|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO ECONÔMICA
Um pouquinho mais...
BENJAMIN STEINBRUCH
Há bastante tempo venho pensando em escrever este artigo, que
tem menos economia e mais do
nosso cotidiano. Refletir sobre a
vida louca que levamos, numa
corrida frenética em busca daquilo que nos parece inatingível e que
sempre esteve tão perto de nós.
Muitos correm por dinheiro, para
ganhar mais ou para diminuir dívidas. Outros correm pelo poder,
para mandar mais ou deixar de
ser mandados, outros correm por
correr, fazendo parte da grande
maioria, e outros correm sem saber por que estão correndo. A verdade é que a vida passa e, muitas
vezes, eu diria até que na maioria
das vezes, as coisas importantes
do nosso dia-a-dia passam e nós
não damos a importância que deveríamos dar. A vida não é um
vôo "non-stop" em que se embarca com um destino, e sim um passeio cheio de escalas que devem
ser vividas na sua plenitude, na
medida em que ocorram ou apareçam os pousos do caminho.
Penso assim porque todos nós
temos, certamente, a visão do país
ideal, do Brasil em que gostaríamos de viver e do qual só pudéssemos nos orgulhar. Para isso, cabe
a pergunta: será que estamos fazendo as coisas certas? Definindo
os planos adequados? Buscando
nossos esforços em diagnósticos
infalíveis? Avaliando corretamente os comportamentos dos
mercados, dentro e fora de nossas
fronteiras? Levando às autoridades, aos políticos, às lideranças da
sociedade a contribuição necessária, as criticas, as sugestões?
Não tenho dúvida de que o Brasil é um dos países em que mais se
trabalha, mais se corre, mais os
homens responsáveis vivem realizando esforços, todos os dias, de
maneira incansável, para superar
dificuldades, enfrentar desestímulos, abrir clareiras de progresso.
Nesta época de férias, no Hemisfério Norte, as coisas param, e param mesmo, por pelo menos quatro semanas. Lá todos têm o direito de usufruir um pouco daquilo
que construíram durante o ano.
Aqui no Brasil, no entanto, continuamos correndo, de janeiro a
dezembro, encurtando ou adiando férias, violentando os fins-de-semana, invadindo as horas noturnas nos escritórios, nas fábricas, nas portas dos gabinetes oficiais.
Há pouco tempo foi aniversário
da Victória, minha filha mais velha. Ela tem só sete anos. Como
sempre eu estava nesta vida dividida, entre São Paulo e Rio de Janeiro, priorizando reuniões e conversas de negócios, equilibrando o
tempo escasso para chegar à festa
pelo menos para o "Parabéns"!
Não deu. Cheguei muito atrasado. Soube logo que a festinha foi
muito boa, alegre, descontraída,
até a hora do bolo. Aí Toia se deu
conta de que eu não tinha chegado ainda. Não queria mais o "Parabéns". Começou a chorar pela
falta do pai e só parou quando
apareci, bastante sem jeito, e tentei cantar um outro "Parabéns".
Não deu para consertar.
Poucos dias depois, outro problema, com a mesma filha. Eu
precisava estar em uma reunião
no Rio, logo pela manhã, na primeira hora, em um encontro que
era muito importante, mas que
coincidia com uma apresentação
que Victória ia fazer na escola,
para os colegas e os seus pais. À
noite, em reunião na minha casa,
em que meus filhos sempre estão
por perto, ela ouviu que eu não
poderia ir a sua apresentação, no
dia seguinte. Foi um deus-nos-acuda. Para ela, naquele momento, aquela era a coisa mais importante do mundo. Depois da
"mancada" de seu aniversário, a
minha ausência naquela apresentação seria um fim do mundo.
Tanto ela fez que, não sei como, às
23h, desmarquei a reunião, em
troca de um emocionado "Muito
obrigada, papai".
Meu pai, Mendel, corria muito
também. Ele tinha que correr. Foi
a pessoa mais especial que conheci, dotada de uma excepcional capacidade de trabalho, que chegou
atrasada, muitas vezes, a nossas
festinhas de aniversário. Em outras ocasiões ele não conseguiu estar presente em reuniões simples,
encontros de família, tão importantes para mamãe e para mim e
meus irmãos. Ele fazia sempre o
possível e o impossível para estar
junto, mas, às vezes, não dava! Sei
que ele sofria com isso. E quantas
vezes se referiu a encontros afetivos que perdeu (e não conseguiu
esquecer) por causa de encontros
de negócios que teriam sido importantes, mas dos quais não se
lembrava mais...
A vida para mim (e para tanta
gente com quem convivo) é uma
corrida de muito longo prazo. É
por isso que me questiono se vale
mais a velocidade ou se mais vale
a resistência.
Meu pai correu muito e me faltou cedo. Ele tentava atender a
tudo e a todos. Conseguiu, mas foi
embora cedo demais. Ficou a sua
ausência, a sua falta para mim.
Pensei outra vez, depois de muito tempo, em abordar este tema,
por causa da morte tão triste de
John Kennedy Jr. Será que não lhe
faltou alguém próximo, com mais
experiência de vida, que pudesse
chegar junto a ele e dar um conselho para avaliar melhor os riscos
que estava assumindo? Nada na
vida substitui a vida já vivida. Experiência, cabelos brancos, idade
e situações já vencidas é o que vale sempre. E o que fica. Viver a vida intensamente, assumindo todos os riscos, é coisa de jovem. Viver a vida intensamente, como jovem, procurando diminuir os riscos, é sabedoria.
Que falta me faz meu pai. Se ele
tivesse conseguido viver um pouquinho mais...
Benjamin Steinbruch, 45, empresário, graduado em administração de empresas e marketing financeiro pela Fundação Getúlio Vargas (SP), é presidente dos conselhos de administração da Companhia Siderúrgica Nacional e da Companhia Vale do Rio Doce.
E-mail: bvictoria@psi.com.br
Texto Anterior: América Latina: País busca Mercosul contra Argentina Próximo Texto: Fusão: NTL e France Telecom acertam compra da CWC por US$ 13 bi Índice
|