São Paulo, sexta-feira, 27 de julho de 2007

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ANÁLISE

Crise no mercado de crédito atinge ações

JOHN AUTHERS
DO "FINANCIAL TIMES"

AS DIFICULDADES no mercado imobiliário americano são evidentes há ao menos um ano, e dados desta semana mostram que o excedente de casas não vendidas é o mais alto desde 1992, o ano em que acabou a última recessão do setor nos EUA.
E em segmento algum as dificuldades são mais evidentes do que no mercado "subprime", de crédito imobiliário para clientes com históricos ruins, cujos prejuízos podem atingir US$ 100 bilhões, de acordo com o Fed (o banco central dos EUA).
Uma série de concordatas no mercado "subprime" gerou oscilações no mercado em fevereiro e março, mas os operadores decidiram rapidamente que o problema estava contido. As ações pelo mundo continuaram em alta, enquanto o mercado de crédito se mantinha em patamar muito elevado. Isso gerou otimismo quanto à possibilidade de distribuir o risco de modo mais fácil, o que justificava que até mesmo as empresas de maior risco tivessem crédito a baixo preço.
Esse clima otimista desapareceu. Agora, o medo governa os mercados de crédito, nos quais o custo efetivo de proteção contra inadimplência, tanto na Europa quanto nos EUA, cresceu em mais de 50% em um mês. Um fluxo constante de más notícias provocou temores de que o fiasco no setor "subprime" deflagrasse uma compressão de crédito, elevando o custo mundial de financiamento à medida em que os investidores se vêem forçados a vender investimentos saudáveis a fim de cobrir seus prejuízos.
Pode-se acrescentar a isso provas de que o mercado de hipotecas "prime" dos EUA também começa a sentir o abalo. O Countrywide, um dos maiores bancos do país de crédito imobiliário, informou que era esse o caso ao anunciar resultados desfavoráveis nesta semana. Isso poderia transferir os problemas a um mercado imensamente maior e afetar os investidores convencionais.
Essas preocupações também geraram temores com relação às ações, que nos últimos anos vêm recebendo forte sustentação da tendência de redução no número de ações circulantes, por meio do uso de reservas de caixa das empresas para recomprar ações ou de aquisições alavancadas ou bancadas pelo setor de capital privado. Tudo isso elevava os preços das ações ao reduzir seu volume em circulação, e essas tendências dependiam da disponibilidade de crédito a custo baixo.
Foi só ontem que as ações pareceram se inteirar das sombrias conseqüências da crise.
Existem duas explicações contrastantes para a reação tardia dos mercados de ações. Alguns alegam que o crédito barato forneceu sustentação crucial às ações, e que as avaliações atuais dos papéis não podem mais ser sustentadas.
Uma visão mais positiva é a de que o mercado de crédito está passando por uma saudável correção e que a divergência entre os mercados de crédito e ações é natural. Os investidores no setor de capital privado, e muitas empresas, estão obtendo crédito a baixo custo e usando-os para recomprar ações. Isso favorece diretamente os investidores em ações, à custa dos investidores em crédito, aos quais resta emprestar dinheiro a companhias com maior endividamento em seus balanços, e, portanto, os expõe a maior risco de inadimplência.
Marc Chandler, da Brown Brothers Harriman, de Nova York, diz que "embora a compressão de crédito seja causa de preocupação, nossa suposição é de que as condições estão simplesmente voltando a um nível mais normal". Já as autoridades regulatórias parecem crer que o problema não causará uma crise sistêmica.
"Aqueles que erraram em suas ações e avaliações terminaram punidos", disse William Poole, presidente do Fed de St. Louis, na semana passada. "Estamos recebendo bons indícios de que as empresas e fundos de hedge que estão sofrendo mais são os que o merecem".
Isso pode justificar a confiança dos investidores. Mas os mercados de ações estavam enviando alguns sinais de alerta antes da queda de ontem. As ações do setor financeiro vinham tendo fraco desempenho, e as grandes empresas estavam se saindo melhor que as pequenas. Esse "estreitamento" do mercado em favor dos grandes tipicamente surge ao final de longos períodos de alta.
Mas as ações também dispõem de outros meios de sustentação. Os lucros das empresas americanas parecem caminhar para um crescimento anualizado superior a 5% no segundo trimestre, impressionante depois de quatro anos de alta ininterrupta. Seu endividamento é baixo, e por isso a alta nos custos de crédito não prejudicará demais os seus lucros.
Até as quedas de ontem, os papéis dos mercados emergentes como o Brasil continuavam a cerca de 1,5% de seus picos históricos, enquanto os preços dos títulos de dívida emergente caíram muito menos que os papéis das empresas americanas nas últimas semanas. Isso sugere que a confiança no crescimento secular dos grandes emergentes continua intacta.
E o mercado de crédito não é a única fonte de liquidez. Os grandes fundos dos países ricos em petróleo e de economias asiáticas têm enormes recursos e precisam investi-los. A aquisição pela China de uma participação acionária no grupo de capital privado Blackstone sugere que essas reservas seguirão sustentando o mercado.
Assim, mesmo alguns dos observadores mais pessimistas sugerem que as ações podem evitar uma queda decisiva por pelo menos mais um ano.


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