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LUÍS NASSIF
O fetiche do superávit
Vamos retomar o tema
da ditadura do superávit
primário, levantado nas últimas
colunas, a partir do noticiário
recente dos jornais.
1) Segundo estudos da economista Érica Amorim -mencionados ontem em "O Globo"-,
apenas a decisão de manter a taxa Selic em 16% ao ano, contra a
previsão de chegar a 13% no final do ano, significará R$ 15 bilhões a mais de custo da dívida
neste ano -R$ 3 bilhões a mais
que todo o investimento público
previsto.
2) O Brasil gastará neste ano
US$ 9 bilhões com o pagamento
de frete a companhias estrangeiras. Exportações não estão sendo concretizadas por falta de navios. A saída proposta foi a criação de um fundo de aval, no valor de R$ 600 milhões. Sendo de
aval, provavelmente nem seria
utilizado. Mas, como haveria
um impacto contábil nas contas
públicas, não saiu, por veto da
Fazenda e do Tesouro. Criam-se
passivos reais por conta de uma
miragem contábil.
Pouco se fala do déficit nominal (que inclui superávit primário menos a conta de juros), porque aí se exporia o núcleo central do déficit brasileiro: juros
elevados. Há duas justificativas
para a manutenção das taxas
elevadas, ambas sem relação entre si, mas repetidas, em esquema de revezamento, pelos mesmos teóricos.
A primeira é que os juros são
elevados por conta do tamanho
da dívida e do risco Brasil. Se a
dívida interna é financiada em
reais, qual a razão para utilizar
como referência o risco Brasil,
que é parâmetro apenas para a
atração de dólares?
A segunda é a incrível "teoria
da jabuticaba", segundo a qual
as grandes empresas costumam
comparar taxas longas de juros
com expectativas de inflação. Se
a diferença for inferior a 8% ao
ano, eles reajustam preços.
Teorias são formulações abstratas, hipóteses que necessitam
de comprovações empíricas para
se comprovarem corretas ou
não. Não existe comprovação
dessa teoria. Os preços continuam sendo reajustados quando há demanda e contidos
quando há competição. De 1995
para cá, todos os soluços inflacionários tiveram por causa
principal a desvalorização do
câmbio.
O que se quer é fugir do ponto
focal: por que o câmbio se desvaloriza, mesmo quando o país
equilibra suas contas externas?
Porque deixou-se aberta a porteira para o livre fluxo de capitais, para o ganho fácil da arbitragem, de trazer dinheiro barato e aplicar em taxas elevadas.
Se o Federal Reserve ameaça aumentar os juros dos Estados
Unidos, os dólares saem do Brasil, provocando uma desvalorização cambial. Aí o Copom aumenta os juros para combater os
efeitos inflacionários, voltam os
dólares, e o câmbio se aprecia de
novo, recriando a dependência.
Essa lógica do cachorro-comendo-o-próprio-rabo foi dissecada alguns anos atrás pelo economista Rubem Almonacid, já
morto. Hoje em dia, o paradoxo
de Almonacid tornou-se referência. E será alavanca fundamental para quebrar as últimas barreiras da irracionalidade, impondo o controle ao capital volátil e acabando com a internacionalização do financiamento
da dívida pública brasileira.
O desafio é saber a maneira
como será operacionalizado.
E-mail -
Luisnassif@uol.com.br
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