São Paulo, sábado, 27 de julho de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

EM TRANSE

No Equador, presidente afirma que não é necessário um novo acordo com o Fundo Monetário Internacional

Mercado não entende fundamentos, diz FHC

WILSON SILVEIRA
ENVIADO ESPECIAL A GUAIAQUIL (EQUADOR)

O presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou ontem em Guaiaquil, ao comentar as turbulências do mercado no Brasil, que os mercados financeiros "parecem não ter entendido o fundamental, que os fundamentos da economia brasileira são os melhores possíveis".
Segundo ele, os mercados financeiros estão fazendo apostas equivocadas, "sobre eventuais comportamentos de eventuais futuros governos" -o que classificou de "mania de pitonisa" [adivinha que prevê o futuro".
Para FHC, o dólar sobe e desce por razões que não são econômicas, que são ou de especulação ou psicológicas. Ele disse que o governo brasileiro está fazendo tudo o que é requerido dele, como gerar superávits fiscal e comercial, e que essa política está baseada na vontade geral da sociedade, não no desejo de um presidente, qualquer que seja ele.
FHC afirmou que a necessidade de um novo acordo com o FMI (Fundo Monetário Internacional) vai depender mais dos mercados do que do governo. "Eu não vejo necessidade. Se for necessário para o bem do Brasil, para que os juros não subam, eu não tenho dificuldade em abrir negociações com o Fundo", disse, ressaltando que o FMI "tem sido bastante compreensivo" com o Brasil.
As afirmações de FHC foram feitas em discurso na solenidade de abertura do segundo encontro de presidentes da América do Sul e depois complementadas em rápida entrevista.
Segundo ele, os mercados financeiros no Brasil começam a desconfiar que, a despeito de tudo o que foi feito na área econômica, no futuro não será assim, "e fazem com que suas profecias se autocumpram porque passam a atuar por antecipação".
Disse que não há sentido na crença de que "certos setores" da sociedade brasileira poderiam de imediato mudar o que foi feito na política econômica e começar a atuar com irresponsabilidade.
"Por que atuariam com irresponsabilidade, se há um sentimento na região [da América do Sul" que vai em outra direção?", perguntou, reclamando que "não há mecanismos capazes de rebater certas pressões que vêm dos mercados financeiros e que destroem em pouco tempo o que foi construído durante anos".
FHC lembrou que governa o país há oito anos e que, antes disso, foi ministro da Fazenda por dois anos. "E não fiz outra coisa nesses dez anos senão seguir na tarefa de reconstruir o Estado brasileiro, de honrar os contratos e de fazer o máximo esforço de, com o ajuste fiscal, manter viva a política social."
Prosseguiu: "No entanto, parece que os mercados financeiros não entenderam o que parece ser fundamental, que a macroeconomia é saudável".
Aplaudido seis vezes durante seu discurso, FHC disse que falta neste momento uma liderança para que o mundo se dê conta de que não se pode seguir com essa incerteza.
"Já não se trata mais de risco que se pode calcular, trata-se de incerteza. Diante da incerteza não será melhor buscar consensos que levem à construção de uma ordem mais previsível, mecanismos que permitam contrapor essas forças irracionais, que sejam de mercado, que sejam de políticas, de um modo democrático?"
O presidente afirmou que o mundo assistiu à queda do Muro de Berlim, mas não assistiu à transformação das Nações Unidas em um instrumento efetivo de discussão eficaz dos grandes temas internacionais.
"Quantos de nós que assistimos o que ocorria na Europa imaginamos um mundo multipolar, um mundo no qual fosse possível que os interesses das regiões mais pobres pudessem ser ouvidos? Em vez disso, o que vimos foi a formação de um grupo chamado G-7 e depois G-8 [os sete países mais ricos e a Rússia", que não pode nem sequer se reunir abertamente em razão da desconfiança -não sei se é justa- de que não estão aí para ser algo significativo para o bem-estar dos povos."
Numa referência velada à predominância dos Estados Unidos, FHC afirmou que "alguns têm a sensação de que esse grupo se reúne para convalidar o que um só poder decidiu".
"Esse não é um mundo democrático. Esse não é o mundo para o qual nós nos preparamos durante tantas décadas. Esse é um mundo do unilateralismo."



Texto Anterior: Comentário: Eleição dificulta novo acerto com o FMI
Próximo Texto: Frase
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.