São Paulo, terça-feira, 27 de julho de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Pegar no breu

BENJAMIN STEINBRUCH

Havia poucos balões nos céus juninos deste ano. Felizmente, porque esses brinquedos são incendiários. Mesmo assim, ao observar um enorme e solitário balão derramando pingos de fogo sobre a zona sul de São Paulo, lembrei-me dos tempos da infância, quando ainda não estávamos suficientemente alertados para os riscos dessa prática.
A tocha dos balões, que a garotada chamava de mecha, era feita de sacos de estopa molhados com parafina de velas derretidas. No centro da tocha havia breu, uma substância inflamável usada na produção de colas, tintas e vernizes, comprada em qualquer depósito de material de construção. Não era fácil colocar o balão no ar. Ele pairava durante alguns minutos até que, de repente, o fogo atingia o centro da mecha, o balão tomava força e subia rapidamente. "Agora vai, o fogo pegou no breu", dizia a meninada olhando para o céu.
Essa é uma das origens da expressão "pegar no breu", tão fora de moda quanto o hábito de soltar balões. Mas ela é apropriada no atual momento da economia brasileira, pós-festas juninas. A despeito da política monetária conservadora, reafirmada na semana passada pelo Banco Central -ao manter a taxa de juros básica em 16% ao ano-, a economia começa a "pegar no breu".
Não há nenhum milagre na retomada em curso. Deu-se o que alguns economistas previam havia mais de um ano: as exportações foram estimuladas pela política cambial realista e pelo aumento de preço internacional de alguns produtos do agronegócio brasileiro, como soja e carnes. No primeiro semestre, as exportações cresceram 31% e produziram um superávit invejável de US$ 15 bilhões. No total do ano passado, o saldo positivo já havia sido de US$ 24,8 bilhões. Esse ritmo exportador criou empregos, principalmente fora dos grandes centros, nas regiões agrícolas, levou recursos para o consumo e estimulou a demanda de bens. Com isso, a economia entrou em crescimento.
Os avanços se espalham por variados setores, como veículos, imóveis, bens de capital, eletroeletrônicos e até alimentos. A pergunta que se faz agora é se a expansão será duradoura. E a resposta é: depende. Digo isso porque é lamentável que o Banco Central, por exemplo, continue jogando contra o crescimento. Ao manter a Selic inalterada na semana passada, embora isso não tenha sido surpresa para ninguém, o BC perdeu outra oportunidade para sinalizar ao mercado que o governo não teme um crescimento vigoroso da economia. Com isso, encareceu o serviço da dívida pública, que, por conta dos juros absurdos, já subiu R$ 135 bilhões em 18 meses do governo Lula, ao passar de R$ 623 bilhões para R$ 758 bilhões. Mantida a Selic no nível atual, segundo previsão do próprio BC, a dívida em títulos do governo deve continuar a ter um aumento mensal de R$ 9 bilhões. Ou seja, R$ 108 bilhões em um ano.
Em vez de reduzir seus gastos com a dívida pelo corte dos juros, o governo procura inventar fórmulas para aumentar ainda mais a receita e a carga tributária, que já atingiu 40% do PIB. Na semana passada, anunciou a intenção de elevar em 0,6 ponto percentual a contribuição previdenciária das empresas, que já é de 20%, para pagar uma correção a que os aposentados têm direito. A repercussão negativa foi tão grande que o governo desistiu da idéia.
A proposta de aumento de alíquota soou até cômica, porque sua discussão pública coincidiu com o anúncio da maior arrecadação federal de todos os tempos. No primeiro semestre, a Receita Federal recolheu um total de R$ 153 bilhões, um aumento real (acima da inflação) de 10%. Essa receita superou em R$ 6,75 bilhões o valor que estava previsto para o período, uma transferência exagerada de recursos do setor privado para o público que fazem falta à produção, ao consumo e aos investimentos. A Cofins, tributo que teve sua alíquota aumentada de 3% para 7,6% sobre o faturamento, revelou crescimento nominal de 28,7% e real de 21,1%.
A continuidade do crescimento que anima a economia brasileira, portanto, depende de bom senso para que a teimosia do Banco Central não se perpetue e para que o governo procure conter a sua ânsia arrecadatória. Um bom sinal foi a confirmação, na sexta-feira, da isenção da Cofins para produtos da cesta básica e do abono do Imposto de Renda.
A manutenção desse novo clima depende também de atitudes determinadas para tocar as obras de infra-estrutura e para estimular o investimento em setores que já operam quase à plena carga no setor industrial. O projeto de lei de PPPs (Parcerias Público-Privadas), já aprovado na Câmara, está encalacrado no Senado, à espera de correções e aperfeiçoamentos. O setor de máquinas e equipamentos espera há meses pela aprovação de recursos e os benefícios fiscais. A reformas microeconômicas não avançam.
Em síntese, a seqüência e a ampliação do ritmo de crescimento dependem da coragem dos responsáveis pela política econômica para colocar mais lenha nessa fogueira -ou mais breu nessa tocha.


Benjamin Steinbruch, 50, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional e presidente do conselho de administração da empresa.

E-mail - bvictoria@psi.com.br


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