São Paulo, domingo, 27 de julho de 2008

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CLAUDIO WEBER ABRAMO

Um risco a evitar


Ser socialmente responsável numa eleição implica eximir-se de financiar candidatos com passado questionável

AS ELEIÇÕES de 2008 têm sido marcadas pela discussão a respeito dos candidatos que têm problemas com a Justiça. Sob o ponto de vista formal, não há nada a fazer.
A legislação brasileira não estabelece nenhuma restrição à participação dessas pessoas no processo eleitoral, conforme já decidido pelo Tribunal Superior Eleitoral. Aliás, nenhum país europeu ou da América do Norte estabelece tais restrições. De forma geral, nesses países só uma sentença transitada em julgado (que não mais admite recursos) pode impedir o indivíduo de candidatar-se. Isso não quer dizer que o Brasil não possa inovar nessa área, embora, caso isso venha a acontecer, não valerá para o pleito deste ano.
A política brasileira está sendo invadida por pessoas que não reúnem as condições aparentes de probidade exigíveis para o exercício de funções públicas. Com efeito, desde 2006 a Transparência Brasil publica na Internet, em seu projeto Excelências (www.excelencias.org.br) históricos de todos os integrantes do Congresso Nacional e, a partir de 2007, das Assembléias Legislativas e das Câmaras de Vereadores das capitais.
Entre as informações coletadas sistematicamente no projeto estão ocorrências na Justiça e nos tribunais de contas envolvendo os parlamentares. O quadro que emerge do levantamento chega a ser assustador. Por exemplo, nada menos de 66% dos deputados estaduais goianos (27 em 41) respondem na Justiça por crimes diversos, a maioria por compra de votos.
Na Câmara dos Deputados, os punidos por tribunais de contas por irregularidades graves ou que respondem a processos criminais são 214 (42% do total).
No Senado, eles são 41%. Na Câmara Municipal de São Paulo, o porcentual é de 25%.
Parece evidente que medidas precisam ser tomadas para barrar o acesso dessas pessoas aos cargos eletivos. Enquanto a lei não mudar, essa tarefa cabe ao eleitor.
É por isso que é importante que essas ocorrências recebam publicidade.
O eleitor precisa saber quem são as pessoas que pedem o seu voto para, assim, decidir melhor.
Da mesma forma que o eleitor, empresas privadas que doam recursos a candidatos em eleições fariam bem se incluíssem em suas decisões de financiamento a ponderação da vida pregressa dos políticos que batem às suas portas. Será que vale a pena financiar um candidato que não tem ficha limpa?
O risco de propulsionar eleitoralmente um indivíduo com passado duvidoso pode não incidir diretamente sobre a empresa financiadora, mas decerto o faz indiretamente. Por exemplo, no mesmo projeto Excelências, para cada parlamentar exibem-se os seus financiadores de campanha.
O cruzamento de uma informação com a outra estabelece as relações entre empresas doadoras e políticos com problemas judiciais e em tribunais de contas.
Vivemos uma época em que empresas são instadas a todo momento a serem "socialmente responsáveis". Não há, na vida institucional de um país, momento mais importante do que as eleições.
Não é difícil concluir que ser socialmente responsável numa eleição implica eximir-se de financiar candidatos com passado questionável.


CLAUDIO WEBER ABRAMO, matemático pela USP e mestre em lógica e filosofia da ciência pela Unicamp, é diretor-executivo da Transparência Brasil, organização dedicada ao combate à corrupção.

Excepcionalmente, hoje, a coluna de JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN não é publicada.


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