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OPINIÃO ECONÔMICA
Pegar no breu
BENJAMIN STEINBRUCH
Havia poucos balões nos
céus juninos deste ano. Felizmente, porque esses brinquedos são incendiários. Mesmo assim, ao observar um enorme e solitário balão derramando pingos
de fogo sobre a zona sul de São
Paulo, lembrei-me dos tempos da
infância, quando ainda não estávamos suficientemente alertados
para os riscos dessa prática.
A tocha dos balões, que a garotada chamava de mecha, era feita de sacos de estopa molhados
com parafina de velas derretidas.
No centro da tocha havia breu,
uma substância inflamável usada na produção de colas, tintas e
vernizes, comprada em qualquer
depósito de material de construção. Não era fácil colocar o balão
no ar. Ele pairava durante alguns
minutos até que, de repente, o fogo atingia o centro da mecha, o
balão tomava força e subia rapidamente. "Agora vai, o fogo pegou no breu", dizia a meninada
olhando para o céu.
Essa é uma das origens da expressão "pegar no breu", tão fora
de moda quanto o hábito de soltar balões. Mas ela é apropriada
no atual momento da economia
brasileira, pós-festas juninas. A
despeito da política monetária
conservadora, reafirmada na semana passada pelo Banco Central -ao manter a taxa de juros
básica em 16% ao ano-, a economia começa a "pegar no breu".
Não há nenhum milagre na retomada em curso. Deu-se o que
alguns economistas previam havia mais de um ano: as exportações foram estimuladas pela política cambial realista e pelo aumento de preço internacional de
alguns produtos do agronegócio
brasileiro, como soja e carnes. No
primeiro semestre, as exportações cresceram 31% e produziram um superávit invejável de
US$ 15 bilhões. No total do ano
passado, o saldo positivo já havia
sido de US$ 24,8 bilhões. Esse ritmo exportador criou empregos,
principalmente fora dos grandes
centros, nas regiões agrícolas, levou recursos para o consumo e
estimulou a demanda de bens.
Com isso, a economia entrou em
crescimento.
Os avanços se espalham por variados setores, como veículos,
imóveis, bens de capital, eletroeletrônicos e até alimentos. A pergunta que se faz agora é se a expansão será duradoura. E a resposta é: depende. Digo isso porque é lamentável que o Banco
Central, por exemplo, continue
jogando contra o crescimento. Ao
manter a Selic inalterada na semana passada, embora isso não
tenha sido surpresa para ninguém, o BC perdeu outra oportunidade para sinalizar ao mercado que o governo não teme um
crescimento vigoroso da economia. Com isso, encareceu o serviço da dívida pública, que, por
conta dos juros absurdos, já subiu R$ 135 bilhões em 18 meses do
governo Lula, ao passar de R$
623 bilhões para R$ 758 bilhões.
Mantida a Selic no nível atual,
segundo previsão do próprio BC,
a dívida em títulos do governo
deve continuar a ter um aumento mensal de R$ 9 bilhões. Ou seja, R$ 108 bilhões em um ano.
Em vez de reduzir seus gastos
com a dívida pelo corte dos juros,
o governo procura inventar fórmulas para aumentar ainda
mais a receita e a carga tributária, que já atingiu 40% do PIB.
Na semana passada, anunciou a
intenção de elevar em 0,6 ponto
percentual a contribuição previdenciária das empresas, que já é
de 20%, para pagar uma correção a que os aposentados têm direito. A repercussão negativa foi
tão grande que o governo desistiu
da idéia.
A proposta de aumento de alíquota soou até cômica, porque
sua discussão pública coincidiu
com o anúncio da maior arrecadação federal de todos os tempos.
No primeiro semestre, a Receita
Federal recolheu um total de R$
153 bilhões, um aumento real
(acima da inflação) de 10%. Essa
receita superou em R$ 6,75 bilhões o valor que estava previsto
para o período, uma transferência exagerada de recursos do setor privado para o público que fazem falta à produção, ao consumo e aos investimentos. A Cofins,
tributo que teve sua alíquota aumentada de 3% para 7,6% sobre
o faturamento, revelou crescimento nominal de 28,7% e real
de 21,1%.
A continuidade do crescimento
que anima a economia brasileira, portanto, depende de bom
senso para que a teimosia do
Banco Central não se perpetue e
para que o governo procure conter a sua ânsia arrecadatória.
Um bom sinal foi a confirmação,
na sexta-feira, da isenção da Cofins para produtos da cesta básica e do abono do Imposto de Renda.
A manutenção desse novo clima depende também de atitudes
determinadas para tocar as
obras de infra-estrutura e para
estimular o investimento em setores que já operam quase à plena carga no setor industrial. O
projeto de lei de PPPs (Parcerias
Público-Privadas), já aprovado
na Câmara, está encalacrado no
Senado, à espera de correções e
aperfeiçoamentos. O setor de máquinas e equipamentos espera há
meses pela aprovação de recursos
e os benefícios fiscais. A reformas
microeconômicas não avançam.
Em síntese, a seqüência e a ampliação do ritmo de crescimento
dependem da coragem dos responsáveis pela política econômica para colocar mais lenha nessa
fogueira -ou mais breu nessa
tocha.
Benjamin Steinbruch, 50, empresário,
é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional e presidente do conselho de administração da empresa.
E-mail - bvictoria@psi.com.br
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