São Paulo, terça-feira, 27 de julho de 2004

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LUÍS NASSIF

O fetiche do superávit

Vamos retomar o tema da ditadura do superávit primário, levantado nas últimas colunas, a partir do noticiário recente dos jornais.
1) Segundo estudos da economista Érica Amorim -mencionados ontem em "O Globo"-, apenas a decisão de manter a taxa Selic em 16% ao ano, contra a previsão de chegar a 13% no final do ano, significará R$ 15 bilhões a mais de custo da dívida neste ano -R$ 3 bilhões a mais que todo o investimento público previsto.
2) O Brasil gastará neste ano US$ 9 bilhões com o pagamento de frete a companhias estrangeiras. Exportações não estão sendo concretizadas por falta de navios. A saída proposta foi a criação de um fundo de aval, no valor de R$ 600 milhões. Sendo de aval, provavelmente nem seria utilizado. Mas, como haveria um impacto contábil nas contas públicas, não saiu, por veto da Fazenda e do Tesouro. Criam-se passivos reais por conta de uma miragem contábil.
Pouco se fala do déficit nominal (que inclui superávit primário menos a conta de juros), porque aí se exporia o núcleo central do déficit brasileiro: juros elevados. Há duas justificativas para a manutenção das taxas elevadas, ambas sem relação entre si, mas repetidas, em esquema de revezamento, pelos mesmos teóricos.
A primeira é que os juros são elevados por conta do tamanho da dívida e do risco Brasil. Se a dívida interna é financiada em reais, qual a razão para utilizar como referência o risco Brasil, que é parâmetro apenas para a atração de dólares?
A segunda é a incrível "teoria da jabuticaba", segundo a qual as grandes empresas costumam comparar taxas longas de juros com expectativas de inflação. Se a diferença for inferior a 8% ao ano, eles reajustam preços.
Teorias são formulações abstratas, hipóteses que necessitam de comprovações empíricas para se comprovarem corretas ou não. Não existe comprovação dessa teoria. Os preços continuam sendo reajustados quando há demanda e contidos quando há competição. De 1995 para cá, todos os soluços inflacionários tiveram por causa principal a desvalorização do câmbio.
O que se quer é fugir do ponto focal: por que o câmbio se desvaloriza, mesmo quando o país equilibra suas contas externas? Porque deixou-se aberta a porteira para o livre fluxo de capitais, para o ganho fácil da arbitragem, de trazer dinheiro barato e aplicar em taxas elevadas. Se o Federal Reserve ameaça aumentar os juros dos Estados Unidos, os dólares saem do Brasil, provocando uma desvalorização cambial. Aí o Copom aumenta os juros para combater os efeitos inflacionários, voltam os dólares, e o câmbio se aprecia de novo, recriando a dependência.
Essa lógica do cachorro-comendo-o-próprio-rabo foi dissecada alguns anos atrás pelo economista Rubem Almonacid, já morto. Hoje em dia, o paradoxo de Almonacid tornou-se referência. E será alavanca fundamental para quebrar as últimas barreiras da irracionalidade, impondo o controle ao capital volátil e acabando com a internacionalização do financiamento da dívida pública brasileira.
O desafio é saber a maneira como será operacionalizado.

E-mail -
Luisnassif@uol.com.br


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