação do Congresso) títulos de dívida do Fed para esterilizar ou contrabalançar aquilo
que reste da imensa expansão
da base monetária.
Assim, as taxas de juros subiriam bem antes da restauração
do pleno emprego, uma política
que, no passado, não era vista
com bons olhos pelo Congresso
dos EUA. Além disso, a não ser
que os compromissos de gastos
do governo norte-americano
sejam adiados ou reduzidos, é
provável que a taxa real de inflação cresça ainda mais, devido à necessidade de bancar o
déficit cada vez mais largo.
Os compromissos de gastos
que o governo assumiu para a
próxima década são assustadores. Além disso, a possibilidade
de erro é especialmente grande
devido às incertezas nas projeções do programa de saúde Medicare. Historicamente, os Estados Unidos, a fim de limitar a
probabilidade de inflação destrutiva, sempre confiaram em
uma margem considerável de
proteção entre nível de endividamento do governo federal e
medidas amplas da capacidade
total de captação do país.
Perto do limite
As projeções atuais sobre a
emissão de títulos de dívida pública, caso concretizadas, certamente deixariam os EUA precariamente próximos do limite
máximo de captação nacional.
O medo de uma alta futura na
inflação em breve começará a
ser incorporado na formação
dos preços dos títulos de longo
prazo do governo dos Estados
Unidos ou nas taxas de juros.
Caso as taxas de juros de longo
prazo se elevem cronicamente,
os preços das ações continuarão sufocados, se a história serve como indicador.
Os Estados Unidos enfrentam uma escolha entre cortar
seus déficits orçamentários e
base monetária tão logo os riscos atuais de deflação se dissipem ou criar o cenário para
uma possível alta da inflação.
Mesmo na ausência de uma
ameaça inflacionária, existe
outro potencial perigo inerente
na atual política fiscal norte-americana: um aumento considerável no uso da dívida pública como instrumento de financiamento da economia dos Estados Unidos.
Um curso como esse para a
política fiscal é uma receita para a alocação política de capital
e para a debilitação do processo
de concorrência no setor privado, que é essencial para promover uma melhora nos padrões
de vida. A reputação desse paradigma foi severamente maculada pelos acontecimentos
recentes. Melhoras na regulamentação e na fiscalização financeira, especialmente na
área de requisitos de capitalização, são necessárias.
No entanto, a melhor chance
para o crescimento mundial é
que continuemos a confiar em
forças privadas de mercado para alocar capital e outros recursos. A alternativa, a alocação
política de recursos, já foi experimentada e fracassou.
ALAN GREENSPAN foi presidente do Federal
Reserve dos EUA.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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