São Paulo, Terça-feira, 27 de Julho de 1999
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OPINIÃO ECONÔMICA

Um pouquinho mais...

BENJAMIN STEINBRUCH

Há bastante tempo venho pensando em escrever este artigo, que tem menos economia e mais do nosso cotidiano. Refletir sobre a vida louca que levamos, numa corrida frenética em busca daquilo que nos parece inatingível e que sempre esteve tão perto de nós. Muitos correm por dinheiro, para ganhar mais ou para diminuir dívidas. Outros correm pelo poder, para mandar mais ou deixar de ser mandados, outros correm por correr, fazendo parte da grande maioria, e outros correm sem saber por que estão correndo. A verdade é que a vida passa e, muitas vezes, eu diria até que na maioria das vezes, as coisas importantes do nosso dia-a-dia passam e nós não damos a importância que deveríamos dar. A vida não é um vôo "non-stop" em que se embarca com um destino, e sim um passeio cheio de escalas que devem ser vividas na sua plenitude, na medida em que ocorram ou apareçam os pousos do caminho.
Penso assim porque todos nós temos, certamente, a visão do país ideal, do Brasil em que gostaríamos de viver e do qual só pudéssemos nos orgulhar. Para isso, cabe a pergunta: será que estamos fazendo as coisas certas? Definindo os planos adequados? Buscando nossos esforços em diagnósticos infalíveis? Avaliando corretamente os comportamentos dos mercados, dentro e fora de nossas fronteiras? Levando às autoridades, aos políticos, às lideranças da sociedade a contribuição necessária, as criticas, as sugestões?
Não tenho dúvida de que o Brasil é um dos países em que mais se trabalha, mais se corre, mais os homens responsáveis vivem realizando esforços, todos os dias, de maneira incansável, para superar dificuldades, enfrentar desestímulos, abrir clareiras de progresso.
Nesta época de férias, no Hemisfério Norte, as coisas param, e param mesmo, por pelo menos quatro semanas. Lá todos têm o direito de usufruir um pouco daquilo que construíram durante o ano. Aqui no Brasil, no entanto, continuamos correndo, de janeiro a dezembro, encurtando ou adiando férias, violentando os fins-de-semana, invadindo as horas noturnas nos escritórios, nas fábricas, nas portas dos gabinetes oficiais.
Há pouco tempo foi aniversário da Victória, minha filha mais velha. Ela tem só sete anos. Como sempre eu estava nesta vida dividida, entre São Paulo e Rio de Janeiro, priorizando reuniões e conversas de negócios, equilibrando o tempo escasso para chegar à festa pelo menos para o "Parabéns"! Não deu. Cheguei muito atrasado. Soube logo que a festinha foi muito boa, alegre, descontraída, até a hora do bolo. Aí Toia se deu conta de que eu não tinha chegado ainda. Não queria mais o "Parabéns". Começou a chorar pela falta do pai e só parou quando apareci, bastante sem jeito, e tentei cantar um outro "Parabéns". Não deu para consertar.
Poucos dias depois, outro problema, com a mesma filha. Eu precisava estar em uma reunião no Rio, logo pela manhã, na primeira hora, em um encontro que era muito importante, mas que coincidia com uma apresentação que Victória ia fazer na escola, para os colegas e os seus pais. À noite, em reunião na minha casa, em que meus filhos sempre estão por perto, ela ouviu que eu não poderia ir a sua apresentação, no dia seguinte. Foi um deus-nos-acuda. Para ela, naquele momento, aquela era a coisa mais importante do mundo. Depois da "mancada" de seu aniversário, a minha ausência naquela apresentação seria um fim do mundo. Tanto ela fez que, não sei como, às 23h, desmarquei a reunião, em troca de um emocionado "Muito obrigada, papai".
Meu pai, Mendel, corria muito também. Ele tinha que correr. Foi a pessoa mais especial que conheci, dotada de uma excepcional capacidade de trabalho, que chegou atrasada, muitas vezes, a nossas festinhas de aniversário. Em outras ocasiões ele não conseguiu estar presente em reuniões simples, encontros de família, tão importantes para mamãe e para mim e meus irmãos. Ele fazia sempre o possível e o impossível para estar junto, mas, às vezes, não dava! Sei que ele sofria com isso. E quantas vezes se referiu a encontros afetivos que perdeu (e não conseguiu esquecer) por causa de encontros de negócios que teriam sido importantes, mas dos quais não se lembrava mais...
A vida para mim (e para tanta gente com quem convivo) é uma corrida de muito longo prazo. É por isso que me questiono se vale mais a velocidade ou se mais vale a resistência.
Meu pai correu muito e me faltou cedo. Ele tentava atender a tudo e a todos. Conseguiu, mas foi embora cedo demais. Ficou a sua ausência, a sua falta para mim.
Pensei outra vez, depois de muito tempo, em abordar este tema, por causa da morte tão triste de John Kennedy Jr. Será que não lhe faltou alguém próximo, com mais experiência de vida, que pudesse chegar junto a ele e dar um conselho para avaliar melhor os riscos que estava assumindo? Nada na vida substitui a vida já vivida. Experiência, cabelos brancos, idade e situações já vencidas é o que vale sempre. E o que fica. Viver a vida intensamente, assumindo todos os riscos, é coisa de jovem. Viver a vida intensamente, como jovem, procurando diminuir os riscos, é sabedoria.
Que falta me faz meu pai. Se ele tivesse conseguido viver um pouquinho mais...


Benjamin Steinbruch, 45, empresário, graduado em administração de empresas e marketing financeiro pela Fundação Getúlio Vargas (SP), é presidente dos conselhos de administração da Companhia Siderúrgica Nacional e da Companhia Vale do Rio Doce.
E-mail: bvictoria@psi.com.br


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